Desencastelando a arbitragem: a arbitragem expedita e o acesso à justiça multiportas

AutorFlávia Pereira Hill
Páginas169-200
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DESENCASTELANDO A ARBITRAGEM:
A ARBITRAGEM EXPEDITA E O ACESSO À JUSTIÇA
MULTIPORTAS1
Flávia P ereira Hill2
O povo não existe por causa do rei, mas o rei existe
por ca usa do povo
(John Milton)
Resumo: O artigo propõe-se a analisar uma nova vertente da arbitragem:
a arbitragem expedita. Embora a arbitragem, no Brasil, seja considerada
um método de solução de conflitos bem-sucedido, verifica-se que, dadas
as especificidades de um país com dimensões continentais como o nosso,
que congrega disparidades sociais e econômicas em suas diferentes
regiões, a efetiva garantia do acesso à justiça ao jurisdicionado brasileiro
depende de que seja explorado todo o sistema de justiça, em suas mais
diversas funcionalidades. Sendo assim, ao lado da arbitragem tradicional,
que sói lidar com contratos comerciais internacionais de valores
extremamente elevados, há um contingente de ações judiciais que
guardam especificidades jurídicas e envolvem valores expressivos,
embora comparativamente menos elevados, fazendo emergir a arbitragem
expedita, instituto ainda pouco explorado em nosso país, como método
adequado para sua solução, o que será examinado no presente trabalho.
1 Versão revista e atualizada do artigo publicado na coletânea: MAIA, Benigna Araújo
Teixeira. BORGES, Fernanda Gomes e Souza. HILL, Flávia Pereira. RIBEIRO, Flávia
Pereira. PEIXOTO, Renata Cortez Vieira (Orgs). Acesso à justiça: um novo olhar a partir
do Código de Processo Civil de 2015. Londrina: Thoth. 2021. pp. 165-191.
2 Doutora e Mestre em Direito pela UERJ. Professora Associada de Direito Processual da
UERJ. Subchefe do Departamento de Direito Processual da UERJ. Diretora de
Publicações e Relações Institucionais da Associação Brasileira Elas no Processo.
Redatora-Chefe da Revista Eletrônica de Direito Processual. Vice Secretária-Geral do
Instituto Brasileiro de Direito Processual. Pesqu isadora visitante da Università degli Studi
di Torino, Itália. Delegatária de serventia extrajudicial. E-mail:
flaviapereira hill@gmail.com
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Palavras-chave: Arbitragem expedita; acesso à justiça; Justiça
Multiportas.
1. O Sucesso da Arbitragem no Brasil e a sua Justa Valorização
no CPC/2015
A arbitragem é um exemplo bem sucedido de método adequado
de resolução de conflitos no Brasil3. Enfrentou bravamente a tradição de
centralidade do Poder Judiciário na década de 1990, quando a Lei Federal
9.307/1996 foi editada, deparou-se com inicial resistência do
Judiciário4, mas logrou se consolidar, tendo, por isso, o inegável mérito
de desbravar o terreno para a expansão da desjudicialização nas décadas
seguintes.
Prova desse sucesso reside no fato de que o Brasil é o terceiro
país com maior volume de arbitragens na Câmara de Comércio
Internacional - CCI, com sede em Paris, o que a levou a criar um
escritório de representação em nosso país5.
Embora a arbitragem tenha origens remotas, dela se tendo notícia
desde o Egito Antigo em 2.300 a.C6, e, mais especificamente, no Brasil,
tenha sido prevista nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas e
na Constituição Imperial de 1824 (artigo 160)7, fato é que o nascedouro
3 “Vê-se a trajetória da arbitragem no Brasil como um caso de estrondoso sucesso. De um
instituto praticamente em desuso antes da lei de 1996, passou hoje a ser o meio
preferencial de solução de conflitos contratuais complexos”. MUNIZ, Joaquim de Paiva.
“Guia politicamente incorreto da arb itragem brasileira: visão crítica de vinte anos de
sucesso”. Revista de Arbitra gem e Mediação. vol. 50/2016. p. 213 227. Jul - Set / 2016.
4 “Repudia-se a facilidade na aceitação dos argumentos da parte que vem à Justiça
impugnar uma sentença arbitral, sem a p reocupação por um equilíbr io entre o estatal e o
convencional e sem valorizar a vontade das partes como fonte da decisão que depois uma
delas veio a repudiar. A prevalecer essa facilidade para a invalidação de sentenças
arbitrais, poder-se-ia perguntar, como perguntou um juiz da Corte d´Ap pello de Gênova:
‘mas por que as p artes recorrem à arbitragem, se sempre voltam a nós?’” DINAMARCO,
Cândido Rangel. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 47.
5 CARMONA, Carlos Alberto. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Live rea lizada em
18/06/2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zHR7YkeWBuY
Consulta realizada em 15/01/2021.
6 FICHTNER, José Antonio. MANNHEIMER, Sergio Nelson. MONTEIRO, André Luís.
Teoria Gera l da Arbitragem. Rio de Janeiro: Gen Forense. 2019. P. 21.
7 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. MAZZOLA, Marcelo. Manual de Mediação e
Arbitragem. São Paulo: Saraiva. 2019. P. 244.
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da moderna arbitragem se deu a partir da necessidade de grandes
conglomerados econômicos, as chamadas multinacionais, conseguirem
solucionar com maior rapidez e efetividade os litígios transnacionais
decorrentes de suas atividades, desvencilhando-se dos naturais entraves
formais e burocráticos decorrentes da jurisdição estatal. Além disso, a
publicidade ínsita à jurisdição estatal em grande parte dos ordenamentos
nacionais e a ausência de conhecimento técnico específico dos juízes
togados em relação às matérias contidas em contratos internacionais
também emergiam como óbices relevantes em desfavor da jurisdição
estatal nesses casos.
Assim, os grandes conglomerados econômicos passaram a se
organizar de modo a escolher juízes privados, os árbitros, que seriam
particulares especialistas no tema a ser julgado e que gozariam da
confiança dos litigantes. A arbitragem atendeu às expectativas das partes
e paulatinamente foi sendo prevista, em sua feição moderna, nos
ordenamentos nacionais.
No entanto, a experiência bem sucedida do emprego da
arbitragem na solução de conflitos envolvendo contratos internacionais e
controvérsias com conteúdo econômico no patamar de dezenas de
milhões de reais não esgota, a nosso ver, todas as potencialidades desse
eficiente método de resolução de conflitos.
Reconhecemos que a arbitragem consiste em método mais
adequado para a solução de conflitos que envolvam, de um lado,
especificidades técnicas e, de outro, conteúdo econômico expressivo. No
entanto, estamos certos de que, em um país complexo e de dimensões
continentais como o nosso, há um contingente significativo de litígios que
poderiam e deveriam ter na arbitragem uma opção real de método de
resolução.
Conflitos envolvendo franquias, locação em shopping center,
agronegócio e tantas outras matérias poderiam ser solucionados, com
maestria, pela arbitragem.
O Código de Processo Civil de 2015, por seu turno, vem ao
encontro da noção de Justiça Multiportas, ratificando a necessidade de
que, nos dias atuais, sejam oferecidos ao jurisdicionado diferentes
métodos de resolução de conflitos que atendam às ltiplas
especificidades dos litígios que eclodem na sociedade contemporânea.

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