Contratos de doação entre potenciais herdeiros necessários donation contracts between potential necessary heirs

AutorGiselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e João Ricardo Brandão Aguirre
Páginas259-274
CONTRATOS DE DOAÇÃO
ENTRE POTENCIAIS HERDEIROS NECESSÁRIOS
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka
Professora Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP).
Coordenadora Titular e Professora Titular do Programa de Mestrado e Doutorado da
Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Coordenadora Titular da área
de Direito Civil da Escola Paulista de Direito (EPD). Mestre, Doutora e Livre-docente
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP). Ex-Procuradora
Federal. Fundadora e Diretora Nacional do IBDFAM (região sudeste). Diretora Nacional
do IBDCivil (região sudeste).
Auxiliou-me nas pesquisas para este artigo o Professor Rommel Andriotti, que é
professor de Direito Civil na Escola Paulista de Direito (EPD); mestrando em efe-
tividade do direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
mestrando em função social do direito pela Faculdade Autônoma de Direito (FADISP);
especialista em direito civil e processual civil pela Escola Paulista de Direito (EPD);
pesquisador e consultor jurídico em São Paulo e com endereço eletrônico rommel.
andriotti@outlook.com.
João Ricardo Brandão Aguirre
Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob
a orientação da Professora Titular Doutora Teresa Ancona Lopez, é mestre em Direito
Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) sob a orientação do
Professor Doutor Francisco José Cahali, especialista em Direito Processual Civil pelo
Centro de Extensão Universitária – CEU e graduado em Direito pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (1994). Professor da Faculdade de Direito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é coordenador da pós-graduação
em Direito de Família e Sucessões da Universidade Anhanguera Uniderp-MS. Foi
coordenador dos cursos Jurídicos da Rede LFG. Presidente do Instituto Brasileiro de
Direito de Família em São Paulo – IBDFAMSP. Tem experiência na área de Direito, com
ênfase em Direito Civil. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. O contrato de doação. Elementos essenciais. Espécies – 3. Do-
ações inociosas e a invasão da legítima dos herdeiros necessários do autor da herança – 4.
O momento de se considerar o valor da doação, em respeito à quota legitimária reservada
aos herdeiros necessários (art. 549 do CC) – 5. Doações sucessivas, a soma de todas e o
reexo no direito sucessório, após a morte do doador – 6. Considerações nais – 7. Refe-
rências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
A doação é, sem dúvidas, um dos contratos mais importantes para o Direito
Civil, seja por seu imenso valor prático – são incontáveis doações realizadas o tempo
todo –, seja por sua importância enquanto objeto de estudo pela ciência do direito,
haja vista que se trata de um negócio com diversas nuances que suscitam intenso
debate entre os estudiosos da área. Um desses pontos críticos de estudo é o das doa-
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ções inof‌iciosas, sendo um campo não apenas interessante, mas também de amplas
repercussões práticas, dependendo de qual entendimento seja adotado.
Dentre as questões a serem resolvidas sobre o assunto, o momento da aferição do
caráter inof‌icioso das doações é um problema crucial que ainda não foi pacif‌icado na
doutrina e jurisprudência pátrias. Mesmo assim, é possível af‌irmar que, atualmente,
a posição dominante caminha no sentido de que o caráter inof‌icioso das doações
deve ser averiguado individualmente e no momento de cada transação, sem levar
em consideração a somatória das doações com relação ao patrimônio do de cujus no
momento da abertura da herança.
Só que essa circunstância pode gerar situações injustas, pois abre uma brecha
pela qual é possível burlar a norma jurídica que tutela a legítima por meio de doações
sucessivas a terceiros ou a herdeiros legitimários além da quota permitida. Este artigo
tem a f‌inalidade de analisar essa questão, inicialmente situando o contrato de doação
na teoria do fato jurídico, introduzindo o problema mencionado e então avaliando
as diversas posições existentes sobre o tema, com propostas interpretativas ao f‌inal.
2. O CONTRATO DE DOAÇÃO. ELEMENTOS ESSENCIAIS. ESPÉCIES
Orlando Gomes af‌irma, sem grandes rodeios e com toda a razão, que, “no direito
moderno, a doação é contrato1. Realmente. Na teoria do fato jurídico, o contrato é uma
espécie de negócio jurídico que pressupõe uma consonância de vontades voltadas a gerar
determinados efeitos2. No caso da doação, há duas manifestações de vontade (ainda que
uma delas possa ser presumida): a do doador, no sentido de querer dispor de determinado
bem em benefício de alguém; e a do donatário, o contemplado pelo doador, que aceita
a liberalidade deste. Essa orientação foi a adotada pelo Código Civil de 2002, bastando
mencionar que o art. 539 desse diploma3 claramente pressupõe a aceitação do donatário
para o aperfeiçoamento do contrato4, o que o torna, além de tudo, consensual5.
1. GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 211.
2. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 123.
3. Art. 539. O doador pode f‌ixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que
o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação
não for sujeita a encargo”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil].
Brasília: Congresso Nacional, 2002 [ano da publicação originária]. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 19 jun. 2017.
4. Esse ponto é controvertido na doutrina, mas não poderemos nos alongar nesta questão aqui por fugir da pro-
posta deste artigo. Em sentido contrário ao nosso, ver, por todos: TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 3: teoria
geral dos contratos e contratos em espécie. 13. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 360.
5. Em oposição aos contratos denominados reais, que se aperfeiçoam com a entrega da coisa. Este ponto
também é bastante controvertido na doutrina. Para saber as diversas posições, recomendo, dentre outros:
STANICIA, Sergio Tuthill. Liberalidade e gratuidade no âmbito da doação. Tese (doutorado). Orientador:
Bernardo Bissoto Queiroz de Moraes. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FA-
DUSP), 2016. Disponível em:
pt-br.php>. Acesso em: 8 jul. 2018. p. 60.
