Da Execução por Quantia Certa

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas1006-1112
1006
Código de Processo Civil
CAPÍTULO IV
DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
Seção I
Disposições Gerais
Art. 824. A exe cução por quantia certa realiza-se pela ex propriação de bens do
execu tado, ressalvadas as execuções especiais.
• Comentário
Regra semelhante estava no art. 646 do CPC re-
vogado.
O Capítulo em exame trata da execução contra
devedor solvente, ou seja, devedor cujo valor patri-
monial exceda ao de sua dívida.
O CPC em vigor não reproduziu as disposições dos
arts. 748 a 786-A, do CPC de 1973, que disciplinava a
execução por quantia certa contra devedor insolvente,
que gerava um concurso universal de credores.
A Lei n. 11.232/2005 introduziu revolucionária al-
teração no sistema do processo civil, ao trazer para
o processo de conhecimento a clássica execução por
quantia certa, fundada em título judicial (arts. 475-A
a 475-R no CPC de 1973) – fato que levou a doutrina
do período a aludir a um sincretismo processual rea-
lizada pela sobredita norma legal. Em decorrência
disso, instituiu-se o procedimento do cumprimento da
sentença, e foram reformulados tradicionais concei-
tos inscritos no texto original daquele CPC como se
deu, em particular, com o de sentença (art. 162, § 1.o).
Em termos práticos, esse sincretismo signi cou que,
transitando em julgado a sentença condenatória –
para cogitarmos, apenas, da execução de nitiva --, o
devedor não mais passou a ser citado para o proces-
so de execução, senão que intimado para, no prazo
de quinze dias, cumprir, de maneira espontânea, a
sentença, sob pena de a condenação ser acrescida, de
forma automática, em dez por cento (CPC, art. 475-J).
O CPC de 2015 manteve a técnica do cumprimento
da sentença (arts. 513 a 518), reservando o processo de
execução para a que se fundar em título extrajudicial,
aí incluída a Fazenda Pública (arts. 771 a 925). Con-
forme já deixamos consignado em linhas anteriores,
o processo do trabalho não prevê o procedimento do
cumprimento da sentença, mas, apenas, o de execução,
seja para títulos judiciais, seja para títulos extraju-
diciais.
Por esse motivo, estaremos a falar, neste Capítulo
de execução por quantia certa.
Pressuposto especí co para execução de que cui-
dam os arts. 824 e seguintes é a existência de quantia
certa, assim entendida a prestação pecuniária a que
o devedor está obrigado, por força do título executi-
vo. Estabelece, a propósito, o art. 783 do CPC que a
execução para cobrança de crédito se fundará sem-
pre em “título de obrigação certa, líquida e exigível”,
sob pena de vir a ser declarada nula (CPC, art. 803, I),
acrescentamos. Como pudemos advertir, em páginas
anteriores, a expressão legal “líquida e certa” é mar-
cada por injusti cável superfetação, porquanto se
considera líquida a obrigação que seja certa, quanto
à sua existência, e determinada, no que toca ao seu
objeto; sendo assim, para atender ao rigor jurídico,
bastaria dizer-se que o título exequendo deveria
fundar-se em obrigação líquida, pois o conceito de
certeza estaria compreendido no de liquidez.
Caso a obrigação se apresente ilíquida, há neces-
sidade de inaugurar-se uma fase preparatória da
execução, propriamente dita, destinada a quanti car
o conteúdo obrigacional, sem o que o título executi-
vo será declarado inexigível.
O objetivo da execução por quantia certa é expro-
priar bens do executado, a m de satisfazer o direito
do credor (CPC, art. 824), pois o primeiro responde,
com seu patrimônio (presente ou futuro), para o
cumprimento das obrigações (CPC, art. 789). A con-
vergência dos atos executivos para a expropriação
judicial dos bens do devedor foi a sensata solução
que os modernos sistemas processuais encontraram
para substituir alguns meios largamente colocados
em prática, no passado remoto, em que a execução
recaía, muitas vezes, na pessoa física do devedor. Pela
manus iniectio do direito romano, p. ex., o inadimple-
mento do devedor gerava para o credor o direito de
aprisioná-lo, vendê-lo como escravo ou mesmo assas-
siná-lo. Em respeito à dignidade humana do devedor,
portanto, a legislação — fortemente in uenciada pela
doutrina cristã — evoluiu para a responsabilidade
apenas patrimonial deste, anatematizando as práti-
cas infamantes outrora consagradas. Modernamente,
pois, a execução por dívidas perdeu o seu caráter
Art. 824
verá apresentar embargos à execução, embora seja
desnecessária a garantia do juízo, em decorrência da
natureza da obrigação imposta (fazer ou não fazer).
Se, todavia, a obrigação convolar-se para quantia cer-
ta será indispensável a garantia do juízo.
Parágrafo único. Nos casos em que não for pos-
sível desfazer-se o ato, a obrigação se resolverá em
perdas e danos, que serão apuradas de acordo com o
procedimento referente à execução por quantia certa
(CPC, arts. 816 e 821).
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corporal de outrora para tornar-se, exclusivamente,
patrimonial ou real.
Em nosso meio, o próprio texto constitucional
— mantendo uma tradição elogiável — proíbe a pri-
são civil por dívida, exceto “a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescusável de obri-
gação alimentícia e a do depositário in el” (art. 5º,
LXVII), conquanto a Súmula Vinculativa n. 25, do
STF, declare: “É ilícita a prisão civil de depositário
in el, qualquer que seja a modalidade do depósito”.
O STF baseou-se no pacto de San José da Costa Rica. O
art. 13 do CPC de 2015 parece legitimar essa posição
do Excelso Pretório.
A execução por quantia certa, de outro lado, pode
ser convertida em sucedâneo lógico e jurídico das
execuções para a entrega de coisa certa, de fazer ou
de não fazer, sempre que for impraticável obter-se
o cumprimento das obrigações mencionadas; essa
conversão é necessária para evitar que o credor não
veja o seu direito, reconhecido pelo pronunciamento
jurisdicional passado em julgado, precipitar-se no
vazio, em decorrência da impossibilidade de exigir
a sua satisfação concreta (sanctio iuris).
Qual seria, porém, o objeto da expropriação ju-
dicial: o domínio ou a posse dos bens penhorados?
Nenhuma coisa nem outra. A penhora não retira do
devedor a propriedade ou a posse dos bens; des-
sa maneira, o que o Estado expropria, na verdade,
é a faculdade de o devedor dispor dos seus bens,
transferindo-a ao juiz, que a exerce no interesse do
credor (CPC, art. 797, caput). Nesse sentido, a lição
de Amílcar de Castro: “O juiz, que é a pessoa a quem
se transfere a faculdade de dispor, não adquire, por-
tanto, o direito que é objeto da disposição: adquire
somente a faculdade de dispor; mas a adquire como
a sua. O direito continua a pertencer ao titular, e o
juiz, que ao titular se une e contrapõe, exercita em
nome próprio faculdade relativa ao direito alheio.
Além disso, a expropriação não se opera no interes-
se do titular, nem com o concurso de sua vontade;
opera-se ainda contra a sua vontade, no interesse da
função jurisdicional, e por isso é que o juiz, titular
da faculdade de disposição, não age em nome do
titular do direito, age sim em nome próprio” (obra
cit., v. XVIII, p. 192).
Observa, ainda, o eminente jurista que nem
mesmo a faculdade de disposição é inteiramente
subtraída ao devedor, cando este apenas impedido
de valer-se dela em detrimento da execução, motivo
pelo qual se o devedor vender os bens penhorados,
antes da alienação judicial, e com o produto da ven-
da pagar a dívida e as despesas processuais, “essa
venda não pode deixar de ser válida”.
Em princípio, devedor é a pessoa que gura no tí-
tulo executivo (CPC art. 779, i), embora se encontrem
legalmente legitimados para integrar o polo passivo
da relação executiva todas as pessoas e entidades
mencionadas nos incisos II a VI do art. 779 do CPC.
Art. 825. A expropriação consiste em:
I — adjudicação;
II — alienação;
III — apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens.
• Comentário
Caput. A matéria estava contida no art. 647 do
CPC revogado.
A norma em exame dispõe sobre a expropriação
entendida como o ato pelo qual o Poder Judiciário
retira do patrimônio do devedor ou do responsável,
contra a vontade destes, bens em valor su ciente
para satisfazer o direito do credor.
Inciso I. Adjudicação é o ato judicial pelo qual se
transfere, de maneira coativa, para o patrimônio do
credor, a requerimento deste, a propriedade de bens
do devedor ou do responsável legal pelo adimple-
mento da obrigação contida no título executivo. A
adjudicação constitui ato expropriatório; não pos-
sui natureza contratual nem de negócio jurídico,
pois não há a manifestação da vontade do devedor
ou do responsável em transferir a propriedade dos
bens para o credor. Nem se trata de datio in solutum,
porquanto a dação pressupõe o poder de o devedor
converter, sendo que este, na verdade, já não detém
esse poder desde o momento em que os seus bens
foram apreendidos judicialmente. A adjudicação é
disciplinada pelos arts. 876 a 878 do CPC.
Inciso II. Alienação. Compreende: a) a iniciativa
particular; e b) o leilão judicial eletrônico ou pre-
sencial (CPC art. 879). A alienação por iniciativa
particular traduz a venda e compra dos bens do
devedor, para satisfação do crédito do exequente.
O leilão judicial tem a mesma nalidade, podendo
ser eletrônico ou presencial (clássico). O CPC ante-
rior aludia à hasta pública, arcaísmo injusti cável. O
vocábulo hasta, de origem latina, signi cava a lança
que os romanos costumavam hastear no lugar em que
seria efetuada a venda dos bens penhorados ao de-
vedor. O procedimento da alienação é regido pelos
arts. 879 a 903 do CPC.
Inciso III. O art. 647 do CPC anterior aludia ao
usufruto de bem móvel ou imóvel”. O art. 825 do CPC
em vigor refere a apropriação de frutos e rendimentos
de empresa ou estabelecimento de outros bens — o
que, em termos práticos, conduz ao mesmo resultado
previsto no Código de 1973. A penhora de frutos e
rendimentos de coisa móvel ou imóvel é regida pelo
art. 867 a 869 do CPC atual.
Art. 825
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Código de Processo Civil
• Comentário
Reproduziu-se a regra do art. 651 do CPC revo-
gado.
Conceito
O substantivo remição apresenta signi cado múl-
tiplo no plano jurídico; daí o caráter proteiforme que
se lhe tem atribuído. Interessa-nos, em particular, a
sua acepção na área do processo de execução; aqui,
o vocábulo tem o senso técnico de remir, de resgatar,
de readquirir, de reaver, de salvar algo.
Esse direito pode ser exercido tanto pelo devedor
quanto por terceiro.
Evite-se, contudo, confundir o termo remição com
a forma homófona remissão, signi cante de indul-
gência, misericórdia, compaixão. O art. 13 da Lei
n. 5.584, de 26 de junho de 1970, incidiu, lamenta-
velmente, nesse equívoco. Valesse, pois, o sentido
meramente literal do preceito, haveríamos de con-
cluir, por absurdo, que no processo do trabalho
é lícito ao devedor obter o perdão (= remissão) da
dívida.
Na mesma impropriedade deixa-se apanhar o
CPC, em alguns momentos de desatenção do legis-
lador.
Remição da execução e remição da penhora
No sistema do processo civil de 1973, anterior-
mente à Lei n. 11.382/2006, permitia-se a remição:
a) da execução (art. 651); e
b) da penhora (art. 787, revogado).
A revogação do art. 787, daquele CPC, deveu-se
ao fato de a mencionada Lei haver atribuído legiti-
midade para requerer adjudicação não só ao credor,
mas ao credor com garantia real; aos credores concor-
rentes, que houvessem penhorado o mesmo bem; ao
cônjuge; aos ascendentes e descendentes do executa-
do (CPC, art. 685-A, § 2º). Anteriormente, o cônjuge,
o descendente e o ascendente do executado poderiam
remir os bens penhorados (CPC, art. 787, revogado),
mas não os adjudicar; somente o credor-exequente, os
credores hipotecários e os credores concorrentes po-
deriam fazê-lo (CPC, art. 714, revogado).
Após o advento da Lei n. 11.382/2006, portanto,
no âmbito do processo civil de 1973: a) não havia
mais remição da penhora; b) havia, apenas, remição
da execução, que constituía faculdade do devedor.
O CPC atual manteve o sistema vigente do CPC
anterior, expresso no art. 685-A, § 2º, como revela o
seu art. 876, § 5º (que faz remissão ao art. 889, II a
VIII), exceto pelo fato de haver acrescentado o subs-
tantivo companheiro.
Qual a posição do processo do trabalho diante do
tema da remição?
O art. 13, da Lei n. 5.584, de 26 de junho de 1970,
prevê a remição, sem, contudo, xar prazo para que
seja requerida. Essa remição é da execução, e não dos
bens penhorados. Há, contudo, um fato que merece
re exão: o art. 789-A, inciso I, da CLT, xa critério
objetivo para o cálculo das custas referentes aos
autos de remição. Ora, sabe-se que na remição da exe-
cução não há necessidade de auto; este só é exigido
na remição de bens. Isto quer dizer, portanto, que o
art. 789-A, inciso I, da CLT, preveria, de maneira im-
plícita, a possibilidade de haver remição de bens.
Desta maneira, no processo do trabalho seria
possível sustentar-se, em um primeiro momento,
a opinião de que: a) poderia haver remição de bens
pelo cônjuge, ou descendente ou ascendente do de-
vedor ou pelo companheiro; b) essas pessoas não
poderiam requerer a adjudicação de bens.
Todavia, o bom senso alvitra que a leitura do art.
789-A, inciso I, da CLT, seja feita em conjunto com o
art. 876, § 5ºº, do CPC, por forma a concluir-se que,
no processo do trabalho: a) o devedor (ou alguém
por ele) poderá remir os bens penhorados (CLT,
art. 789, I); b) cabendo ao seu cônjuge, ascendente,
descendente ou companheiro (assim como os credo-
res com garantia real e os credores concorrentes que
houverem penhorado o mesmo bem) a faculdade de
adjudicar os bens.
Na lição de Pontes de Miranda, a remição da exe-
cução é a “cessação da ação de execução da sentença,
pelo pagamento, pela solução da dívida e conse-
quente liberação do devedor” (obra cit., p. 331), ao
passo que a remição de bens em execução representa
“a assinação do bem penhorado, ou dos bens pe-
nhorados, ao próprio executado, substituídos, na
penhora, pelo valor da soma correspondente ao va-
lor do bem ou dos bens” (ibidem), considerando-a,
no fundo, “sub-rogação voluntária do objeto da pe-
nhora, de modo que se libera o bem e não se libera o
devedor, satisfaz-se o juízo e não se solve a dívida”
(ibidem).
Na remição da execução ocorre, em regra, a ex-
tinção desse processo (CPC, art. 924, II), sendo que
na remição de bens penhorados a relação processual
executiva subsiste.
Procedimento na remição da execução
A Lei n. 5.584/70 não de niu o momento em que
esse direito deve ser exercido. É inevitável, em vir-
Art. 826. Antes de adjudicados ou alienados os bens, o executado pode, a todo tempo,
remir a execução, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida, acrescida
de juros, custas e honorários advocatícios.
Art. 826

Para continuar a ler

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