Correção monetária no processo do trabalho e a reforma trabalhista

AutorPaulo Wo Jin Lee
Páginas54-60

Page 54

Paulo Woo Jin Lee 1

Introducao

Em um país que já sofreu com taxas de inflagao galopantes, com índices que chegaram a 2.477,15% no ano de 19932, a corregao monetária é assunto de extrema importancia, pois visa garantir o valor monetário do dinheiro, ou seja, o poder de compra dos cidadaos.

Em relagao ao Direito do Trabalho, a relevancia do tema está ligada ao grande impacto no montante devido na reclamagao trabalhista, dado seu potencial em elevar o crédito dos reclamantes e, consequentemente, o passivo das empresas dependendo do índice utilizado. Para me-lhor compreensao do reflexo financeiro, o quadro abaixo demonstra os efeitos no débito judicial atualizado com a aplicagao da Taxa Referencial (TR) e do Índice Nacional de Pregos ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E).

3 4

No exemplo acima, al diferenga foi de R$ 100.765,92, equivalente a 31,83089%, mas nao é possível afirmar o percentual exato que incidirá sobre os créditos, tendo em vista que cada agao sofrerá um reajuste diferente de acor-do com o período de atualizagao.

Apesar de o debate sobre a incapacidade de a TR evitar a desvalorizagao do crédito judicial nao ser recente5, o assunto voltou a ser discutido com intensidade após a edigao da Lei n. 13.467/17, conhecida como Reforma Trabalhista, que re-forgou sua aplicagao como índice de corregao monetária dos créditos trabalhistas, e com as últimas decisoes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho sobre tao delicado assunto, como será abordado mais adiante.

Índices de inflacao

No Brasil, existe uma gama interminável de índices de in-flagao, tais como o Índice Geral de Pregos (IGP) e Índice Geral de Pregos do Mercado (IGP-M), apurados pela Fundagao Getúlio Vargas; Índice de Pregos ao Consumidor (IPC-Fipe), da Fundagao Instituto de Pesquisas Económicas, da USP; índice do Custo de Vida (ICV-Dieese), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconómicos; Índice Nacional de Pregos ao Consumidor (INPC) e Índice de Pregos ao Consumidor Amplo (IPCA), medidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Índice Nacional do Custo da Construgao (INCC), entre muitos outros.

Embora todos os índices de inflagao tenham como pre-missa básica medir o mesmo fenómeno económico, sao apurados de maneira distinta. Basicamente, o que diferencia um índice de outro é a base territorial de apuragao, período de coleta de dados, itens pesquisados para compor o cálculo e finalidade. Por exemplo, o ICV-Dieese é medido apenas na cidade de Sao Paulo. O INPC apura 11 princi-pais regioes metropolitanas para famílias com renda de 1 a 8 salários mínimos. O IPC-Fipe reflete o custo de vida de famílias com renda de 1 a 20 salários mínimos e divulga taxas quadrissemanais. O IGP-M é normalmente utilizado para contratos de alugueis. INCC no financiamento direto de construtoras/incorporadoras e reflete o prego de mate-riais de construgao e da mao de obra no setor.

Page 55

O índice escolhido pelo Brasil para medir a inflacáo oficial é o IPCA, pelo que serve de parámetro para as metas de inflacáo do Governo Federal e é considerado pelo Comité de Política Monetaria do Banco Central (COPOM) na definicáo da taxa básica de juros (SELIC).

Poderíamos dedicar um livro inteiro para tratar da maté-ria, mas o artigo focará, e de forma sucinta, no IPCA-E e na TR, pois sáo os dois índices mais empregados na atu-alizacáo do crédito trabalhista6, sendo assim, necessário conhece-los para uma maior compreensáo da questáo.

2. 1 Índice de precos ao consumidor ampio especial (IPCA-E)

O IPCA-E foi criado em dezembro de 1991 e possui a mesma base territorial de apuracáo e itens pesquisados para compor o cálculo do IPCA, diferindo apenas em relacáo ao período de coleta dos dados, que ocorre do dia 16 do més anterior ao dia 15 do mes de referencia (o do IPCA acontece entre o primeiro e o último dia do mes de referencia), baseado no acumulado trimestral do IPCA-15 (outra variacáo do IPCA, mas com interregno menor - 15 dias)7.

O índice em exame reflete o custo de vida para famí-lias com renda mensal de 1 a 40 salarios mínimos, pelo

que cobre grande parcela da populacáo brasileira. O IBGE coleta os dados de forma contínua e sistemática pelo Sistema Nacional de Índices de Precos ao Consumidor em 11 localidades (Regióes Metropolitanas de Belém, Recife, Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Sáo Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além do Distrito Federal e do município de Goiánia).