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Sendo um contrato e, portanto, uma espécie de negócio jurídico, é possível dissecar
sua estrutura para descobrir os elementos que compõem seu suporte fático, isto é, os da-
dos abstrata e normativamente sopesados para que determinada ocorrência fenomênica
seja considerada ou não uma doação6. Como qualquer fato jurídico, dita análise revelará
elementos de existência, requisitos de validade e acidentes do negócio jurídico (que
repercutem na ef‌icácia). O que faz um fato existir juridicamente é a presença de elemen-
tos nucleares, alguns dos quais individualizam aquele fato e o distinguem de todos os
outros – esses formam o cerne do núcleo do suporte fático; outros elementos também dão
existência ao fato jurídico, mas podem ser idênticos a elementos de existência presentes
em outros fatos jurídicos, por isso sendo chamados elementos completantes do suporte
fático7. O núcleo do suporte fático é composto, então, de um cerne e de elementos com-
pletantes, sendo que a presença de todos eles acarreta a suf‌iciência do suporte fático, isto
é, o acontecimento da vida corresponde a uma descrição normativa a ponto de causar a
incidência automática e infalível da norma jurídica subjacente8.
Os elementos de existência da doação são a forma livre9, dois ou mais agentes10,
o animus donandi (vontade) e um deslocamento patrimonial desacompanhado de
contraprestação (objeto). Compõem o cerne do suporte fático os dois últimos, que
denominaremos elementos essenciais.
O primeiro e mais visível dos elementos é a vontade de doar. Clóvis Beviláqua, ao
comentar o art. 1.165 do Código Civil de 191611, sustentou que a doação se caracteriza
6. É indiscutível a contribuição de Pontes de Miranda para a ciência jurídica brasileira, não só por suas propo-
sições dogmáticas para o direito privado material e processual, mas, principalmente, por suas contribuições
para a teoria geral do direito e, em especial, para o estudo da estrutura dos negócios jurídicos. Há alguns
contratos para cujo entendimento é imprescindível o conhecimento do que se convencionou chamar, no
Brasil, de escada ponteana, e dos elementos presentes em cada um de seus níveis. Este é o caso da doação.
Para mais informações a respeito, consultar a parte geral (volumes I a VI) do Tratado de direito privado de
Pontes de Miranda e também os três volumes da Teoria do fato jurídico de Marcos Bernardes de Mello (v.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral, v. 1 a 6, São Paulo:
RT, 2012; MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência, cit.; MELLO, Marcos
Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2015; e MELLO, Marcos
Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da ef‌icácia, 1ª parte. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
7. Para mais informações, além das obras-fonte acima citadas, vale consultar: NOGUEIRA, Pedro Henrique
Pedrosa. Negócios jurídicos processuais: análise dos provimentos judiciais como atos negociais. Tese (dou-
torado). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2011. Disponível em:
bitstream/ri/10743/1/Pedro%20Henrique.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2016. p. 25; e ANDRIOTTI, Rommel.
Aplicabilidade e desdobramentos dos princípios de direito material aos negócios jurídicos processuais na égide
da Lei n. 13.105/2015. Monograf‌ia de conclusão de curso (especialização em direito civil e processo civil).
São Paulo: Escola Paulista de Direito (EPD), 2016.
8. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte geral, t. I. Rio de Janeiro:
Editor Borsoi, 1954. p. 3.
9. Há de se fazer uma importantíssima ressalva. Não estamos dizendo que o contrato de doação tem forma
livre (haja vista o que diz CC/02, art. 541, caput e parágrafo único). É que a adjetivação à forma que traz esse
artigo se trata de um requisito de validade e, no texto, estamos nos referindo aos elementos de existência.
10. Como qualquer contrato, a doação é, quanto ao número de polos contratantes, bilateral.
11. Art. 1.165. Considera-se doação o contracto em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patri-
mônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita”, cf. BRASIL. União. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de
1916 [CC/16 – Código Civil]. Brasília: Congresso Nacional, 1916 [ano da publicação originária]. Disponível
em: .br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 27 out. 2017.
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pelo animus donandi: “há outros contratos, como ela, gratuitos, mas em nenhum outro
se observa a intenção de praticar um ato de liberalidade, ou gratif‌icação espontânea.
O animus donandi não está na intenção de enriquecer o donatário, nem nos motivos
f‌inalísticos do ato; mas na liberalidade, elemento subjetivo pessoal do agente, ora
benef‌icente, ora generosa, ora expressão de estima ou apreço”12.
O jurista tem razão ao af‌irmar que o animus donandi é fundamental na carac-
terização do contrato de doação, mas é preciso discordar acerca de sua suf‌iciência
para distinguir o contrato de doação de todas as demais f‌iguras contratuais. É que
há outros contratos cuja intenção também não é enriquecer o benef‌iciário, e que
também podem vir de um espírito puramente altruísta e benef‌icente, como é o caso
do contrato de transporte gratuito13. Então, essa vontade específ‌ica de doar tem
repercussão também no objeto do contrato de doação, diferenciando-o de todos os
demais. Trata-se do deslocamento patrimonial.
Então, é essencial ao contrato de doação o animus donandi enquanto vontade
dirigida para criar um negócio jurídico cujos efeitos se irradiam de modo a desenca-
dear, graciosamente, uma transferência patrimonial, ainda que de coisa com valor
sentimental, da esfera jurídica do doador para a do donatário, sem que haja contra-
prestação por parte deste. E é neste ponto que se frisa, novamente, que não é apenas
a gratuidade que faz o contrato de doação ter essa caracterização.
No direito brasileiro há vários outros contratos gratuitos, tais como o como-
dato14 ou, ainda, contratos que podem ser onerosos ou também gratuitos, como o
mútuo15, o depósito16, o mandato17, a constituição de renda18, o transporte19 e o ser-
12. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil [CC/16], comentado por Clóvis Beviláqua.
Edição histórica. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1973. v. II, p. 268.
13. Referimo-nos, simplesmente, à carona.
14. CC/02, “Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição
do objeto”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil], cit.
