Delimitação do objeto e premissas básicas

AutorRenata Cassia De Santana
Ocupação do AutorMestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012)
Páginas1-69
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∆ΕΛΙΜΙΤΑ∩℘Ο ∆Ο ΟΒϑΕΤΟ Ε ΠΡΕΜΙΣΣΑΣ
ΒℑΣΙΧΑΣ
Considerando a abertura semântica da expressão “inido-
neidade fiscal”, deixemos bem claro que a inidoneidade de que
iremos tratar é a do documento fiscal.
Mais especificamente, trataremos da nota fiscal, que tem
como objetivo documentar a incidência do ICMS e ao mesmo
tempo legitimar o exercício da não cumulatividade, desde que
os valores de suas operações e prestações tenham sido devida-
mente escriturados em seus livros fiscais de entradas, saídas
e de apuração do imposto.
Mas isso não significa que a incidência e o exercício da não
cumulatividade com todas as suas peculiaridades serão o centro
das nossas atenções. Nosso foco estará nas condições da idonei-
dade fiscal e nas repercussões de seu descumprimento (como a
cessação das atividades do emitente da nota fiscal e de quem com
ele negocia, o adquirente, ora considerado contribuinte do ICMS1,
1. Entendendo como contribuinte do ICMS aquele que faz circular a merca-
doria com intuito comercial (quem remete ou recebe com intuito comercial,
para depois remeter a outrem) ou que presta ou toma serviços também com
intuito comercial.
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RENATA CASSIA DE SANTANA
ora considerado responsável; o impedimento do exercício da
não cumulatividade; o estorno do crédito eventualmente
compensado; e a responsabilização de terceiros pelo imposto
não recolhido; quando não chegar ao ponto de os sócios do
contribuinte destinatário serem responsabilizados criminal-
mente por atos do emitente) e também nos possíveis vícios
do procedimento que leva à declaração de inidoneidade.
Delimitado o objeto, resta-nos o estabelecimento de al-
gumas premissas.
1.1 Linguagem e realidade
Até o século XX, por força da Filosofia da Consciência, a
verdade de uma sentença consistia na sua correspondência
com a realidade (relação sujeito-objeto).
De lá para cá, com a chamada Filosofia da Linguagem, a
verdade passou a depender da realidade construída linguisti-
camente, de acordo com a combinação sintaxe-sentido-uso dos
signos (relação signo-signo).
Essa mudança de paradigma, que teve como represen-
tantes LUDWIG WITTGENSTEIN, com os jogos de linguagem,
Ferdinand de Saussure, com a semiologia, e CHARLES SAN-
DERS PEIRCE, com a semiótica, foi providencial, pois, com a
globalização pós-guerra e o desenvolvimento tecnológico, as
distâncias geográficas e culturais encurtaram. Não havia mais
o predomínio desta ou daquela raça, desta ou daquela classe.
No Direito, porém, essas novas perspectivas devem ser
sopesadas, pois saímos do campo da intrasubjetividade, em
que tudo é possível, e entramos no da intersubjetividade, com
os seus limites construídos culturalmente.
Felizmente, no Brasil, seguindo uma linha lógica e cui-
dadosa da linguagem, condizente com as variações sociais,
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INIDONEIDADE FISCAL NO ÂMBITO DO ICMS
fomos agraciados com o Constructivismo Lógico-Semântico
do jurista LOURIVAL VILANOVA.
Ao aduzir que “Altera-se o mundo físico mediante o
trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E al-
tera-se o mundo social mediante a linguagem das normas,
uma classe da qual é a linguagem nas normas do Direito”2,
o mestre pernambucano tinha certeza da importância da
linguagem e de seu potencial criativo, não tendo sentido o
atendimento do aspecto sintático da linguagem sem o aten-
dimento dos seus aspectos semântico e pragmático ou o
atendimento do aspecto semântico desapegado dos aspectos
sintático e pragmático.
Isso fez com que VILANOVA considerasse que o mundo
construído pela linguagem, especialmente o do Direito, não
poderia furtar-se da realidade do mundo físico (“Se for fac-
tualmente necessário, ou factualmente impossível uma con-
duta ou um fato, resultará num sem sentido estatuir proposi-
ção normativa contraposta ao curso natural das coisas”)3, le-
vando-nos a concluir que sua tese acerca da linguagem em
seus aspectos sintático, semântico e pragmático e seu conhe-
cimento sobre o Direito oferecem hoje o método mais seguro
de interpretação.
Adotada, portanto, a teoria do Constructivismo Lógi-
co-Semântico como premissa de linguagem e interpretação,
conjugada com o método dedutivo, que vai do genérico para
o particular, propiciando o corte necessário para criação
de determinada realidade (axioma), e objetivando emitir
proposições científicas sobre a inidoneidade fiscal no âm-
bito do ICMS, partiremos para o estudo dos sistemas e suas
realidades.
2. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4. ed. São Paulo: No-
eses, 2010, p. 4.
3. Ibid., p. 56.

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