Controle de Constitucionalidade

AutorJadir Cirqueira De Souza
Ocupação do AutorMaestría en Derecho Público de la Universidad de Franca - SP, especialista en Procedimiento Civil de la Universidad Federal de Uberlândia - MG y Licenciado en Derecho por la Universidad Gama Filho, Rio de Janeiro
Páginas299-348

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1 Evolução histórica - internacional - do controle de constitucionalidade

1. 1 Sistema austríaco de controle concentrado

O tema controle de constitucionalidade e suas principais, características, finalidades, evolução histórica, bem como as formas de atuação dos Juízes e dos Tribunais Constitucionais constitui temática relevante para a conjuntura nacional e para a manutenção da força do sistema jurídico brasileiro, sendo, por esses fatores um tema cada vez mais exigido e aprofundado nos concursos públicos para ingresso, principalmente, nas carreiras da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública.

O operador do Direito em qualquer instância, juízo ou tribunal, freqüentemente, depara-se com a necessidade de fazer um complexo e difícil confronto valorativo entre os fatos, a lei infraconstitucional e as normas constitucionais em vigor, antes de, propriamente, discutir a relação de direito material controvertido, situação que exige o conhecimento das regras e princípios relativos ao controle de constitucionalidade.

Além da aprovação em concursos públicos e da necessária prática forense, o conhecimento dos principais aspectos históricos, características, fases, ações e finalidades constituem matérias usualmente discutidas nos Tribunais Superiores, especialmente nas Turmas e no Plenário do STF. Por isso, exige-se maior aprofundamento na presente temática, que embora complexa possui base doutrinária sólida e significativa importância para o moderno Direito Constitucional. Enfim, por conta desses fatores, a adequada e racional utilização dos dois sistemas de controle de constitu-

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cionalidade exige do cidadão e dos órgãos públicos jurisdicionais um conhecimento mínimo, porém imprescindível, de todas as partes da Constituição Federal.

Inicialmente, a parte histórica dos dois sistemas brasileiros de controle de constitucionalidade receberá atenção em primeiro plano. Em seguida, serão abordadas as principais nuances dos procedimentos jurisdicionais e políticos específicos. Finalmente, serão discutidas as ações diretas.

Na esfera do direito internacional, sem a indicação do sistema difuso ou concentrado, segundo MOTTA & DOUGLAS, foi no século IV a.C., em Atenas, que teve início o controle de constitucionalidade, através do uso da argüição de inconstitucionalidade. Da mesma forma, Roma, também, através do Senado, promovia a defesa de sua Constituição.1Para KELSEN é no início do século XX, com a Constituição da Áustria de 1920, que, efetivamente, surge uma maior discussão sobre a possibilidade de criação dos tribunais com missão eminentemente constitucional e a transferência da temática – controle concentrado de constitucionalidade – para o Poder Judiciário.2É certo que o sistema constitucional francês, nas suas fases iniciais era refratário ao controle feito exclusivamente por juízes, dada a natural desconfiança em virtude do envolvimento político da magistratura francesa, sendo o controle eminentemente parlamentar.

Aliás, a marca mais destacada do sistema francês centra-se no controle político de constitucionalidade, ou seja, caberia ao Parlamento francês, o controle de constitucionalidade das leis.

Em 1667, na França, restou expressamente proibido que os juízes interpretassem normas jurídicas de conteúdo duvidoso ou conflitante, uma vez que poderia ocorrer divergência em relação à vontade última do monarca francês ou do Parlamento. Assim, nas questões jurídicas mais graves e de difícil elucidação, as partes envolvidas deveriam solicitar ao melhor interpretação ao monarca.

Diversamente, em 1790, constata-se que o sistema francês exigia dos juízes que, na dúvida interpretativa sobre o conteúdo e alcance das leis, o Poder Legislativo deveria ser consultado, uma vez que, tanto quanto em relação ao monarca, a vontade do parlamento era soberana.3A aceitação dos sistemas europeus, à atuação dos juízes na defesa das constituições, permitiu o ingresso do sistema difuso na Europa e, ao mesmo tempo, provocou sérias discussões sobre a necessidade de criação dos Tribunais Constitucionais.