15. CC/02, “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante
o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”, e depois: “Art. 591. Destinando-se
o mútuo a f‌ins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder
a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de
janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil], cit.
16. CC/02, “Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o
depositante o reclame. Art. 628. O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário,
se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por prof‌issão”, cf. BRASIL. União. Lei n.
17. CC/02, “Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, pra-
ticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato. [...] Art. 658. O mandato
presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se o seu objeto corresponder
ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou prof‌issão lucrativa”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de
10 de janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil], cit.
18. CC/02, “Art. 803. Pode uma pessoa, pelo contrato de constituição de renda, obrigar-se para com outra a
uma prestação periódica, a título gratuito”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02
Código Civil], cit.
19. CC/02, “Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um
lugar para outro, pessoas ou coisas [...] Art. 736. Não se subordina às normas do contrato de transporte o
feito gratuitamente, por amizade ou cortesia”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02
Código Civil], cit.
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viço voluntário20, isso sem falar em outros contratos atípicos que porventura sejam
convencionados de forma gratuita21.
Por causa disso, e em ampla pesquisa sobre o tema, Sergio Tuthill Stanicia vislum-
brou que, além do animus donandi, há a transferência material entre duas esferas patri-
moniais, de modo a resultar na diminuição do patrimônio do doador em benefício do
patrimônio do donatário, o que diferencia a doação de, por exemplo, todos os contratos
de prestação de serviço que sejam gratuitos, uma vez que, nestes, não há diminuição
do patrimônio do prestador do serviço, já que este apenas deixa de receber por seus
préstimos, mas em regra não empobrece por executar o serviço. Assim, na sistemati-
zação proposta por Stanicia, o contrato de doação possui “a) um elemento material,
que consiste na transferência de bens ou vantagens do patrimônio do doador para o do
donatário, muitas vezes identif‌icada com um ‘enriquecimento’ do donatário acompa-
nhado pelo ‘empobrecimento’ do doador; e b) um elemento intencional, denominado
‘liberalidade’ ou animus donandi22. Estes são, pois, os elementos essenciais da doação.
Ademais, as doações podem ser puras ou impuras, neste caso se incluindo as doações
com encargo e as remuneratórias. A doação é pura se a liberalidade do doador não foi
antecedida por qualquer prestação ou seguida pela imposição de encargo ao donatário.
Por outro lado, a doação é impura se é condicionada ao implemento de um encargo (fator
ef‌icacial) ou feita em reconhecimento de um serviço prestado pelo donatário (caráter
remuneratório). As principais diferenças entre uma e outra é que a doação pura, em re-
gra, não onera o devedor mas, excepcionalmente, obrigará se for propter nuptias e se não
houver disposição em contrário quanto à evicção (CC/02, art. 552, 2ª parte). Já as doa-
ções impuras oneram o devedor até o limite do serviço prestado ou do ônus imposto23-24.
3. DOAÇÕES INOFICIOSAS E A INVASÃO DA LEGÍTIMA DOS HERDEIROS
NECESSÁRIOS DO AUTOR DA HERANÇA
Quando se intenta analisar estes dois assuntos, que efetivamente são interli-
gados, imbricados, codecorrentes, logo se observa que um deles (a doação) tem as
20. Lei n. 9.608/1998, “Art. 1o Considera-se serviço voluntário, para os f‌ins desta Lei, a atividade não remune-
rada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de f‌ins não
lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científ‌icos, recreativos ou de assistência à
pessoa. (Redação dada pela Lei n. 13.297, de 2016) Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo
empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou af‌im”, cf. BRASIL. União. Lei n. 9.608,
de 18 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre o serviço voluntário e dá outras providências. Brasília: Congresso
Nacional, 1998 [data da publicação originária]. Disponível em: .br/ccivil_03/Leis/
L9608.htm>. Acesso em: 7 jul. 2018.
21. CC/02, “Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais f‌ixadas neste
Código”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil], cit.
22. STANICIA, Sergio Tuthill. Liberalidade e gratuidade no âmbito da doação, cit., p. 116.
23. TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie, cit., p. 361.
24. Há ainda outras classif‌icações para a doação, como a doação modal; a doação a termo; a remuneratória; a meritória;
entre outras, mas que não serão tratadas especif‌icamente por não serem necessárias à conclusão a que se chegará.
Apenas para apontar, Orlando Gomes disse que as espécies de doação são: (a) pura; (b) condicional; (c) modal;
(d) remuneratória; (e) mista; (f) com cláusula de reversão, cf. GOMES, Orlando. Contratos, cit., p. 215-216.
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suas regras previstas na ambiência contratual do Código Civil, enquanto o outro (a
legítima dos herdeiros necessários) é tema que tem regras no livro das relações que
decorrem da sucessão causa mortis.
A uni-los, no arcabouço da Lei Civil, está o art. 549, que prescreve: “Nula é tam-
bém a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade,
poderia dispor em testamento”25.
A doação inof‌iciosa, pois, é justamente aquela que excede o acervo patrimonial
disponível ao doador para a liberalidade e, por isso, viola a legítima dos herdeiros
necessários26. E herdeiros necessários são, então, aqueles que não podem ser afas-
tados da sucessão pela simples vontade do doador, futuro sucedido. São as pessoas
com direito a uma parcela mínima de 50% do acervo, da qual não podem ser privadas
por disposição de última vontade, representando a sua existência uma limitação à
liberdade de testar. Esta limitação do testador (assim como à liberdade do doador)
refere-se à obrigatória preservação da legítima – ou quota-legitimária – dessas pessoas,
isto é, dos herdeiros necessários. A lei def‌ine o que seja legítima ao determinar o que
a compõe, além de determinar quem a compõe27. Legítima, portanto, “é a porção da
herança de que o testador não pode dispor por ser, pela lei, reservada aos herdeiros
necessários”28.
A sucessão no direito brasileiro, como se vê, obedece ao sistema da divisão ne-
cessária, pelo qual a vontade do autor da herança não pode afastar certos herdeiros
– os herdeiros necessários –, entre os quais deve ser partilhada, no mínimo, metade
da herança, em quotas ideais (CC, arts. 1.576 e 1.721).
Há, na lei brasileira – que adotou este sistema da divisão necessária29 –, uma
evidente preocupação com as pessoas destacadas que constituem aquele elenco de
herdeiros necessários, restando bem clara a intenção de protegê-las e, assim, proteger,
por extensão, a família. Assim se explica a condenação às doações inof‌iciosas (bem
como às disposições testamentárias inof‌iciosas), dado que o excesso da liberalidade
invade a parte reservada obrigatoriamente àquelas pessoas pela lei enumeradas.
25. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil], cit.
26. Herdeiros necessários, conforme o art. 1.845 do CC, são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge so-
brevivente. Contudo, e após o julgamento do RE 878.694-MG pelo STF, em maio de 2017, deve-se entender
que também compõe esse rol (de herdeiros necessários) o companheiro sobrevivo, diante da conclusão de
que é inconstitucional tratar cônjuge e companheiro de forma desigual na sucessão hereditária. Para mais
informações, v. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário (RE) n. 878.694/MG.
Relator: Ministro Roberto Barroso. Brasília: STF, 6 de fevereiro de 2018. Disponível em: .stf.
jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28878694%2ENUME%2E+OU+878694%2E-
ACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/he2a4o4>. Acesso em: 18 fev. 2018.
27. Cf. BRASIL. União. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil], cit., art. 1.846 do CC:
Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
28. ITABAIANA DE OLIVEIRA, Arthur Vasco. Tratado de direito das sucessões: v. II – da sucessão testamentária.
4. ed. rev. e atual. São Paulo: Max Limonad, 1952. p. 626.
29. Sistema que reconhece parcial autonomia ao testador (e ao doador, por via de consequência), na medida em
que este pode dispor apenas de metade dos seus bens, caso exista aquela classe preferencial de herdeiros.
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Agostinho Alvim, em lição tradicional, demonstrava a razão e o fundamento dessa
condenação e do consequente retorno do(s) bem(ns) à legítima dos herdeiros neces-
sários, ao tempo da abertura da sucessão, quando se tomasse conhecimento, então, da
invasão à sua quota legitimária. Dizia o autor: “o pai que doar excessivamente a um
dos f‌ilhos ou a um estranho, peca contra o estado de pai, o dever, o ofício de pai”. “Por
isso” – prossegue ele – “a doação é inof‌iciosa (in – pref‌ixo negativo). E só por isso as
Ordenações consideravam inof‌iciosas certas doações feitas pelo nubente ou entre ma-
rido e mulher (...) quando excessivas em relação aos f‌ilhos do primeiro casamento”30.
Como se nota, então, a legítima é tutelada não apenas “contra excessivas liberalidades
testamentárias, mas, igualmente, contra as liberalidades excedentes que se efetuam
por negócio inter vivos, a doação direta, a indireta, a simulada e o negotio mixtum cum
donatione”31.
A doutrina brasileira tradicionalmente entende que esta proteção ao herdeiro
legítimo e necessário se opera menos em razão de eventual restrição à ampla liberdade
do testador (ato causa mortis) ou do doador (ato inter vivos), e mais em razão da pro-
teção que se opera em face desta situação lesiva da legítima, “até porque a doutrina
moderna reconhece que a legítima não constitui para o de cujus uma limitação ao
seu poder de dispor, visto que, se deste fosse efetivamente privado, os atos lesivos
seriam nulos e não redutíveis, como são”32.
A razão dessa tutela, bem se observa, no caso de doações que ultrapassam a
metade do patrimônio verif‌icado à época, está no sentido de se obrigar a reposição
do excesso à parte reservada “e não apenas conferindo, aumentando realmente (e
não só matemática ou abstratamente) a herança necessária”33. Tal providência im-
pede que seja burlada a lei, que – proibindo a liberdade ampla de testar – assegura
aos herdeiros legitimários o direito à metade dos bens do falecido. Em que pese
acreditemos que dita reserva já não faça mais sentido nos tempos atuais, tendo
inclusive a ora autora subscrito parecer do IBDFAM pela exclusão ou redução da
porcentagem legitimária e escrito outro artigo sustentando o mesmo, o fato é que
essa ainda é uma determinação legal que – justamente por o ser – deve ser obede-
cida, pois a lei não está aí para ser escolhida: ela existe para ser cumprida34; e essa
af‌irmação, aparentemente óbvia, soa bastante descolada dos tempos de relativismo
axiológico que vivemos.
30. ALVIM, Agostinho. Da doação. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 171.
31. GOMES, Orlando. Sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 75.
32. GOMES, Orlando. Sucessões, 11. ed., cit., p. 75.
33. MORAES, Walter. Programa de direito das sucessões: teoria geral e sucessão legítima. 2. ed. São Paulo: RT,
1980. p. 119.
34. Daí por que dizer que “direito é a realização ordenada e garantida do bem comum numa estrutura tridi-
mensional [fato, valor e norma] bilateral atributiva”, ou, de uma forma analítica: Direito é a ordenação
heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa
de fatos e valores”, cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: José Bushatsky Ltda., 1974.
p. 76.
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4. O MOMENTO DE SE CONSIDERAR O VALOR DA DOAÇÃO, EM RESPEITO
À QUOTA LEGITIMÁRIA RESERVADA AOS HERDEIROS NECESSÁRIOS
(ART. 549 DO CC)
O art. 549 do CC corresponde ao art. 1.176 do anterior Código35 e traz a mesma
regra, sem alteração (salvo o craseamento da partícula “à”), conservando, portanto,
eventualmente, as mesmas dúvidas de interpretação que trouxe outrora, vale dizer:
ao se referir à “legítima”, estaria o legislador (tanto o de 1916 quanto o de 2002) a se
referir à quota legitimária, à qual fariam jus os herdeiros necessários por ocasião da
abertura da sucessão? Ou, diversamente – e este foi o pensamento que predominou
e inspirou a doutrina e a resposta dos tribunais, desde o Código anterior, e até hoje
–, ao se referir à “legítima”, o legislador, no art. 549 do CC (ou 1.176 do CC/16),
quis determinar como disponível para doação a metade do patrimônio do doador
ao tempo da liberalidade?
A posição majoritária, como já se adiantou, caminha no sentido de que se deve
calcular o valor da doação no próprio momento da liberalidade, e não no da abertura
da sucessão, de sorte a evitar a insegurança jurídica ao donatário e também a garantir
a preservação da legítima dos herdeiros necessários36. “Existindo tais herdeiros, as
doações sucessivas não podem, em caso algum, ultrapassar a metade do patrimônio
do doador, pois caso contrário, importariam em fraude ao direito sucessório”37.
Então, se em determinado negócio alguém dispõe gratuitamente de mais de
cinquenta por cento dos bens que possui, o momento de aferição dessa porcentagem
para f‌ins de incidência do art. 549 do Código Civil é o da celebração do negócio, de
modo que o valor da avença é cotejado com o total patrimonial possuído naquele
instante, e não com o valor patrimonial que terá o espólio quando do posterior fale-
cimento. Logo, se, tendo um patrimônio de 100 (cem), dispõe-se de 60 (sessenta), a
parcela de 10 (dez) será considerada inválida mesmo que posteriormente o espólio
valha 200 (duzentos), o que poderia levar a crer que a disposição de 60 (sessenta)
estaria dentro da autonomia privada do disponente.
5. DOAÇÕES SUCESSIVAS, A SOMA DE TODAS E O REFLEXO NO DIREITO
SUCESSÓRIO, APÓS A MORTE DO DOADOR
Estabelecer que o momento a se considerar para f‌ins de verif‌icação da inof‌i-
ciosidade da doação é o do instante da liberalidade traz um problema sério, que é
o das doações sucessivas. Essa dif‌iculdade é causada pelo seguinte: se o momento
35. Art. 1.176. Nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador, no momento da libe-
ralidade, poderia dispor em testamento”, cf. BRASIL. União. Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916 [CC/16
Código Civil], cit.
36. Essa é a interpretação do art. 549 do Código Civil, cuja redação transcrevemos novamente: “Nula é também
a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em
testamento”, cf. BRASIL. União. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro 2002 [CC/02 – Código Civil], cit.
37. WALD, Arnold. Direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 395.
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CONTRATOS DE DOAÇÃO ENTRE POTENCIAIS HERDEIROS NECESSÁRIOS
da celebração do negócio é o único pertinente para f‌ins de aferição da validade da
doação quanto à inof‌iciosidade, então é possível dilapidar o patrimônio sucessi-
vamente sem que isso possa ser considerado inof‌icioso. Suponhamos que, tendo
um patrimônio de 100 (cem), certa pessoa com herdeiros necessários deseje doar
75 (setenta e cinco) para um terceiro. Ele poderia fazê-lo por meio de doações
sucessivas, digamos, primeiro doando 50 (cinquenta), exatamente a metade, re-
duzindo o patrimônio aos 50 (cinquenta) restantes e sem violar a norma do art.
549 do Código Civil; depois, em um segundo momento, ela faz outra doação, de 25
(vinte e cinco), ou seja, a metade do patrimônio que havia restado, satisfazendo seu
objetivo inicial de doar 75 (setenta e cinco) sem fazer incidir, pelo menos segundo
a interpretação majoritária, a norma do art. 549 do Código Civil. Essa situação,
parece-nos, é brecha evidente para burlar a lei sucessória vigente, situação esta
que não poderia ser olvidada pelos tribunais. Infelizmente, porém, é exatamente
o que tem acontecido.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou no sentido de que o caráter
inof‌icioso das doações é averiguado individualmente e no momento de cada transa-
ção, sem levar em consideração a somatória das doações com relação ao patrimônio
do de cujus no momento da abertura da herança. Naquela corte, foi paradigmático o
REsp 160.969/PE, julgado pela Terceira Turma, em que se decidiu que “a anulação
da doação no tocante à parcela do patrimônio que ultrapassa a cota disponível em
testamento, a teor do art. 1.176 do Código Civil, exige que o interessado prove a
existência do excesso no momento da liberalidade”38.
Em razão desse resultado, as partes ajuizaram ação rescisória39 fundada em vio-
lação da norma jurídica do Código Civil que previa a doação inof‌iciosa. O resultado
desse caso acabou resultando até mesmo na edição do Informativo n. 512, tendo
sido a tese adotada pelo STJ a seguinte: “para aferir a eventual existência de nulida-
de em doação pela disposição patrimonial efetuada acima da parte de que o doador
poderia dispor em testamento, a teor do art. 1.176 do CC/1916, deve-se considerar
o patrimônio existente no momento da liberalidade, isto é, na data da doação, e não
o patrimônio estimado no momento da abertura da sucessão do doador” 40. E nesse
38. Ementa completa: “Ação ordinária de nulidade de doação cumulada com sonegação de bens e perdas
e danos. Doação inof‌iciosa. Legítima. 1. A anulação da doação no tocante à parcela do patrimônio que
ultrapassa a cota disponível em testamento, a teor do art. 1.176 do Código Civil, exige que o interessado
prove a existência do excesso no momento da liberalidade. 2. Recurso especial conhecido e provido, por
maioria”, cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso Especial (REsp) n. 160.969/PE. Relator:
Waldemar Zveiter. Relator para o acórdão: Carlos Alberto Menezes Direito – Terceira Turma – Brasília: STJ,
22 de setembro de 1998 [data do julgamento]. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/
toc.jsp?processo=160969&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 9 jul. 2018.
39. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ação Rescisória (AR) n. 3.493/PE. Relator: Massami Uyeda.
Relator para o acórdão: Luis Felipe Salomão. Órgão julgador: Segunda Seção – Brasília: STJ, 12 de dezembro
de 2012 [data do julgamento]. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?proces-
so=3493&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 9 jul. 2018.
40. O informativo foi expedido com a seguinte redação no que tange ao caso analisado: “SEGUNDA SEÇÃO
DIREITO CIVIL. DOAÇÃO. CONSIDERAÇÃO DO PATRIMÔNIO EXISTENTE NA DATA DA DOAÇÃO
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sentido parece estar se sedimentando a doutrina41-42. A título de ilustração, trazemos
o pensamento de Pontes de Miranda, segundo quem, “a despeito da referência à le-
gítima, com simples propósito, aliás, de remissão à fração legalmente estabelecida,
a regra jurídica de indisponibilidade donatária (Código Civil, art. 1.176) é a regra
jurídica de nulidade, regra jurídica que pode ser invocada pelos herdeiros legítimos
necessários, mesmo antes da morte do doador”43. E ele esclarece, ainda, que é apenas
no momento da abertura da sucessão que se saberá qual a legítima (inclusive para a
colação), não sendo possível embaralhar as duas noções – a que se registra no Livro do
Direito das Sucessões (art. 1.847 do CC/0244) e a que se registra no Livro do Direito
das Obrigações (art. 549 do CC/0245), porque, na hipótese de nulidade de doação
por inof‌iciosidade, esta seria ignorada até que falecesse o doador, uma vez que não
seria possível decretar a nulidade antes de se estabelecer a extensão da legítima. Nas
palavras de Pontes de Miranda, “[...] a doação que seria nula, por faltar ao patrimônio
valor suf‌iciente para ela, passaria a ser válida, quando o patrimônio aumentasse; a
que era válida, porque o doador tinha bens bastantes para, se morresse na ocasião,
deles poder dispor em doação ou testamento, tornar-se-ia nula, por ter diminuído,
PARA A AFERIÇÃO DA NULIDADE QUANTO À DISPOSIÇÀO DE PARCELA PATRIMONIAL INDISPO-
NÍVEL. Para aferir a eventual existência de nulidade em doação pela disposição patrimonial efetuada acima
da parte de que o doador poderia dispor em testamento, a teor do art. 1.176 do CC/1916, deve-se considerar
o patrimônio existente no momento da liberalidade, isto é, na data da doação, e não o patrimônio estimado
no momento da abertura da sucessão do doador. O art. 1.176 do CC/1916 – correspondente ao art. 549
do CC/2002 – não proíbe a doação de bens, apenas limita à metade disponível. Embora esse sistema legal,
possa resultar menos favorável para os herdeiros necessários, atende melhor aos interesses da sociedade,
pois não deixa inseguras as relações jurídicas, dependentes de um acontecimento futuro e incerto, como
o eventual empobrecimento do doador. O que o legislador do Código Civil quis, afastando-se de outras
legislações estrangeiras, foi dar segurança ao sistema jurídico, garantindo a irrevogabilidade dos atos ju-
rídicos praticados ao tempo em que a lei assim permitia”, cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Informativo n. 512, de 20 de fevereiro de 2013. Segunda Seção – Brasília: STJ, 2013. Disponível em:
ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&processo=3493&operador=e&b=IN-
FJ&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 9 jul. 2018.
41. Conforme aponta Flávio Tartuce em Direito civil, v. 3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 13.
ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 377.
42. Itabaiana justif‌icou a redução da doação dizendo: “Se aquele, que tem herdeiros necessários, pudesse, em
dado momento, doar os seus bens, além da metade disponível, teria, deste modo, deserdado os seus her-
deiros reservatários [necessários], fora dos casos previstos no Cód. Civil. Portanto, a redução das doações
inter-vivos, na parte inof‌iciosa, somente pode ser pedida pelos herdeiros necessários, e depois da morte do
doador; procedendo-se, para esse f‌im ao respectivo inventário dos bens pertencentes ao de cujus, inclusive
os doados, computados o valor destes ao tempo da doação, porque é essa a época a que se refere o art. 1.176
do Cód. Civil [CC/16], quanto à inof‌iciosidade, e não à época da morte do doador”, cf. ITABAIANA DE
OLIVEIRA, Arthur Vasco. Tratado de direito das sucessões: v. II – da sucessão testamentária, cit., p. 639.
43. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, t. XLVI: direito
das obrigações. Atualizado por Bruno Miragem. São Paulo: RT, 2012. p. 331-332.
44. Transcrevemos de novo para facilitar: “Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de
que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento”, BRASIL. União. Lei n. 10.406,
45. “Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as
dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação”, BRASIL.
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CONTRATOS DE DOAÇÃO ENTRE POTENCIAIS HERDEIROS NECESSÁRIOS
depois, o valor da herança”46. E arremata, com razão neste ponto, o mestre de Alagoas:
“nem o próprio doador poderia saber se seria válida, ou nula, a doação que f‌izesse”47.
Contudo, não obstante o posicionamento majoritário acima demonstrado, há
no Supremo Tribunal Federal (STF) decisões antigas no sentido de que o direito de
reclamar o caráter inof‌icioso da doação é do herdeiro, e herdeiro só há após o faleci-
mento do autor da herança, de modo que o critério para aferir a validade da avença
só poderia ser o do patrimônio do de cujus ao tempo de seu falecimento48-49. Ora,
parece-nos intuitivo que, se o direito de anulação só nasce no momento da morte
do doador, é claro que a averiguação da inof‌iciosidade das doações deve se dar nesse
momento e levando em consideração o conjunto de doações realizadas em vida.
Este também foi o entendimento de Maria Isabel Galotti, cuja posição f‌icou
vencida no julgamento da Ação Rescisória n. 3.493/PE, já citada anteriormente:
(VOTO VENCIDO NO MÉRITO) Não é possível a aplicação isolada da regra inserta no artigo 1.176
do CC de 1916, que estipula o momento da doação para a aferição de seu caráter inocioso, quan-
do o doador em vida realizou sucessivas doações, e não apenas uma única doação, pois, nesse
caso, a m de se vericar se houve ou não gradual transferência do patrimônio ao donatário sem
respeito à legítima dos herdeiros, é necessário fazer o somatório dos bens doados em vida com
aqueles remanescentes no momento da abertura da sucessão e, então, constatar se as doações
excederam ou não o valor da legítima, isto é, se padecem ou não de nulidade50.
46. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial – t. XLVI: direito
das obrigações, cit., p. 331.
47. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial – t. XLVI, cit., p.
331.
48. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Embargos Infringentes (EI) no Recurso Extraordinário (RE) n.
53.483/SP. Relator: Evandro Lins. Órgão julgador: Tribunal Pleno – Brasília: STF, 9 de novembro de 1964
[data do julgamento]. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.
asp?s1=%2853483%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ky8s3zy>. Acesso em: 9 jul. 2018.
49. BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Extraordinário (RE) n. 53.483. Relator: Hahnemann
Guimarães. Segunda Turma – Brasília: STF, 20 de agosto de 1963 [data do julgamento]. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2853483%29&base=baseAcor-
daos&url=http://tinyurl.com/ky8s3zy>. Acesso em: 9 jul. 2018.
50. Em seu voto preliminar – vencido –, a ministra defendeu que as doações deveriam ser somadas para a
f‌inalidade de averiguar se foram inof‌iciosas. A informação completa disponível no sítio eletrônico do STJ é
esta: “(VOTO PRELIMINAR) É cabível ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC, por violação literal
aos artigos 1.176, 1.721 e 1.722 do CC de 1916, quando o acórdão rescindendo exarou entendimento no
sentido de que é na data da doação de bens que se afere a ocorrência ou não de doação inof‌iciosa, basean-
do-se apenas no artigo 1.176 do CC de 1916, sem discutir o alegado direito à sobrepartilha em razão das
sucessivas doações efetuadas em vida pelo de cujus e da disposição testamentária, pois não se está diante
de matéria federal de interpretação controvertida nos tribunais à época do julgamento, não sendo, pois,
aplicável ao caso a Súmula 343 do STF. (VOTO VENCIDO NO MÉRITO) Não é possível a aplicação isolada
da regra inserta no artigo 1.176 do CC de 1916, que estipula o momento da doação para a aferição de seu
caráter inof‌icioso, quando o doador em vida realizou sucessivas doações, e não apenas uma única doação,
pois, nesse caso, a f‌im de se verif‌icar se houve ou não gradual transferência do patrimônio ao donatário
sem respeito à legítima dos herdeiros, é necessário fazer o somatório dos bens doados em vida com aqueles
remanescentes no momento da abertura da sucessão e, então, constatar se as doações excederam ou não o
valor da legítima, isto é, se padecem ou não de nulidade”, cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ação Rescisória (AR) n. 3.493/PE. Relator: Massami Uyeda. Relator para o acórdão: Luis Felipe Salomão.
Órgão julgador: Segunda Seção – Brasília: STJ, 12 de dezembro de 2012 [data do julgamento]. Disponível
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Orlando Gomes também identif‌icou esse problema, e após debruçar-se sobre
ele sustentou o seguinte:
... conquanto se rera a lei a esse momento [o da liberalidade], no pressuposto de doação única, não
se pode aplicar a regra isoladamente no caso de sucessivas doações, sob pena de se tornar irrisória
a proteção da legítima. Para efeitos da redução, devem levar-se em conta todas as liberalidades,
somando-se seus valores para a vericação do excesso em relação ao conjunto de bens [...] desse
modo, se o doador já tiver feito outra doação, devem esses bens doados se reunirem também à
massa dos existentes para o efeito de calcular a metade disponível, porque, evidentemente, inuem
na apuração da parte que o doador poderia, no momento da liberalidade, dispor em testamento51.
Gustavo Tepedino igualmente já se manifestou sobre as transferências gratuitas
[doações inof‌iciosas] realizadas para a constituição do trust e a legitimidade dos her-
deiros para requerer judicialmente a verif‌icação dessas doações para f‌ins de verif‌icar
se a soma de todas as liberalidades violou a legítima:
Tal fato, por si só, poderia, em tese, na hipótese de sucessivas liberalidades, constituir-se em risco
para a estabilidade de distribuições. Isto porque, na hipótese de aportes gratuitos sucessivos, ao
longo do tempo, para a constituição do trust, autoriza-se ao interessado, a partir do somatório dos
valores transferidos, vericar se as liberalidades superam a metade do patrimônio do instituidor.
Por outras palavras, o fato de cada uma das liberalidades, isoladamente considerada, respeitar
a reserva legal, não garante ausência de controle, haja vista que o somatório das liberalidades
pode acarretar violação da legítima, a congurar fraude à lei. Para a proteção da reserva legal
pouco importa, portanto, se as sucessivas liberalidades, consideradas isoladamente, respeitam a
metade do patrimônio. Tal se revela apenas como uma primeira etapa de controle. Resta, todavia,
vericar se o conjunto das liberalidades efetuadas pelo autor da herança não excede a metade de
seu patrimônio, no momento em que a última das liberalidades é efetuada52.
Como se percebe, em vez de sustentar que o momento de aferição deve ser o
da abertura da sucessão, Gustavo Tepedino af‌irma que este deve ser o da última
liberalidade realizada. Outros, porém, reconhecem que o critério deveria ser o da
primeira doação53. A questão é complicada porque eventuais alterações patrimoniais
em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=3493&&b=ACOR&thesaurus=JURIDI-
CO&p=true>. Acesso em: 9 jul. 2018.
51. GOMES, Orlando. Sucessões. 14. ed. rev., atual. e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002 e a Lei
n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Atualizador: Mario Roberto Carvalho de Faria. Rio de Janeiro: Forense,
2008. p. 79.
52. TEPEDINO, Gustavo. O trust no direito brasileiro. São Paulo: RT, 2011. p. 509-524 (Soluções práticas, v. 2).
53. V., por todos, Pedro Paulo de Siqueira Vargas, que, em dissertação de metrado (FADUSP), orientado pelo
Professor Alessandro Hirata, defendeu o seguinte: “Além disso, pode o doador transmitir ao donatário-des-
cendente toda a sua parte disponível, apondo cláusula expressa nesse sentido, mais a legítima do herdeiro,
se assim se entender melhor no planejamento sucessório realizado. De qualquer forma, deve se atentar
o doador que tenha herdeiros necessários a não praticar ato inof‌icioso, pelo que deverá levar em conta,
em seu planejamento, que não pode doar, sucessiva ou simultaneamente, metade de seu patrimônio para
terceiros não herdeiros, sob pena de a liberalidade ser reduzida, até que se garanta mais uma vez a legítima
hereditária. Ao realizar a sua primeira doação, o doador deve contar que a partir desse momento sua parte
disponível já está comprometida e sempre deverá se referir a essa doação para cálculo de todas as outras
liberalidades que eventualmente sobrevierem”, conforme VARGAS, Pedro Paulo de Siqueira. O contrato de
doação como instrumento de planejamento sucessório no direito civil brasileiro. Orientador: Alessandro Hirata.
Dissertação (mestrado). São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2014. p. 222.
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CONTRATOS DE DOAÇÃO ENTRE POTENCIAIS HERDEIROS NECESSÁRIOS
do doador entre as doações sucessivas podem causar situações injustas. Por exemplo,
se o critério for o da última doação, então a autonomia privada do disponente será
indevidamente cerceada, pois, salvo se houver um aumento patrimonial por parte
do doador, seu conjunto de bens será menor ao tempo da última doação quando
comparado ao tempo da primeira, e, se a última doação for utilizada como parâmetro,
então na verdade desde a primeira ele não poderia ter doado, o que parece ser uma
solução que traz pouca segurança para os contratantes, além de restringir a liberdade
do doador mais do que pareceu ser o espírito da norma.
Assim, quer parecer que o momento correto para fazer essa medição seria o da
primeira doação, sendo que, se as sucessivas liberalidades ultrapassarem a metade
do patrimônio inicial do disponente, então elas deverão ser consideradas nulas. Essa
é a nossa opinião, mas não sem algumas ressalvas.
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que alterações na situação f‌inanceira
do doador podem alterar o critério objetivo de aferição da inof‌iciosidade. Se o doador
tinha 100 (cem) e doou 50 (cinquenta), sendo que semanas após seu patrimônio
aumentou em 1.000 (mil), parece claro que ele poderá continuar doando patrimô-
nio, pois nenhum prejuízo virá para os sucessores nesse caso, muito pelo contrário.
Para tanto, não há solução fácil: o ideal seria conseguir uma fórmula matemática
que mantivesse proporcional esse critério. Não a temos, contudo, neste momento.
De qualquer modo, f‌ica lançada essa baliza para a interpretação do instituto e o con-
vite à comunidade para propor solução terminada que complemente a nossa, neste
ponto. Retornando ao raciocínio de que a superveniência benéf‌ica poderia alterar o
critério originário, parece-nos que a recíproca não é verdadeira, pois isso seria negar
validade a posteriori a um ato jurídico perfeito, o que seria inconstitucional54. Então,
se a condição f‌inanceira do disponente piorar depois da primeira doação, certo é que
ele não poderá doar mais, mas a doação que ele já fez será mantida e considerada
hígida, pois não se pode prejudicar o ato jurídico perfeito.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim sendo, sob uma análise descritiva do estado atual do entendimento jurí-
dico sobre o assunto das doações sucessivas inof‌iciosas, a eventual excessividade na
doação, em certo tempo perpetrada, deve ser verif‌icada à luz da extensão patrimonial
do doador àquela exata época, quer dizer, ao tempo da própria liberalidade.
No caso de doações sucessivas, a orientação majoritária vai no sentido de que
eventual inof‌iciosidade deverá ser verif‌icada a cada época, isto é, ao tempo de cada
uma das múltiplas doações. Por isso, é possível imaginar que certo doador que faça
doações sucessivas, sem ampliar seu patrimônio original, tê-lo-á paulatinamente
Congresso Nacional (Poder Constituinte), outubro de 1988. Disponível em: .planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 jul. 2017.
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diminuído, por força de cada uma dessas liberalidades, de tal sorte que a metade
disponível para uma próxima liberalidade se tornará cada vez mais reduzida.
Essa orientação, contudo, merece um segundo olhar. Ela legitima burlas à nor-
ma sucessória que não podem ser toleradas. Conquanto opinemos que a proteção
da legítima deva ser revista, o fato é que, enquanto ela continuar no sistema, deverá
ser respeitada, pois é assim que deve ser o Estado Democrático de Direito. Se uma
norma não é reputada inconstitucional, ela deve ser seguida, salvo situações excep-
cionalíssimas de derrotabilidade, ponderação e solução de antinomias.
Portanto, em nosso sentir, o momento para aferição da inof‌iciosidade deve ser
o da primeira doação, de modo que a soma das sucessivas doações seguintes não
ultrapasse a metade do patrimônio que tinha o disponente quando da primeira libera-
lidade que realizou, ressalvadas as situações de alteração patrimonial superveniente
para mais e menos, aplicando-se, a cada uma delas, os cuidados descritos neste tra-
balho. Seria bem-vinda a criação de uma fórmula matemática que solucionasse da
forma mais equânime esse problema, fórmula esta que convidamos a comunidade
científ‌ica a buscar.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 273EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 273 22/03/2021 09:02:4622/03/2021 09:02:46
GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA E JOÃO RICARDO BRANDÃO AGUIRRE
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EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 274EBOOK CONTRATOS FAMILIA E SUCESSOES.indb 274 22/03/2021 09:02:4622/03/2021 09:02:46

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