Ônus financeiro do processo do trabalho: gratuidade, custas e honorários

AutorCarlos Eduardo Ambiel
Páginas70-82

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Carlos Eduardo Ambier 1

Introducáo

A Lei n. 13.467/2017 modificou significativamente o onus financeiro para quem postula na Justica do Trabalho. Antes as demandas eram reconhecidas como de baixo risco para as partes, especialmente para o empregado. Além da facilidade de obtencao do benefício da gratuidade, as hipóteses de condenacao em honorários de sucumbencia eram bastante restritas2.

A reforma dos artigos 789, 790, 790-B e 791-A da CLT alterou essa lógica. Passou a estabelecer critérios mais rígidos para concessao da gratuidade, inclusive ex-cepcionando hipóteses de isencóes de custas3, além de ampliar significativamente as hipóteses de condenacao em honorários advocatícios. Dentre os objetivos da alte-racao, conforme ficou explícito na "exposicao de motivos" do Projeto, estava a reducao do excesso de demandas da Justica do Trabalho4. A alteracao gerou polemicas, como a discussao sobre a constitucionalidade da restricao de an-tigos benefícios aos titulares da gratuidade, além de dúvi-das sobre a aplicacao temporal dos honorários e sobre o conceito de sucumbencia parcial.

Nesse contexto, analisaremos as novas regras para con-cessao da gratuidade, diferenciando a hipótese de insuficiencia presumida, daquela em que haverá necessidade de comprovacao da impossibilidade de pagamento. Em rela-cao ás custas, como foram mantidos os critérios gerais de apuracao e pagamento, o estudo se limitará a analisar a instituicao do valor máximo de custas para o processo de conhecimento, sua conveniencia e abrangencia.

Por fim, quanto aos honorários advocatícios, além da discussao sobre quais serao os processos atingidos pela alteracao, apontaremos semelhancas e diferencas entre as novas disposicóes da CLT e as regras do CPC/2015, anali-sando a hipótese de obrigacao de pagamento mesmo aos beneficiários da gratuidade, critérios para arbitramento do valor dos honorários e conceito de sucumbencia parcial. Iniciaremos pelas regras de concessao da gratuidade, que tem repercussao direta nos demais institutos.

A gratuidade no processo do trabalho

O artigo 5º, LXXIV, da Constituicao Federal indica a insuficiencia de recursos5 como requisito necessário para que a parte tenha direito á assistencia judiciária. Apesar de o critério também ser exigido na concessao da gratuidade, importante nao confundir os institutos6.

A assistencia judiciária, inicialmente prevista pela Lei n. 1.060/50, passou a ser regulada pelo CPC/20157, que conferiu á defensoria pública e demais entidades conve-niadas a obrigacao de defender em juízo, de forma integral e gratuita, em qualquer grau de jurisdicao, os direitos individuais e coletivos dos necessitados. No processo do trabalho, a assistencia judiciária era regulada pelo art. 14 da Lei n. 5.584/70, que impunha ao sindicato da catego-ria profissional a obrigacao de prestá-la aos trabalhadores com renda inferior a dois salários mínimos ou que provas-sem prejuízo ao sustento da família.

Já a gratuidade da justica se materializa no direito de demandar em juízo sem obrigacao de pagamento de despesas

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processuais, como custas, emolumentos e honorários8. Seu cabimento no processo do trabalho remonta ao ano de 1946, quando inserido o § 7º ao artigo 789 da CLT9. Na oportunidade, era uma faculdade do juiz conceder a vantagem aos que percebiam salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal ou provassem seu estado de miserabilidade, lógica preservada na alteracao feita pelo Decreto 229/196710.

Com a promulgacao da Lei n. 5.584/70, passou-se a entender que a concessao da gratuidade nao seria facul-dade, mas sim obrigacao do magistrado, sempre que atendidos os requisitos legais11. Em 2002, a questao passou a ser tratada pelo artigo 790, da CLT12, que voltou a prever a faculdade na concessao, tanto de oficio, quanto pelo requerimento do interessado, desde que o beneficiário percebesse "salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal" ou declarasse "sob as penas da lei" nao ter "con-dicóes de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família".

Portanto, até a promulgacao da Lei n. 13.467/17, para ser beneficiado com a gratuidade no processo do traba-lho, bastava ao empregado fazer declaracao de pobreza, sem necessidade de comprovacao da condicao. Eventual impugnacao pelo empregador, embora possível, esbarrava na dificuldade prática de obter informacóes sobre os bens ou rendimentos do empregado13, criando a sensacao de que o processo apresentava baixo risco financeiro14. Homero Batista Mateus da Silva acredita que essa percepcao contribuiu para o surgimento de demandas infundadas ou com pedidos superestimados, ao que chamou de "abuso postulatório"15.

