Poder Judiciário

AutorJadir Cirqueira De Souza
Ocupação do AutorMaestría en Derecho Público de la Universidad de Franca - SP, especialista en Procedimiento Civil de la Universidad Federal de Uberlândia - MG y Licenciado en Derecho por la Universidad Gama Filho, Rio de Janeiro
Páginas247-297

Page 247

1 Aspectos introdutórios

O presente capítulo tratará, conjuntamente, dos principais aspectos relativos ao Poder Judiciário e das alterações incorporadas na vigente Constituição Federal, por conta da Emenda Constitucional n. 45/04, conhecida como a Reforma do Poder Judiciário, uma vez que, além de modificar e/ou criar institutos jurídicos em relação à atividade jurisdicional, ainda trouxe tópicos explícitos sobre o Ministério Público, Defensoria Pública e outros aspectos diretamente conectados à prestação da tutela jurisdicional.

É possível observar que, se antes, ou seja, logo após a publicação da EC n. 45/05, ainda justificava-se um capítulo em separado sobre a referida mudança constitucional, passados mais de três anos de vigência da reforma, aproximadamente, de sua entrada em vigor e em decorrência do crescente uso das novas temáticas pelas instituições judiciárias brasileiras já é possível e desejável apresentar as principais mudanças no capítulo específico do poder judicante, precedidas dos posicionamentos doutrinários contrários e favoráveis à reforma do Poder Judiciário.

Por isso, feitas as explicações introdutórias acima, dada a importância histórica e o relevante valor reconhecido à magistratura nacional, urge conhecer a estrutura, histórico, características e principais aspectos do Poder Judiciário, inclusive os interessantes aspectos e paradigmas históricos, sobretudo do direito norte-americano, base da formatação clássica judicial.

Como sabido, o poder do Estado é uno e indivisível. Surgiu como forma de organizar a vida em sociedade. Trata-se de necessidade que decorre do convívio entre milhares e milhares de pessoas com interesses múltiplos e, muitas vezes, divergentes.

As sociedades ocidentais organizam-se e convivem harmonicamente pela implementação do poder estatal e dos demais instrumentos de controle social e, prin-

Page 248

cipalmente, através da criação e aplicação prática das normas jurídicas que, em essência, objetivam regulamentar a vida do homem em sociedade.

Assim, já foi objetivamente destacado que é dever do Estado para organizar a vida humana, criar e fazer cumprir o Direito, como uma das formas de controle social, nas hipóteses legalmente autorizadas e/ou nos casos de insuficiência ou ineficácia dos demais instrumentos de controle social: religião, moral e regras do trato social.

Ainda que imprescindível para a vida em sociedade de forma organizada, para evitar a tirania e a prepotência, embora único o poder do Estado sobre os destinos da sociedade, as funções estatais foram divididas em legislativas, executivas e judiciais, uma vez que, historicamente, a concentração dos poderes nas mãos do Estado sempre foi motivo de forte preocupação na manutenção e no aperfeiçoamento das democracias.

Em suma, a separação de poderes ou divisão de funções do Estado, constituiu uma das vertentes de estudos filosóficos mais interessantes para o constitucionalismo moderno e traduz a impostergável necessidade de controle do poder estatal.

A repetição da temática inicial justifica-se pelo fato de que, em última análise caberá ao Poder Judiciário, se acionado, estabelecer os reais marcos da separação de poderes da República, na qualidade de último guardião da democracia.

No século XVIII, em comentários à primeira Constituição norte-americana, HAMILTON já destacava que não há verdade política de maior valor intrínseco, ou escorada por melhores autoridades, do que aquela em que essa objeção se funda; a acumulação dos Poderes legislativo, Executivo e Judiciário nas mãos de um só indivíduo, ou de uma só corporação, seja por efeito de conquista ou de eleição, constitui necessariamente a tirania.1Segundo a visão doutrinária tradicional, desde o surgimento da doutrina de Montesquieu, foi determinado ao Poder Legislativo o dever de estabelecer as principais regras de conduta humana e cristalizá-las, através das leis e demais atos normativos típicos.

Já o Poder Executivo sempre possuiu, como principal dever, colocar em prática a vontade legislativa, pela utilização das regras próprias da Administração Pública, bem como pelas ações políticas, mediante a implementação das políticas públicas.

Por último, porém tão importante quanto os demais, o Poder Judiciário recebeu a incumbência de proteger a sociedade, sempre que forem praticadas condutas contrárias ao Direito em relação a quaisquer pessoas físicas, jurídicas, de direito público ou privado, inclusive as condutas ilícitas emanadas do próprio Estado, des-

Page 249

de que legalmente acionado. Trata-se, enfim, do poder estatal capaz de reconduzir a vontade da lei, violada pelas partes, inclusive pelo próprio Estado.

