O direito que será garantido pelo patrimônio do responsável

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas127-158
Capítulo 05
O DIREITO QUE SERÁ GARANTIDO
PELO PATRIMÔNIO DO RESPONSÁVEL
1. INTROITO
Uma vez identicado que a responsabi lidade patrimonial é um fenômeno
que revela o direito do credor de ter no patrimônio do devedor uma garantia
para o caso de este incumprir a prestação que lhe é devida1 2, resta indagar: qual
o direito protegido por esta garantia pat rimonial e, mais precisamente, o que o
patrimônio garante? O tema é complexo como veremos adiante.
A indagação tem importância porque quando se fala em responsabilização
patrimonial, necessariamente signica admitir que o que serve de garantia é
justamente um patrimônio – um conjunto de bens e valores que pertencem ao de-
vedor/responsável – dos quais será retirado dinheiro mediante um procedimento
expropriatório com o objetivo de proteger algum direito que supostamente estava
garantido.
A despeito de existirem regras especícas sobre responsabilização patri-
monial nas mais diversas áreas do ordenamento jurídico, são os arts. 391 e 942
do CCB que servem de cláusula geral sobre o tema em matéria de obrigações
(negociais e extranegociais). Eles que fornecem o caminho para a resposta:
Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem cam sujei-
tos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão
solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co -autores e as pessoas
designadas no art. 932.
Nas relações negociais, o patrimônio do devedor é a garant ia que o credor
possui contra os prejuízos que ele tiver que sup ortar pelo inadimplemento do
1. CCB, Art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.
2. CPC, Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento
de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.
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RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL PELO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES • Marcelo abelha
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devedor. Nas obrigações derivadas de atos ilícitos, o patrimônio do respon-
sável serve para garantir ao ofendido a integral reparação do dano causado
pelo ofensor. Em amb os os casos, parece evidente a relação lógica entre (a) o
patrimônio garantidor e (b) prejuízo suportado credor/ofendido em razão da
prestação inadimplida.
Por se tratar de uma garantia que se tem no presente para proteger uma
situação futura e incerta, é preciso saber (a) quando nasce a garantia patrimo-
nial e (b) exatamente o que ela está cobrindo. Esta é a questão que pretendemos
responder neste capítulo.
Assim, por exemplo, quando Marcelo contrata Guilherme e paga antecipa-
damente uma quantia para que este ent regue um parecer jurídico e Guilherme
não o entrega na data aprazada, não interessando mais o cumprimento tardio,
nascem as seguintes perguntas:
a) Existe para esta obrigação inadimplida uma garantia patrimonial sobre
o patrimônio de Guilherme?
b) Em caso positivo, esta garantia patrimonial cobre qual valor, apenas
das perdas sofridas por Marcelo ou
c) Além destas, dos danos que surgiram em razão do inadimplemento?
Sem qualquer suspense, adiantamos a nossa posição respondendo a cada
item acima que:
(a) Realmente existe uma garantia patrimonial sobre o patrimônio de
Guilherme quando da celebração do negócio jurídico com Marcelo
em relação as obrigações ali assumidas;
(b) Esta garantia deveria cobrir, naquele momento em que nasce a obriga-
ção, o correspondente monetário da prestação que futuramente viesse
a ser inadimplida, que era objetivamente de conhecimento das partes;
(c) Não se inclui, no momento da contratação, a garantia pat rimonial dos
prejuízos novos devidos a Marcelo que nasçam em razão do inadimple-
mento, pois a garantia patrimonia l sobre os danos nascidos em razão
do inadimplemento constitui nova obrigação de indenizar e com ela
uma nova garantia patrimonial a partir daquele momento.
Para compreender o fenômeno e tentar elucidar de forma mais minudente as
questões acima, precisamos antes trazer à lume alguns aspectos de ordem teórica
nos tópicos que se seguem. Para entender quando nas ce a garantia patrimonial
e exatamente o que ela protege no futuro, será preciso alguma digressão sobre o
fenômeno da incidência e os seus efeitos jurídicos.
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CAPíTulo 05 • o DIrEITo quE SErá GArANTIDo PElo PATrImôNIo Do rESPoNSávEl
2. INCIDÊNCIA E EFEITOS
Hoje cedo fui à farmácia comprar um remédio e, no trajeto que vai de
lá até a minha casa, eu realizei, sem perceber, diversos preceitos (comandos)
normativos. Cito aqui apenas alguns: desci no elevador de máscara (era época
da pandemia), dirigi com cuidado respeitando os demais veículos e pedestres,
parei no sinal (semáforo, farol) vermelho, estacionei no local adequado, en-
trei na la para ser atendido, paguei a quantia devida pela injeção que me foi
aplicada e por aí vai.
A verdade é que, quase sem perceber, o temp o inteiro estamos c umprindo
deveres previstos em lei ou em negócios jurídicos. O que eu z hoje cedo é o
que a maioria da população faz (atos conformes ao direito) e ainda bem que seja
assim, porque senão viveríamos um caos social. Como dizia Agostinho Alvim,
“o cumprimento das obrigações é a regra; o inadimplemento, a exceção”3.
A frase do professor Agostinho Alvim é perfeita para o cenário desenhado
no seu clássico “Da inexecução das obrigações”, mas podemos ir mais adiante
e ampliar o contexto para dizer que o cumprimento da lei ou do negócio jurídico
é a regra; o incumprimento é a exceção. Portanto, sejam os deveres constantes
em negócios jurídicos, sejam aqueles descritos na lei, o normal e desejável é que
o preceito primário seja cumprido surtindo os efeitos desejados e previstos; a
exceção deve ser o seu incumprimento.
Entretanto, seja no caso de cumprimento, seja no de incumprimento desse fato
jurídico, nascerão efeitos jurídicos que implicarão novos direitos e deveres para
aqueles envolvidos na relação. Tanto o cumprimento, quanto o incumprimento são
fatos jurídicos que se encaixam em tipos legais/contratuais e fazem nascer novas
relações colocando os sujeitos envolvidos em posições jurídicas novas decorres
destes “efeitos” dali decorrentes.
Isso implica dizer o seguinte: a lei ou o negócio jurídico descreve em moldura
abstrata o fato (ou bloco de fatos) que tipic a o comportamento nela previsto.
No momento em que o fato ali descrito em abstrato (ou conjunto deles) acontece
no mundo real, há o fenômeno de incidência e resta àqueles que a li se inserem
cumprir o preceito previsto. Tanto o cumprimento quanto o incumprimento são
fatos jurídicos4 sobre os quais incide a regra jurídica abstrata gerando, tanto num
como noutro caso, um ou mais efeitos, por sua vez, podem s er suportes fáticos de
3. Arruda Alvim, Agostinho Neves de. Da inexecução das obrigações e suas consequências. São Paulo:
Saraiva, 1949, p. 14.
4. Assim, os fatos conforme e, também os co ntrários ao Direito. A respeito ver MELLO, Marcos Bernardes
de. Teoria do Fato Jurídico. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 115-116.
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