Os itens pesquisados sáo definidos de acordo com os dados da Pesquisa de Orcamentos Familiares, realizada pelo IBGE a cada 5 anos. Atualmente, as categorias que compóem o IPCA-E sáo: alimentacáo e bebidas, transportes, habitacáo, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, vestuário, educacáo, artigos de residencia e co-municacáo. Ao todo, sáo consideradas as variacóes de precos de 465 subitens8.

Desse modo, fica claro o equívoco de citar, como sinónimos, o IPCA-E e o IPCA, pois, apesar de similares, sáo distintos. Muitas vezes os índices convergem para números muito semelhantes, mas o próximo quadro comparativo evidencia a diferenca de percentual existente entre eles9, que aumenta, pelo efeito cumulativo, a médio/ longo prazo.

Em suma, o IPCA-E mostra a variacao, para cima ou para baixo, dos precos de produtos e servicos de um período para outro. Como nao pretendemos esgotar o tema, mas somente explicar em apertada síntese sua composicao, os esclarecimentos prestados sao suficientes para entender porque o IPCA-E foi escolhido pelo STF e TST para correcao dos créditos judiciais.

2. 2 Taxa Referencial (TR)

A TR surgiu no ano de 1991 no Plano Collor II10, com a intensao de desindexar a economia para enfrentar a hiperinflacao, ou seja, evitar que as variáveis económicas fossem corrigidas pela inflacao, posto que isso causava efeito cíclico perverso, gerando mais inflacao. Em outras palavras, pretendeu-se que instrumentos financeiros como investimentos e financiamentos acompanhassem a TR11, com o fito de conter a subida de precos pela inflacao, para, assim, combate-la.

Mesmo com o fracasso do Plano Collor II, que resultou em acóes bilionárias na Justica pleiteando a reposicao das perdas inflacionárias, a TR12 permanece viva e atuante até

Page 56

os dias de hoje, "corrigindo" a caderneta de poupanca, o saldo da conta vinculada do FGTS13 e os créditos reconhe-cidos em juízo.

Pelas regras do Banco Central do Brasil14, a TR é calculada com base na rentabilidade média dos Certificados de Depósitos Bancários e Recibos de Depósitos Bancários (CDB/RDB), emitidos por amostra composta pelas 30 insti-tuicóes financeiras com maior volume de captacao desses papéis. Entretanto, em sessao extraordinária realizada no dia 18/01/2018, o Conselho Monetário Nacional alterou o método de cálculo da TR, que passará, a partir de 1º de fevereiro de 2018, a ser apurada de acordo com as taxas de juros negociadas no mercado secundário com Letras do

Tesouro Nacional (LTN)15.

Como seu atual critério de apuracao se baseia apenas no volume de captacao das maiores instituicóes financeiras do país, nao reflete a flutuacao dos precos de produtos e servicos, o que explica seu distanciamento do índice de inflacao, como é possível verificar na planilha a seguir.

Destaque-se que é comum a TR mensal ser 00,00%, como ocorreu de setembro de 2012 a junho de 201316, período em que a inflacao foi de 5,66%17. O mesmo se constata nos meses de setembro a novembro de 2009, janeiro e fe-vereiro de 2010 e setembro a dezembro de 201718, quan-do o índice igualmente permaneceu "zerado".

Panorama normativo e jurisprudencial da correcáo monetaria

A Lei n. 8.177/9119 e, posteriormente, a Lei n. 10.192/0120 fixaram a TR como fator de correcao mone-tária dos débitos trabalhistas, entendimento uniformizado pela Orientacao Jurisprudencial n. 300 da SBDI-I do Tribunal Superior do Trabalho21.

Todavia, ao decidir conjuntamente as ADINs n. 4.357 e 4.425, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a expressao "índice oficial da remuneracao básica da caderneta de poupanca"22 constante do § 12 do art. 100 da CF, introduzido pela Emenda Constitucional n. 62/09, uma vez que desequilibra a equacao economico-financeira dos sujeitos da relacao jurídica. Ao proferir seu voto, o Ministro Ayres Britto esclareceu que "a corregao monetaria é instrumento de preservagao do valor real de um determinado bem, constitucionalmente protegido e redutivel a

Page 57

pecunia. [...] Pois que, sem a corregao, o titular do direito só o recebe mutilada ou parcialmente. Enquanto o sujei-to passivo da obrigagao, correlatamente, dessa obrigagao apenas se desincumbe de modo reduzido". O Ministro Luiz Fux acrescentou, ainda, que "o índice oficial de remu-neragao da caderneta de poupanga nao é critério adequa-do para refletir o fenómeno inflacionário. [...] Daí que a corregao monetária de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT