Contratos

Páginas115-180
Manual de relações de trabalho ─ 115
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CONTRATOS
CONTRATOS
3.1. O contrato de trabalho e as fraudes nas contratações
por meio de contratos civis
Marcos de Oliveira Cavalcante
3.1.1. Introdução
O direito existe para regular, com Justiça, as relações humanas.
Essa regulação, em última etapa, se dá por meio das Constituições
de cada Estado-país. As normas que se podem extrair das constituições,
num Estado Democrático de Direito, são o consenso possível da vida
harmoniosa. Mas, como sabemos, os bens da vida são nitos e os desejos
humanos innitos. Sempre haverá choque entre pessoas, sempre haverá
conito. Por isso o Direito existe em dupla atividade: uma de caráter
preventivo: regulação; e outra de caráter sancionador: solução de litígios.
Não é diferente na seara das relações de trabalho.
Num modo de produção Capitalista, de um lado haverá um toma-
dor de serviços, que por meio da sua livre-iniciativa(80) buscará o lucro e
(80) Neste sentido, o próprio art. 1º da Constituição de 1988: “Art. 1º A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV – os valores sociais do trabalho
116 ─ Selma Carloto e Wanderlei Lagoas
acumulação; de outro lado o prestador de serviço, que buscará a melhor
remuneração pela força de trabalho empreendida(81).
Nas palavras de Nívia Rodrigues de Souza(82): “A Constituição Fe-
deral consagra os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa como
fundamentos do Estado, e estabelece, ainda, o trabalho como direito
social, que se traduz na busca e construção da dignidade da pessoa
humana. Dessa maneira, o presente trabalho se debruça sobre o fenô-
meno da pejotização, meio fraudulento que algumas empresas recorrem
visando ao pagamento de menos impostos e direitos trabalhistas, e que
tem sido alvo de discussões doutrinárias e jurisprudenciais que o clas-
sica como burla ao contrato de trabalho, uma vez que o empregador,
que assim procede, o faz com o intuito de não caracterizar a relação
de emprego do trabalhador. Nesses casos, a Justiça Trabalhista tem
reconhecido a fraude, determinando a correta anotação na Carteira
de Trabalho do contrato havido entre as partes, cominando ainda o
pagamento das verbas trabalhistas e contribuições previdenciárias,
além de eventual indenização por danos morais e materiais”.
Uma das questões mais tormentosas nas relações de trabalho, à luz
do Direito do Trabalho no Brasil, é saber como (1) contratar corretamente
aquele que vai prestar serviços e (2) remunerar de forma eciente e ecaz
(do ponto de vista econômico) e dentro da lei (ponto de vista jurídico) um
trabalhador, trazendo para a empresa uma relação contratual estável e a
possibilidade de auferir lucro, enm, de poder “tocar o negócio” como o
empresário entende ser melhor(83).
O princípio da livre-iniciativa não é absoluto, pois encontra na re-
gulamentação estatal seus limites e ainda no valor social do trabalho. É
importante para o sistema Capitalista (e não há outro melhor ou possível)
que o empresário possa livremente organizar, produzir e obter lucro
com sua produção, no entanto, isso deve ser feito dentro da Lei e se, por
conta da Lei, não se pode auferir todo o lucro desejado, se por conta da
e da livre-iniciativa; e neste sentido, foi promulgada a Lei n. 13.874, de 2019 sobre Declaração de
Direitos de Liberdade Econômica”.
(81) Também a Constituição dedica todo o Capítulo II dos Direitos Sociais ao tema – arts. 6º a 11.
(82) Pejotização como fraude à relação de emprego. Disponível em: http://www.fasb.edu.br/revista/
index.php/cic/article/view/393. Acesso em: ago. 2021.
(83) Ainda na Constituição de 1988, todo o Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira, arts.
170-181.
Manual de relações de trabalho ─ 117
lei há limitações de ordem nanceira, não pode haver espaço para má-fé.
Como alertam Süssekind, Maranhão, Vianna e Teixeira Lima, citados
por Eduardo Antônio Kremer Martins(84): “o contrato de trabalho, como
qualquer outro, deve ser executado de boa-fé”. É imprescindível que em
qualquer ato jurídico não estejam embutidos vícios. Importante observar
que as relações de trabalho instaladas de modo a não congurar relações
de emprego são coibidas pela CLT em seu art. 9º: “Art. 9º Serão nulos de
pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou
fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
Dessa forma, embora a boa-fé seja um princípio cujo debate não se esgota,
por se mostrar bastante subjetivo, é nulo todo ato crivado pela má-fé”.
Não se pode conseguir com má-fé aquilo que a lei proíbe, especial-
mente considerando ser o contrato de trabalho um contrato de prestação
de serviços, onde uma pessoa coloca-se à disposição de outrem e merece
ter os seus direitos respeitados. A fraude é má-fé e má-fé tem que ser
abolida das relações sociais.
A contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços não
representa ou congura, por si só, ilegalidade. Só haverá fraude quan-
do ela revela, na análise do contexto fático, os elementos caracteriza-
dores da relação de emprego e, neste sentido, já se revela o de maior
intensidade – a subordinação jurídica trabalhista -, e aponta para a
fraude perpetrada pelo empregador com vistas a fugir de obrigações
trabalhistas, previdenciárias e até tributárias.
O objetivo deste rápido estudo é apresentar, de forma prática, a
conformação do contrato de trabalho e diferenciá-lo das demais formas
de prestações de serviço e mostrar quais elementos podem ser utilizados
para caracterizar uma verdadeira relação de emprego ou um verdadeiro
contrato de natureza civil moldados à forma da Lei. Ou quando estamos
frente a uma tentativa de fraude à legislação trabalhista.
Nas referências bibliográcas, em nota de rodapé e ao nal, apre-
sentamos material suciente para o leitor se aprofundar nas bases doutri-
nárias teóricas do Direito do Trabalho, pois, como dissemos acima, aqui
(84) Disponível em: ttps://docs.google.com/document/d/1IsmabYVyB3wGPgIr1ikkoCr7CiU-
M6uCgzli-sZXkgVA/edit>. Acesso em: ago. 2021. Vide importante indicação bibliográca citada
neste texto.

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