O Entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a (In)Existência do Princípio do Promotor Natural ante a Constituição Federal de 1988

AutorLuiz Antônio Freitas de Almeida
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS
Páginas67-96

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Este capítulo da pesquisa tem a finalidade de reproduzir a posição do Supremo Tribunal Federal, sob a égide da Constituição Federal de 1988, sobre a existência ou não do princípio do promotor natural. Basicamente serão apresentados dois casos paradigmas, o acórdão em Habeas Corpus n. 67.759/RJ e o acórdão no Recurso Extraordinário n. 387.974/DF, com as ponderações pertinentes, precedidos de uma análise sintetizada sobre outros acórdãos do Supremo Tribunal Federal em que o princípio do pro-motor natural fora objeto de debate, aproveitando-se da pesquisa efetuada por Dantas (2004) e das decisões disponibilizadas na “home page” do Supremo Tribunal Federal.

3. 1 Decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o Princípio do Promotor Natural

Como já fora mencionado alhures, o princípio do promotor natural fora intuído pelo Ministro Antônio Neder, que se manifes-

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tara no sentido de que a Constituição de 1967, ao abolir os tribunais de exceção, também banira o acusador de exceção (DANTAS, 2004).

No entanto, após o advento da Constituição, o Supremo Tribunal Federal voltaria a apreciar questão envolvendo o postulado em estudo no Habeas Corpus n. 68.739-3/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado pela 1a Turma em 1º de outubro de 1991, por unanimidade. Admitia-se o promotor natural e buscavase sua conciliação com os princípios institucionais da unidade e indivisibilidade. Transcreve-se parte da ementa, publicada no Diário de Justiça da União em 25 de outubro de 1991 e compilada por Dantas (2004, p. 15):

“Inquérito policial militar: arquivamento a pedido do Procurador, cassado pelo STM, mediante correição parcial do Auditor-Corregedor, com remessa dos autos ao Procurador-Geral (CPPM, art. 498, b, c/c art. 397, § 1º): 1) compatibilidade com a legitimação exclu-siva do Ministério Público para a ação penal pública e com a tese do Promotor Natural, que há de conciliar-se com os princípios da unidade e indivisibilidade da instituição; 2) impertinência da invocação de coisa julgada: caráter não jurisdicional da decisão judicial que defere o arquivamento de inquérito policial.” (grifo do autor)

Posteriormente, em 06 de agosto de 1992, o pleno do Supremo Tribunal Federal prolatou seu precedente mais importante sobre o princípio do promotor natural, o acórdão em Habeas Corpus n. 67.759/RJ, Relator Ministro Celso de Mello, cuja ementa e votos dos Ministros mereceram um aprofundamento no subitem próprio deste capítulo.

Ainda em 1992, a 2a Turma do Supremo Tribunal Federal posiciona-se, em sua maioria, pela rejeição do princípio do promotor natural, com paradigma no Habeas Corpus n. 67.759/RJ. Foi no acórdão em Habeas Corpus n. 68.996/RJ, relator Ministro Francisco Rezek, não obstante a dissensão do Ministro Marco Aurélio, o qual considerou, com base no mesmo precedente invocado pelo Ministro Rezek, que a Corte havia reconhecido, pelo voto médio, a existência do postulado, que dependeria de regulamentação por não ser autoaplicável (DANTAS, 2004).

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Em 30 de junho de 1993, já na vigência da Lei n. 8.625/1993 e Lei Complementar n. 75/1993, o pleno do Supremo Tribunal Federal, no acórdão em Habeas Corpus n. 69.599/RJ, relator Ministro Sepúlveda Pertence, reconhece o princípio do promotor natural – que não seria autoaplicável, com base na decisão do próprio Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 67.759 – e aduz que formação de forças tarefas não o afronta. Transcreve-se a ementa do acórdão, publicada no Diário de Justiça da União em 27 de agosto de 1993, página 17.020, in verbis:

“E M E N T A: I. Ministério Público: legitimidade ad processum para o oferecimento da denúncia de Promotor designado previamente para compor grupo especial de acompanhamento de investigações e promoção da ação penal relativas a determinados crimes 1. Sendo a denúncia anterior a L. 8.625/93 – segundo a maioria do STF, firmada no HC 67.759 (vencido, no ponto o relator) – não se poderia opor-lhe a validade o princípio do Promotor Natural, pois, a falta de legislação que se reputou necessária a sua eficácia, estaria em pleno vigor o art. 7º V, LC 40/81, que conferia ao Procurador-Geral amplo poder de substituição para, ‘mesmo no curso do processo, designar outro membro do Ministério Público para prosseguir na ação penal, dando-lhe orientação que for cabível no caso concreto’. 2. De qualquer modo, ainda para os que, como o relator, opuseram temperamento a recepção integral da legislação anterior, a Constituição vigente não veda a designação, no Ministério Público, de grupos especializados por matéria, na medida em que a atribuição aos seus componentes da condução dos processos respectivos implica a prévia subtração deles da esfera de atuação do Promotor genericamente incumbido de atuar perante determinado juízo. II. Competência: prevenção: exigência de distribuição: incompetência, porém, que, sendo relativa, ficou sanada pela preclusão. 1. O art. 83, C. Pr. Penal há de ser entendido em conjugação com o art. 75, parag. único: só se pode cogitar de prevenção da competência, quando a decisão, que a determinaria, tenha sido precedida de distribuição: não previnem a competência decisões de juiz de plantão, nem as facultadas, em caso de urgência, a qualquer dos juízes criminais do foro. 2. A jurisprudência do STF está consolidada no sentido de que é relativa, no processo penal, não só a competência territorial de foro, mas também a firmada por prevenção (precedentes): donde, a falta de exceção tempestivamente oposta, o convalescimento, pela preclusão, da incompetência do juiz que equivocadamente se entendeu prevento.”

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O Supremo Tribunal Federal, novamente pelo plenário, repetiu o mesmo posicionamento no que tange ao princípio do pro-motor natural no Habeas Corpus n. 70.290/RJ, decisão julgada em 30 de junho de 1993 e publicada em 13 de junho de 1997, pág.
26.691, com idêntica redação na parte que se refere ao postulado. Em agosto de 1993, o Supremo Tribunal Federal, nos embargos de declaração propostos contra o acórdão proferido no Habeas Corpus n. 67.759/RJ, esclarece definitivamente que o postulado do promotor natural foi albergado na Constituição Federal. Colaciona-se a ementa do aresto, publicada no Diário de Justiça da União em 24 de setembro de 1993:

HABEAS CORPUS – PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL
– ATUAÇÃO ULTRA VIRES DO PROMOTOR DESIGNADO
– DENÚNCIA RATIFICADA PELO CHEFE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – POSSIBILIDADE – QUESTÃO APRECIADA PELO ACÓRDÃO – INOCORRÊNCIA DE OMISSÃO – EMBARGOS REJEITADOS.
– O plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 67.759-2, rel. Min. CELSO DE MELLO, proclamou a existência do princípio do Promotor Natural no sistema de direito positivo brasileiro.
– É legítima a ratificação, pelo Chefe do Ministério Público, de denúncia oferecida por membro da Instituição a quem se outorgaram poderes para atuar na fase pré-processual da investigação criminal. A eventual atuação ultra vires do Promotor designado, uma vez convalidada por deliberação superveniente e imediata do ProcuradorGeral, despoja-se de qualquer eiva de ilegalidade formal.

Questão que, por haver sido efetivamente apreciada pelo acórdão recorrido, não justifica; ante a inocorrência de omissão, o uso da via dos embargos declaratórios” (DANTAS, 2004, p. 25-26).

A 1a Turma do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus
n. 71.429-3/SC, relator Ministro Celso de Mello, por unanimi-dade, declarou novamente o princípio do promotor natural como garantia consagrada na Constituição Federal; no caso concreto, entendeu-se não violado o princípio quando se escolhe, mediante sorteio, membro do Ministério Público de 2a instância para atuar em processos penais de competência originária dos tribunais. Copia-

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se a ementa do acórdão, publicado no Diário de Justiça da União em 25 de agosto de 1995, página 26.023:

“EMENTA: HABEAS CORPUS – DELITO DE PECULATO – EXPREFEITO MUNICIPAL – COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – POSSIBILIDADE DE O JULGAMENTO SER REALIZADO POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DESSE TRIBUNAL – OFERECIMENTO DE NOVA DENÚNCIA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE 2a INSTÂNCIA – OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PLENITUDE DE DEFESA E DO CONTRADITÓRIO – ALEGADA OFENSA AO POSTULADO DO PROMOTOR NATURAL – INOCORRÊNCIA – PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE – INAPLICABILIDADE A AÇÃO PENAL PÚBLICA – APTIDÃO FORMAL DA DENÚNCIA – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – SITUAÇÃO NÃO CONFIGURADA – PEDIDO INDEFERIDO – O ex-Prefeito Municipal dispõe de prerrogativa de foro perante o Tribunal de Justiça do Estado nos delitos que, cometidos ao tempo em que desempenhou a Chefia do Poder Executivo local, não se acham incluídos na esfera de competência jurisdicional da Justiça Federal comum, ou da Justiça Militar da União, ou, ainda, da Justiça Eleitoral. Precedentes do STF. – O novo sistema normativo instaurado pela Constituição Federal de 1988 consagrou, como garantia indisponível dos acusados, o princípio do Promotor Natural. Precedente: RTJ 146/794, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno. A escolha de Procurador de Justiça, mediante sorteio, para atuar nos processos penais originários em segunda instância, decorre de critério objetivo que, precisamente por impedir manipulações casuísticas ou designações seletivas efetuadas pela Chefia da Instituição, ajusta-se ao postulado do Promotor Natural, que se revela incompatível com a figura do acusador de exceção. Hipótese em que a denúncia foi oferecida por membro do Ministério Público de segunda instância, designado mediante sorteio. – O princípio da indivisibilidade, que é peculiar a querela privada, não se...

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