Crédito e sua proteção

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas1-16
Capítulo 1
CRÉDITO E SUA PROTEÇÃO
1. CRÉDITO E SOCIEDADE
1.1 Etimologia: credor e devedor
Os vocábulos “crer” (creditis), “crença” (credentia), “acreditar” (credere),
“inacreditável” (incredibiliter), “crível” (credibile), “crédito” (creditu), “credor”
(creditor), “crente” (credentis), “credibilidade” (credibilis), “crédulo” (credulus),
“creditício” (credit) etc. têm em comum o fato de que todos estão diretamente
relacionados com o sentido de conança, crença, acreditar, ter convicção, fé etc.
Crédito nada mais é do que a conança que se deposita em alguma coisa e,
“credor, no sentido nanceiro, é justamente aquele sujeito que acredita, tem a
conança e a expectativa de que receberá aquilo a que tem o direito de receber.
Por sua vez o devedor é aquele que deve, tem o débito (debere), qual seja o dever
junto àquele que é o credor.
1.2 Importância macroeconômica da relação débito/crédito
Engana-se quem olha para o problema da inadimplência das obrigações
e “crê” que ele se restringe a uma ilha distante e que envolve apenas o credor X
que cou sem receber o que lhe era devido e o devedor Y que deixou de pagar o que
deveria.
Os dados fornecidos pelo CNJ por meio da “Justiça em números” da execução
civil no Brasil têm revelado o retrato de duas tristes realidades:
a) primeiro, porque pressupõe a existência de créditos que foram inadim-
plidos; credores insatisfeitos que tiveram que recorrer ao Poder Judiciário.
O gradativo aumento de execuções civis revela um descompromisso,
proposital ou não, com o adimplemento espontâneo das obrigações;
b) segundo, porque descortinam uma forte crise na tutela executiva, posto
que não consegue satisfazer o direito do credor, chegado a seguinte en-
cruzilhada: nem a prestação é adimplida espontaneamente e nem mesmo
a satisfação do direito mediante a responsabilização patrimonial tem
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RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL PELO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES • Marcelo abelha
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êxito no país. Isso quer dizer que há uma crise tanto do dever de prestar
quanto do direito de satisfazer-se mediante a agressão do patrimônio do
devedor1.
Não se pode esconder que o patamar da inadimplência no Brasil permanece,
ano após ano, em índices alarmantes. Há anos que mais de 60 milhões de brasilei-
ros estão inadimplementes, com mais de 20% devendo serviços essenciais (água,
energia, gás etc.), mais de 27% devendo a bancos e nanceiras, gastos com varejo
mais de 12% etc. Se considerar-se que este número de inadimplentes supera com
facilidade mais da metade do índice PEA2 (população economicamente ativa) e a
taxa de desemprego no primeiro trimestre de 2021 supera 13 milhões de pessoas3,
pode-se perceber que a inadimplência no Brasil é um fenômeno pandêmico. E
alguém poderia questionar:
_ Mas o que eu tenho a ver com isso?
_ Como essa ‘pandemia da inadimplência” pode me afetar?
No âmbito interno, com o superendividamento das pessoas, seus nomes
cam “sujos” e começam a ter restrições de crédito, diminuindo o consumo de
bens e gerando uma retração econômica nos produtos e serviços colocados no
mercado, a causar um efeito “bola de neve. Para aqueles que estão no comércio,
não há para quem vender e, por isso, a receita cai, obrigando a fazer cortes no
setor produtivo que, por sua vez, diminuirá a receita de quem fabrica e produz a
matéria prima, sem falar no corte e demissão das pessoas com aumento do de-
semprego. Reduzido o consumo, produz-se menos, o dinheiro ca mais escasso
e mais caro, os juros aumentam e começa uma recessão econômica4.
“O crédito é um poderoso instrumento para o desenvolvimento econômico, mas se for pago.
Se houver calote é prejudicial, pois destrói valor e afeta a qualidade de vida dos cidadãos, que
passam a enfrentar as dores de cabeça do superendividamento, e de toda a cadeia produtiva.
1. Seria uma tola ingenuidade imaginar que o “cerne do problema” das execuções infrutíferas reside nas
“técnicas processuais defasadas” ou na “prestação do serviço judiciário” ou, quiçá, porque existem
devedores que “blindam seus patrimônios” para escapar da execução. Estes são “problemas satélites”.
Num país situado abaixo da linha da pobreza como o Brasil, com quase 50% da população sem sa-
neamento básico, com enorme desigualdade na distribuição da renda per capita, é certo que haverá
inadimplência, superendividamento e execução infrutífera, porque a grande massa de devedores não
possui patrimônio expropriável.
2. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama
3. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php.
4. DANA, Samy. Entenda como a inadimplência afeta a economia do país. G1. Disponível em: https://g1.
globo.com/economia/blog/samy-dana/post/entenda-como-inadimplencia-afeta-economia-do-pais.
html Acesso em: 22 fev. 2022; MARINS, Jaqueline Terra Moura Marins; NEVES, Myrian Beatriz Eiras
das. Inadimplência de Crédito e Ciclo Econômico: um exame da relação no mercado brasileiro de
crédito corporativo. Banco Central do Brasil. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pec/wps/port/
TD304.pdf, Acesso em: 22 fev. 2022.
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