O Poder Judiciário constitui, assim, o natural e último desaguadouro das multi-facetadas questões individuais, coletivas, sociais, políticas e econômicas, sempre que os demais Poderes da República não exerçam seus deveres e responsabilidades, de acordo com as prescrições constitucionais em vigor.

Daí a acertada denominação de último guardião da Constituição Federal.
É certo que o Poder Judiciário, ao longo da história constitucional brasileira, sempre foi contemplado nos diversos textos constitucionais escritos, embora com denominação, formação e características diferentes da atual, porém, sempre como mesmo objetivo: servir como âmbito ou espaço de proteção de direitos da sociedade através do cumprimento da Constituição Federal.

No entanto, é preciso registrar que a atuação do Poder Judiciário, particular-mente em relação ao STF, especialmente nos períodos ditatoriais da história brasileira demonstrou óbvias dificuldades na afirmação constitucional da real independência do poder judicante frente aos demais, sobretudo em relação ao Poder Executivo, tal como na análise do alcance e efeitos do mandado de injunção e das medidas provisórias, segundo o criterioso estudo feito por ALVES JR.2Por isso, dentre outros fatores, ao mesmo tempo em que é um Poder da República muito forte, independente e, mesmo, o derradeiro sustentáculo da democracia, ainda recebe severas críticas da sociedade, muitas vezes por questões totalmente estranhas à atividade jurisdicional e outras vezes, por falhas que lhe são imanentes, tais como a excessiva demora na prestação da tutela jurisdicional e, algumas vezes, na nítida idéia de que o poder ainda caminha por caminhos divergentes aos perfilhados pela sociedade civil.

No entanto, a excessiva lentidão no tramitar dos procedimentos, a falta de maior independência dos juízes em relação aos demais poderes, a pouca sintonia com os maiores anseios populares e a ausência de melhores condições de trabalho e de estrutura administrativa, dentre outras, são questões sempre discutidas como fatos que impedem a escorreita prestação da tutela jurisdicional.

No entanto, apesar dos problemas e obstáculos pessoais e estruturais ao longo de sua trajetória, diga-se de passagem, existentes nas demais instituições brasileiras, é preciso, enfim, conhecer as estruturas e funções do Poder Judiciário para aquilatar sua real importância no contexto histórico-nacional.

O Poder Judiciário possui capítulo específico no texto constitucional em vigor. Do art. 92 ao art. 125 da CF descortina-se sua formação estrutural, características, princípios e demais peculiaridades jurisdicionais. Observa-se que várias matérias

Page 250

e/ou tópicos, explicitados na CF, já eram objeto da legislação infraconstitucional. Assim, a presente análise pontual destacará apenas os aspectos mais relevantes do poder, especialmente na esfera constitucional.

A missão fundamental do Poder Judiciário, segundo o esquema traçado por Montesquieu, é de proteger direitos e interesses jurídicos, em caso de eventuais ameaças ou violações, por qualquer pessoa, inclusive pelo Estado. Inerte, salvo em casos excepcionais fixados na lei, somente age se, e quando provocado pelas partes interessadas e dentro das regras legais previamente fixadas pela CF e pela legislação processual infraconstitucional.

Da mesma forma que em relação aos demais, a CF trouxe extenso rol de funções atípicas. Iniciativa de projetos de leis, julgamento político e a organização administrativa e estrutural do poder são exemplos de funções inerentes aos demais poderes. Por isso, o Poder Judiciário, pelo sistema de freios e contra-pesos, exercita funções típicas – julgar – e funções atípicas – executar e legislar.

Como já destacado, numa efetiva demonstração de confiança, o poder constituinte originário, em 1988, colocou o Poder Judiciário na condição de último guardião da cidadania, sendo-lhe garantida – integralmente - a possibilidade de atuar com independência e harmonia em relação aos demais Poderes da República, inclusive, com amplas possibilidades de exigir de todos o cumprimento da CF.

Como forma de melhorar a atuação do Poder Judiciário, que igualmente sofre das mesmas mazelas presentes em muitas instituições brasileiras, tais como nepotismo, votações secretas, supersalários, etc, várias medidas estão sendo adotadas.

As contundentes críticas na imprensa escrita, conforme o trabalho de jornalismo investigativo feito por VASCONCELOS3, passando pela instalação e conclusão da denominada popularmente CPI do Judiciário, até a recente reforma do Poder Judiciário, criada pela EC n. 45/04, em síntese, demonstram expressiva melhoria na atividade judicial, a partir da real percepção da sociedade em relação à importância do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT