Contrapontos aos Argumentos Lançados contra o Princípio do Promotor Natural nos Julgados do Supremo Tribunal Federal

AutorLuiz Antônio Freitas de Almeida
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS
Páginas97-109

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Este capítulo tem por missão contrapor os principais argumentos lançados contra o princípio do promotor natural em al-guns votos do Supremo Tribunal Federal. A exemplo do ocorrido no capítulo em que se escreveu sobre o princípio do promotor natural, quando se pontuou em subitens estanques os fundamentos que alicerçariam o postulado em comento, aqui também se destrinchará em subitens deste capítulo os motivos levantados por aqueles que advogam a tese da inexistência do promotor natural como garantia constitucional, com as respectivas ponderações pertinentes.

4. 1 A Hierarquia Decorrente dos Princípios da Unidade e Indivisibilidade

Aqueles que contestam a existência do princípio do promotor natural procuram corroborar seu entendimento com fulcro nos princípios institucionais da unidade e da indivisibilidade do

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Ministério Público, previstos no artigo 127, § 1º, da Constituição Federal.

O Ministro Paulo Brossard, na divergência que iniciou no Habeas Corpus n. 67.759/RJ, ponderou que os princípios institucionais da unidade e indivisibilidade autorizam a conclusão de que o Ministério Público, como é peculiar no serviço público, é órgão regido por hierarquia e disciplina. Desse modo, concluiu que poderia o chefe da instituição, para querer dar unicidade à atuação da instituição em determinado caso, designar determinado agente ministerial.

A Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, no voto condutor do acórdão em Recurso Extraordinário n. 387.974/ DF, ao adotar implicitamente a posição do Ministro Paulo Brossard, além de aliar o parecer do Subprocurador-Geral da República Edinaldo de Holanda Borges, também procurou denegar o postulado em virtude dos princípios institucionais do Parquet da unidade e indivisibilidade.

Este membro do Ministério Público da União, citado pela Ministra Ellen Gracie em seu voto, claramente sustenta que a unidade e a indivisibilidade conferem hierarquia à instituição ministerial. Alega que o princípio da indivisibilidade, por possibilitar a substituição recíproca dos membros do Ministério Público, refuta a tese do promotor natural, a qual partiria de uma prefixação unitária do agente com a atribuição para tanto. Admitir o promotor natural seria quebrar regra da não-contradição prevista em lógica formal. Por outro lado, Borges aduz que, com base em lição de Magalhães Noronha, a unidade traduz-se em única instituição sob o comando de uma única chefia, sem possibilidade de fracionamento.

De fato, vislumbra-se que aqueles que não aceitam o promotor natural partem da concepção clássica dos princípios da uni-dade e indivisibilidade, trazida da doutrina europeia – onde foi a gênese da instituição ministerial –, sem o cuidado de relativizar seu alcance semântico por força de outro princípio também institucional do Ministério Público: o da independência funcional.

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Este alerta é importante, porquanto o princípio da independência funcional compõe o tripé principiológico eleito pelo Poder Constituinte Originário para caracterizar a instituição ministerial e dar-lhe os matizes funcionais. Esse último princípio destaca o Ministério Público nacional das suas instituições congêneres europeias, as quais não possuem o grau de autonomia e independência de que goza o Parquet brasileiro1. Não se pode importar acriticamente conceitos alienígenas, sem primeiro compatibilizálos com o crivo científico da teoria e jurisprudência pátrias.

Tanto é que o próprio princípio da unidade, desenvolvido para explicar a instituição ministerial oriunda em país cuja forma de Estado era unitário, deve ter seu conteúdo adaptado ao Brasil, pois a forma de nosso Estado é a federação. Assim, pensa-se real-mente que cada Ministério Público é uno considerado em si mesmo, pois é notório que não existe apenas um Ministério Público no país nem entre eles existe qualquer unidade, como bem lembra Mazzilli (1995).

Carneiro (2003) e Dantas (2004) trazem preciosa colaboração ao mostrarem em suas obras, por meio de estudo do direito comparado, que os membros do Ministério Público europeu e norte-americano não detêm a independência que possuem o Parquet brasileiro.

Os agentes do Ministério Público francês não gozam de independência nem inamovibilidade e, não obstante serem considerados magistrados, devem atender as recomendações hierárquicas, estando vinculados ao Ministro da Justiça, apenas sendo livres em

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suas manifestações orais – la plume est serve mais la parole est libre (a pena é serva, mas a palavra é livre) (DANTAS, 2004).

Os agentes do Ministério Público italiano (magistratura requerente), os quais também integram o Judiciário, não possuem, ao contrário dos juízes (magistratura judicante), inamovibilidade, estando sujeitos ao Ministério da Graça e da Justiça, compondo órgão cujos membros são funcionalmente subordinados ao chefe da instituição (DANTAS, 2004).

Os membros do Parquet alemão compõem órgão que pertence ao Executivo e possui estrutura rigidamente hierarquizada, o que lhes retira qualquer parcela de autonomia e independência.

O Ministério Público da Espanha caracteriza-se também pela subordinação, organização e dependência, muito embora sua disciplina tenha sido relegada mais ao legislador ordinário, diante da pouca referência que lhe fez a Constituição espanhola (DANTAS, 2004).

O Ministério Público inglês e norte-americano merecem aná-lise diferenciada, em virtude da estrutura diversa que possuem em relação aos demais órgãos ministeriais avaliados. O Attorney General inglês (Procurador-Geral) é escolhido pelo Ministro da Justiça dentre advogados barristers e nomeia o Director of Public Persecution (Diretor de persecução pública), o qual atua em casos considerados mais graves, deixando que o escritório de forças policiais exerça a persecução penal em crimes considerados menores. Recentemente fora criado o Serviço Real de Persecução, integrado por advogados...

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