Das ações possessórias

AutorAntonio Sérgio Liporoni/Luiz Paulo Orelli Bernardi/Odair Martins Benite
Páginas43-127

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As ações possessórias são aquelas cuja causa de pedir, o mérito principal da ação, é a posse de uma determinada coisa, de certo objeto. É toda a ação real que objetiva a proteção da posse jurídica da coisa. Na área de atuação da perícia de engenharia é um imóvel, uma fração de terras. O possuidor, vendo-se moles-tado no seu exercício de posse ou no prazo para fazer valer esse direito, buscará socorro jurisdicional gerando, principalmente, as seguintes ações:

Ações de Reintegração de Posse

Ação de Manutenção de Posse

Interdito Proibitório

Ação de Usucapião

As três primeiras podem ser acompanhadas de pedidos liminares e cumuladas, ainda, com pedido de indenização por perdas e danos.

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2. 1 Ação de Reintegração de Posse

Esta ação, bem como a ação de manutenção de posse, são regidas pelos arts. 926 e ss. do ACPC, sendo o art. 927 enfático quanto: “Art. 927. Incumbe ao autor provar: I – a sua posse; II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, a perda da posse, na ação de reintegração”.

O Código Civil também estabelece as condições para essa ação através do art. 1.210: “Art. 1.210 – O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. Parágrafo primeiro: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse. Parágrafo segundo: Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”.

Na leitura das exigências parece fácil ao perito elaborar um laudo, bastando trazer subsídios ao Juiz sobre: a) quem estava na posse; b) quando esta foi turbada ou esbulhada; e c) por meio de quem houve a turbação ou o esbulho.

Na verdade, o objetivo da perícia é este mesmo, ou seja, trazer subsídios ao Juiz que o honrou com a incumbência.

É importante distinguir os termos jurídicos esbulho e turbação. O primeiro significa um ato de invasão consumado, a ocupação física, o segundo a ameaça, a moléstia à posse de outrem.

Quando é intentada uma reintegração de posse, o autor socorre-se do Poder Judiciário para ser reintegrado numa área de terreno que lhe foi retirada.

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Em muitas ocasiões, o autor da ação de reintegração de posse não instrui a exordial devidamente no aspecto técnico, inexistindo um “croqui” que possibilite a localização exata da área reintegranda, nem mensura a área questionada. Essa situação acarreta ao perito judicial uma grande dificuldade na elaboração do laudo, e na retratação da real área litigiosa.

O perito judicial deve suprir essa falha no seu laudo, com a análise do pedido inicial e confrontação dos títulos, se houver, com o local da ocorrência. Deve verificar se a invasão ocorreu na área total do Autor ou parcial, procedendo a um “croqui” ou uma planta, ou mesmo, localizando a área em questão numa planta pré-existente.

Deve, ainda, proceder à amarrações com distâncias a pontos existentes no local a partir de muros, postes com indicação de sua numeração, situar uma construção com a outra, indicando nesse croqui a posição do observador com numeração das fotos obtidas no local e a descrição de todas as construções, conforme desenho:

Isto porque um mandado de reintegração de posse expedido numa ação judicial é cumprido por oficiais de justiça, advogados

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da parte e do próprio Autor. Esses oficiais técnicos não conhecem engenharia para interpretar um mapa, de forma que todo subsídio que o perito trouxer em seu laudo será bastante útil para evitar que o mandado não atinja construções de pessoas que não figuraram no polo passivo da ação: uma sentença não pode alcançar, em seus efeitos, quem não foi citado ou não respondeu ao processo.

Na figura 2, segue um exemplo de uma área que foi desa- propriada pela Prefeitura para projetar-se um conjunto de mora- dias populares e acabou sendo invadida por cerca de 1.400 famílias com construções rústicas de madeira. O perito teve que numerar essas construções, identificar os ocupantes e fotografar as construções.

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As cercas dantes existentes foram derrubadas pelos inva-sores, e o perito teve de reprojetar essas divisas com apoio da planta do levantamento aerofotogramétrico que bem retratava essa cerca no local.

Na figura 3, o exemplo de uma ocupação em parte da área maior do Autor, em que identificamos a área ocupada dentro da área total e indicamos as benfeitorias existentes e suas idades. Pode-se observar que a ocupação iniciou-se com uma construção de madeira, expandindo-se depois, ao longo dos anos, com um anexo de alvenaria, uma garagem, poço, galinheiro, com entrada por uma rua de um loteamento implantado.

Muito importante nesses processos de reintegração de posse é o perito investigar a posse, principalmente se o Autor da ação

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realmente possuía, antes do esbulho, a posse física da área. Esse é o primeiro requisito para dar guarida à pretensão de reintegrar-se na área, lembrando sempre que, para se ver reintegrado na coisa, há necessidade de que tenha se integrado anteriormente, ou seja, para ser reintegrado o possuidor deve necessariamente ter a posse da coisa.

Este é o entendimento jurisprudencial firmado pelos nossos tribunais, como exemplo, o V. Acórdão: “AÇÃO POSSESSÓRIA

– Reintegração de posse – Pretensão fundada na alegação de domínio pelo dono da coisa – Inadmissibilidade, se a posse está sendo desfrutada por outro. Ementa Oficial: É certo que a ação de reintegração de posse tem lugar quando houver esbulho possessório. Seu fim específico é obter a recuperação da coisa e, portanto, pressupõe a perda da posse. Se não existir a prévia posse e o possuidor não for dela despojado, esbulho não haverá. A alegação de domínio não autoriza o dono da coisa, sob este fundamento, pretende a posse que esteja sendo desfrutada por outro, seja qual for a sua qualidade. A posse tutelável por meio de reintegração não depende de título ou causa. Portanto, não basta a comprovação de ter o autor havido a propriedade da coisa. O titular do direito real de propriedade pode lançar mão da ação de reintegração, desde que tenha sido vítima do esbulho, mas é necessário, no entanto, que estivesse, ao tempo de esbulho na posse efetiva da coisa. Caso contrário, poderá manejar a ação petitória ou a ação ex contractu conforme o caso. O ônus da prova da posse que é defendida pela ação de reintegração – e que tem por objeto situação de fato – é do autor, pois se trata de fato constitutivo do seu direito. Ap. 1998.04.01.022337-2-PR – 3ª T. – j. 25.05.2000 – rel. Juiz Paulo Afonso Brum Vaz – DJU 25.10.2000. Acórdão – Vistos e relatados estes autos, decide a E. 3ª T. TRF da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 25 de maio de 2000 – Paulo Afonso Brum Vaz, relator”.

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Na figura 4, um modelo de uma falha que não pode ocorrer num laudo pericial, no qual o proprietário do lote de terreno A.B.C.D., devido ao perfil em declive acentuado do terreno, fez um platô na figura A.E.F.D. e construiu seu sobrado, com uma mureta na divisa E.F., deixando de ocupar a parte de seu lote na figura E.B.C.F.

O vizinho, dono dos lotes 1 e 2, ao construir seu prédio de frente para a avenida, por engano na terraplanagem, construiu na divisa da mureta com um muro de arrimo com cerca de 10 (dez) metros de altura, muito bem dimensionado, engastando ainda a estrutura do prédio nesse muro.

O proprietário do lote a montante ingressou com uma ação de reintegração de posse. O perito, após fazer um dispensável

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levantamento topográfico, concluiu que a área da figura B.C.F.E., com superfície de 140,00 m² era realmente do Autor, segundo seu título e estava ocupada pelo Requerido que expandiu sua construção além dos limites de seu título.

A sentença julgou procedente a ação, para reintegrar o Autor na área que foi esbulhada pelo Requerido e transitou em julgado. O oficial de justiça, após comparecer ao local para cumprir o mandado expedido, questionou sobre o fato, devolvendo o mandado para o Juízo.

Notem que houve inabilidade do perito judicial que, equivocadamente, dirigiu seus trabalhos para o mérito do domínio, num processo possessório, sendo o bastante ele demonstrar que o Autor não possuía essa área anteriormente.

No local dos fatos, o perito judicial vai passar a analisar as alegações do autor, estudando ponto por ponto os fatos narrados na inicial.

Pode ter feito alegações no sentido de ter florestado a área com comércio de madeira de corte. Independente de ter juntado documentos a respeito, ou não, os cepos de madeira cortada ou as próprias árvores em crescimento vão dar uma ideia se foram introduzidas realmente pela mão do homem, se estiverem em linha, umas com as outras, espaçadas equidistantes, numa demonstração de que as covas para o seu plantio foram estudadas. Na mata natural não se encontra tal planejamento.

Além do que, não existirá variedade de madeira numa mesma área, eis que se foram plantadas ou replantadas, todas serão eucaliptos, pinheiros, cedro. Caso existam duas variedades ou mais, cada uma será...

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