Princípio do Promotor Natural

AutorLuiz Antônio Freitas de Almeida
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS
Páginas19-65

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Princípio é um vocábulo equívoco, porque comporta diversos significados. Como corte metodológico, este trabalho utilizará o termo na acepção deontológica proposta por Cunha (2003, p. 270) de “[...] prescrição consistente numa opção valorativa fundamental”.

Com isso não se quis afirmar que se desconhece o debate acadêmico travado por juristas que vislumbram distinção hierárquica entre princípios e regras, os que defendem existir distinção qualitativa, a exemplo de Dworkin e Alexy (apud SILVA, V., 2003), e aqueles que sustentam existir outras diferenças, como lembra Silva, V. (2003).

Afinal, poder-se-ia alegar ser o promotor natural uma norma-regra e não princípio, caso se admita que ele não é um mandamento de otimização e não deve ser realizado somente à medida do possível. Essa conclusão é feita por paráfrase à reflexão de Silva, V. (2003) sobre os “princípios” da legalidade e da anterioridade previstos no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal, com parâ-metro exclusivo na doutrina de Alexy (apud SILVA, V., 2003).

A opção de denominar o promotor natural de princípio foi feita, tão-somente, em função de ser a expressão comumente utilizada na doutrina e jurisprudência pátrias, as quais parecem diferenciar princípios das normas-regras por critério hierárquico, fator que autorizaria a conclusão de que preponderam aqueles quando em confronto com estas (CUNHA, 2003).

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2. 1 Conceito

O princípio do promotor natural é conceituado por Carneiro (2003, p. 48):

“O princípio do promotor natural pressupõe que cada órgão da instituição tenha, de um lado, as suas atribuições fixadas em lei e, de outro, que o agente, que ocupa legalmente o cargo correspondente ao seu órgão de atuação, seja aquele que irá oficiar no processo correspondente, salvo as exceções previstas em lei, vedado em qualquer hipótese, o exercício das funções por pessoas estranhas aos quadros do Parquet.”

Na visão de Moraes (2002), o promotor natural contrapõe-se ao promotor de exceção, e resulta do ordenamento constitucional que disciplina que apenas o promotor natural deverá atuar no processo. Nessa mesma linha, Rangel (2005a), após lembrar que o princípio do promotor natural também é chamado de “promotor legal” por Sérgio Demoro Hamilton, destaca ser o promotor natural a garantia constitucional do cidadão e da sociedade de contar com órgão de execução do Ministério Público com atribuições previamente estabelecidas por lei, a fim de que se evite o “promotor de encomenda”.

Compendiando a lição dos doutrinadores mencionados, o princípio do promotor natural consubstancia a garantia constitucional de que somente membro do Ministério Público que esteja lotado em órgão de execução, cujas atribuições devem ser predeterminadas em lei, poderá exercer suas funções perante a hipótese fática que acarreta sua intervenção.

2.1. 1 Natureza jurídica

Quando se procurou conceituar o princípio do promotor natural, afirmou-se tratar-se de uma garantia constitucional. Ao contrário de Ruy Barbosa (apud SILVA, J., 1999), para quem as garantias são meios previstos para assegurarem direitos, o conceito foi construído considerando o entendimento de José Afonso da Silva sobre garantias constitucionais especiais, instrumentais des-

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tinados a resguardar direitos fundamentais e que se constituem em autênticos direitos públicos subjetivos.

Logo, com base nessa noção de garantia constitucional especial, depreende-se que está albergada a posição de Carneiro (2003), o qual escreve que o princípio do promotor natural é garantia constitucional do indivíduo e da sociedade, como também se revela autêntico direito subjetivo do membro do Ministério Público de não ser afastado de suas atribuições, conquanto aduza que essa garantia seria mais do próprio indivíduo do que do agente ministerial. É a mesma inferência de Rangel (2005a) acerca do princípio, inclusive no ponto em que este autor declina que a razão essencial para a existência do princípio é o interesse social pela correta atuação de qualquer órgão do Estado, pautado nos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade.

Moraes (2002) enxerga no postulado do promotor natural também uma garantia constitucional do indivíduo e da sociedade. É a mesma conclusão de Penteado (1985), o qual considera que o promotor natural é uma garantia constitucional do indivíduo para a proteção do estado de inocência e do estado de dignidade, com a finalidade de conferir-lhe a igualdade e a ampla defesa, ao passo que também configura um mecanismo de freios e contrapesos (checks and balances) desenvolvido para concretizar o respeito pelas regras constitucionais e o pleno funcionamento do Ministério Público na busca de realização de seus objetivos institucionais.

Em suma, pode-se dessumir que o princípio do promotor natural é garantia constitucional da sociedade, do indivíduo e do próprio membro do Ministério Público.

Da sociedade, porque lhe interessa sejam as atribuições desse órgão do Estado maximamente desenvolvidas, para o eficaz desempenho de sua missão institucional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, para utilizar o texto insculpido na Constituição Federal vigente no artigo 127, caput.

Do indivíduo, porque, quando investigado ou processado pelo Ministério Público, é seu direito subjetivo que não tenha um pro-motor de exceção, como decorrência das garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da isonomia.

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Finalmente, é garantia do próprio membro do Ministério Público, porquanto como agente público de instituição do Estado que tem o munus constitucional de defender a sociedade, não pode ele abdicar de suas atribuições, para as quais prestou um juramento de bem cumpri-las, ou mesmo tê-las de si subtraídas por atos administrativos ilegais.

Em função de sua natureza jurídica de garantia constitucional, é plenamente defensável ser o princípio do promotor natural auto-aplicável, diante do comando expresso do § 1º do artigo 5º da Constituição Federal, o qual prescreve a aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais. Também sustenta a auto-aplicabilidade do princípio do promotor natural Fonteles (1994). Porém, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal prevaleceu a tese de que o princípio do promotor natural, embora positivado na Constituição Federal pela conjugação dos artigos 5º, LIII e LIV, art. 127, § 1º, 128, § 5º, I, “b”, dependeria de regulamentação legal (DANTAS, 2004), exigência que estaria satisfeita a partir da edição da Lei Complementar n. 75/1993, da Lei n. 8.625/1993 e a partir das Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos de cada Estado-membro da Federação brasileira.

2.1. 2 Requisitos

São requisitos do princípio do promotor natural: a) a investidura; b) a existência de órgão de execução do Ministério Público com atribuições predeterminadas em lei; c) a lotação de membro do Ministério Público em cargo de execução ou titularidade; d) a inafastabilidade do promotor natural de suas atribuições (CARNEIRO, 2003).

Fonteles (1994), por sua vez, critica esse entendimento, pois, a seu ver, os mencionados pressupostos ou requisitos para o promotor natural levantados por Carneiro seriam, em realidade, consequências da assunção deste postulado. De qualquer forma, sejam consequências ou pressupostos, as lições são válidas, por representarem bem o princípio em destaque.

A investidura representa a condição de somente poder atuar como membro do Ministério Público quem tenha sido investido no cargo, após aprovação em concurso público de provas e títulos,

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sendo vedado o exercício de atribuições do Parquet por alguém alheio ao quadro da instituição. Em outras palavras, proscreve-se definitivamente o promotor ad hoc, nomeado para o ato, como se permitia na legislação infraconstitucional, exempli gratia, no artigo 448, parágrafo único, do Código de Processo Penal, na redação anterior à mudança promovida pela Lei n. 11.689/08. É disposição expressa do artigo 129, § 2º, da Constituição Federal, pois a norma exigiu que os atos do Ministério Público só pudessem ser praticados por integrantes da carreira.

Mas não basta estar investido na carreira ministerial. Há que ter órgão de execução do Ministério Público previamente criado e cujas atribuições estejam predefinidas em lei complementar. Nery Júnior (2004) aduz que não se tolera mais cargos genéricos, cujas funções não estejam previstas na lei.

A Constituição Federal, a lei orgânica nacional do Ministério Público dos Estados, Lei n. 8.625/1993, e a Lei Complementar n. 75/1993, que instituiu o estatuto do Ministério Público da União, outorgaram ao Parquet a autonomia administrativa e financeira, permitindo que a criação e extinção de seus cargos sejam decorrentes de lei cuja proposta compete-lhe enviar ao Legislativo, consoante prescrição normativa do artigo 127, § 2º, da Constituição Federal, artigo 3º, V, da Lei n. 8.625/1993, e artigo 22, I, da Lei Complementar n. 75/1993. Ou seja, a criação de um órgão de execução será feita por lei cuja proposta será, em virtude da autonomia administrativa, originária do próprio...

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