Tais fatos explicam a restricao trazida ao art. 790, § 3º da CLT16, que passou a indicar como elegível á gratuida-de aqueles que recebem "salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdencia Social17", retirando a previ-sao de o interessado declarar "nao ter condicóes de pagar as custas", como constava da redacao anterior18.

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A utilizacao do valor do salário mensal como critério para verificar o cabimento do benefício afasta a aplicacao do dispositivo ás pessoas jurídicas, que nao recebem salá-rio. No entanto, se a parte for pessoa natural, mas tiver rendimentos de natureza jurídica distinta do salário, como ocorre nos casos de pró-labore ou honorários, será permitido ao magistrado deferir a gratuidade, desde que o limite máximo de renda seja observado. Afinal, a presuncao de necessidade decorre da limitacao do valor da renda e nao da natureza jurídica do recurso recebido, como já ocorria nos casos de admissao da concessao de gratuidade ao em-pregador pessoa natural19.

Mas a Reforma acrescentou o §4º ao art. 790 da CLT20, prevendo a concessao da gratuidade também "á parte que comprovar insuficiencia de recursos para o pagamento das custas do processo". A mudanca é marcante. A insuficiencia de recursos deixa de ser presumida ou meramente declarada. Agora, deve ser comprovada. Além disso, como a nova redacao passou a indicar que o direito pertence-rá á "parte" e nao mais "áqueles que perceberem salário (... ) ou declararem", parece-nos presente a possibilidade de concessao da gratuidade, na forma específica do §4º, também para pessoas jurídicas, desde que comprovada a insuficiencia de recursos21. Além de nao ser nova, pois o art. 98 do CPC/2015 expressamente admite a gratuidade para empresas, a solucao parece mais adequada á dispo-sicao do art. 5º, LXXIV, da CF/88, que nao restringe o direito apenas ás pessoas naturais22.

Portanto, passamos a ter duas hipóteses distintas para concessao da gratuidade no processo do trabalho: a pri-meira, na qual a necessidade é presumida, aplicável á pessoa natural com renda até 40% do valor máximo do benefício do RGPS, podendo ser concedida de oficio pelo magistrado; a segunda, que exige a comprovacao da insuficiencia de recursos, podendo beneficiar qualquer das partes, inclusive a empresa empregadora. A controvérsia certamente se dará em relacao aos meios necessários para a prova de insuficiencia de recursos: se limitados á apre-sentacao de documentos, como extratos bancários ou de-claracao do imposto de renda, ou se admitida a simples declaracao de pobreza23, hipótese retirada da CLT, mas ainda prevista no art. 99, § 3º do CPC/201524.

O objetivo do legislador claramente foi tornar a prova da insuficiencia mais concreta, afastando do texto celetista a antiga previsao da concessao pela simples declaracao do interessado. No entanto, como o referido art. 99, §3º do CPC preve expressamente que "presume-se verdadeira a alegacao de insuficiencia", feita por pessoa natural, e a CLT nao afastou expressamente a aplicacao desse dispositivo ao processo do trabalho25, parece-nos que a com-provacao da insuficiencia também poderá ser feita por simples declaracao.

Portanto, embora nao seja mais requisito para a con-cessao da gratuidade, a declaracao de pobreza firmada por pessoa natural poderá ser entendida como meio de prova da insuficiencia de recursos26, desde que suficiente para convencer o magistrado27. Para a pessoa jurídica, no

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entanto, a comprovacao deverá ser feita por outros meios admitidos de prova, preferencialmente a documental, pois apenas a declaracao firmada por pessoa natural foi considera "presuncao de verdade" pelo CPC/2015. A divergencia, no entanto, cria incertezas que nao deveriam surgir do texto reformado.

O legislador também perdeu a oportunidade de expli-citar melhor se para a verificacao do atendimento do cri-tério do recebimento de "salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do RGPS", previsto no art. 790, § 3º, da CLT, deverá ser considerado o valor recebido no momento do requerimento da gratuidade ou na vigencia do contrato de trabalho ques-tionado. Afinal, é comum trabalhador que tinha salário superior ao teto referido quando estava empregado, mas que, no momento do ajuizamento da demanda, encontra--se sem salário, pois desempregado28.

Na ausencia de previsao legal mais clara, entendemos que o critério do valor do salário, por se tratar de necessi-dade presumida, deve considerar os rendimentos obtidos durante a relacao de trabalho, objeto da reclamacao. Nes-se sentido, se o empregado recebia menos que o equivalente a 40% do limite máximo do RGPS, conforme valor apurado na data de distribuicao da acao, o magistrado poderá conceder a gratuidade com fundamento no art. 790, § 3º da CLT. Isso porque, como o benefício pode-rá ser concedido de ofício, o critério precisa ser objetivo e facilmente identificado pelo juízo, sem necessidade de informacóes sobre fatos alheios aos discutidos...

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