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No início do século XX, ainda que persistente a desconfiança em relação à independência dos magistrados franceses, bem como a supremacia da lei4, observase que o controle concentrado de constitucionalidade foi elaborado por KELSEN e incluído na Constituição austríaca de 1920.5Registre-se que a criação do sistema austríaco de controle de constitucionali-dade mudou radicalmente a forma de pensar a temática, uma vez que o sistema difuso norte-americano era o mais usado na época, e, foi quem efetivamente espalhou suas bases pelo mundo ocidental, muito embora KELSEN apresentasse várias objeções ao sistema difuso, tais como a maior possibilidade de decisões contraditórias entre os próprios juízes e a falta de uniformidade no tratamento das matérias constitucionais submetidas a julgamento singular, fato que retiraria a força da própria Constituição.6

No entanto, segundo CAPPELLETTI, a partir de 1920, com as idéias de KELSEN, em posição diversa do sistema difuso, espalharam-se as bases normativas do controle concentrado feito pela cúpula dos tribunais que, em essência, outorga à maior esfera colegiada do Poder Judiciário o poder-dever de controlar e de proteger as normas constitucionais vigentes.7No sistema concentrado alemão, os juízes e os tribunais, como regra geral, detectado o vício de inconstitucionalidade, o procedimento judicial é suspenso e a questão de direito deve ser remetida diretamente para o Tribunal Constitucional Federal que, após deliberação, com caráter vinculativo, retorna a matéria para a instância inicial, sendo que o art. 100 da Lei Fundamental alemã vedou aos juízes e aos demais tribunais estaduais declarar incidentalmente a inconstitucionalidade, segundo MORAES.8No ponto, diverge do sistema norte-americano, uma vez que nos EUA cada Juiz ou Tribunal empresta a melhor e mais adequada interpretação constitucional. Vale dizer, os órgãos judiciários inferiores norte-americanos possuem competência jurisdicional para efetivar o controle concreto de constitucionalidade, em qualquer processo e grau de jurisdição, segundo o procedimento próprio.

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Em síntese, em situação oposta ao sistema norte-americano, embora ambos possuam a mesma finalidade, ou seja, proteger a Constituição do país, foi a partir do sistema austríaco que se conheceu, na Europa, principalmente, o controle concentrado de constitucionalidade, sendo adotado de forma mitigada no Brasil, conforme será analisado.

1. 2 Sistema norte-americano de controle difuso

Vistos os aspectos históricos do controle concentrado, que têm a decisão colegiada das mais altas cortes ou tribunais de cada país, como característica primária, torna-se necessário conhecer a origem do controle difuso ou incidental.

O sistema norte-americano de controle de constitucionalidade incidental ou difuso influenciou os sistemas jurídicos de vários países e foi o método a ser implantado no Brasil, por ocasião da primeira república.

Em síntese, foi implantado nos Estados Unidos da América do Norte, em 1803, a partir do célebre caso Marbury v. Madison, segundo BARROSO. Narra o renomado constitucionalista e professor que, nas eleições presidenciais de 1800, saiu vitorioso Thomas Jefferson, tendo sido derrotado o Presidente John Adams. Porém, logo após e antes da transmissão dos cargos no Legislativo e no Executivo federal, para manter a força republicana no poder central e dificultar a governabilidade dos democratas, foram realizadas várias nomeações políticas e de natureza precária, em diferentes cargos públicos, inclusive no Poder Judiciário.

Dentre as nomeações aprovadas no plano legislativo do Senado estava a do Juiz de paz Willian Marbury. Ocorre que James Madison não lhe empossou, por falha administrativa do governo anterior. Então, a questão da posse do nomeado foi submetida à apreciação jurisdicional, através de uma ação judicial conhecida como writ of mandamus, em dezembro de 1801, proposta por Marbury. Assim, após avanços, retrocessos no procedimento judicial e fortes discussões políticas na época, uma vez que discutia-se a interferência do Poder Judiciário em questões de natureza política, a matéria relativa às nomeações nos escalões governamentais chegou à Suprema Corte norte-americana, em 1803.

Na mais alta instância, no caso concreto, pioneiramente, John Marshall proferiu sua decisão e apontou a necessidade do controle jurisdicional dos atos emanados do poder do Estado e da necessidade de proteção da Constituição, inclusive negando-se efeito às leis inconstitucionais. Enfrentou, assim, as seguintes questões: se Marbury tinha direito à investidura no cargo; se existia remédio jurídico-processual para a proteção; se a ação ajuizada seria a adequada; e se a Suprema Corte era o órgão judicial competente?

Inicialmente, aceitou o writ impetrado. Depois, destacou a necessidade e a possibilidade do controle constitucional das leis e dos atos administrativos emanados do Poder Executivo, uma vez que todos devem se submeter aos paradigmas

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constitucionais. Finalmente, entendeu que como teria sido a lei ordinária (Judiciary Act, de 1789), a estabelecer a competência da Suprema Corte, o órgão de cúpula do Poder Judiciário norte-americano não seria competente para julgar a...

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