Forum non conveniens e o controle da competência adequada no processo civil brasileiro

AutorAntonio do Passo Cabral
Páginas51-83
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FORUM NON CONVENIENS E O CONTROLE DA
COMPETÊNCIA ADEQUADA NO PROCESSO CIVIL
BRASILEIRO
Antonio do Passo Ca bral1
1. Competência Adequada. De Quem Decide” para “Quem
Decide Melhor”: O Juiz Natural como o Juízo Mais
Adequado
Tradicionalmente, na doutrina e na jurisprudência, a competência
era definida levando em conta exclusivamente as regras previstas na lei.2
Todavia, o núcleo essencial do juiz natural permite uma conjugação entre
garantias e eficiência. De fato, o princípio do juiz natural não é
incompatível com considerações de eficiência, como tentamos
demonstrar em outro estudo, e o sistema de competências pode ser
orientado por princípios. Sendo assim, o juízo sobre a competência não
deve ser puramente definido num exame de legalidade estrita.3
Se a tutela jurisdicional deve ser prestada de maneira ótima, por
meio decnicas processuais apropriadas para cada caso, as partes têm
1 Professor Associado de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Livre-Docente pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Direito
Processual pela UERJ, em cooperação com a Universidade de Munique, Alemanha
(Ludwig-Maximilians-Universität). Mestre em Direito Público pela UERJ. Pós-doutorado
na Universidade de Paris I (Sorbonne). Professor Visitante nas Universidades de Kiel e
Passau (Alemanha), e na Universid ade Ritsumeikan, Quioto (Japão). Senior Lecturer na
Peking University, Pequim (China). Membro da Associação Internacional de Direito
Processual, do Instituto Iberoamericano de Direito Processual, do In stituto Brasileiro de
Direito Processual, da Associação d e Juristas Brasil-Alemanha (Deutsch-Bra silianische
Juristenvereinigung) e da Wissenschaftliche Vereinigung für Internationales
Verfahrensrecht. Procurador da República no Rio de Janeiro.
2 Sobre a competência no CPC/2015, MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio
Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: RT, vol.2, 2015, p.56.
3 CABRAL, Antonio do Passo. Juiz na tural e eficiência processual: flexibilização,
delegação e coordenação de competências no processo civil. Universidade do Estado do
Rio de Janeiro: Tese apresentada como requisito para Concurso Público de Professor
Titular de Direito Processual Civil, 2017, passim.
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direito a que seu litígio, uma vez judicializado, seja decidido pelo juízo
mais adequado dentre aqueles com competência para tanto.4 E essa
análise deve ser extraída de circunstâncias concretas que devem ser
sopesadas pelo juiz.5
Nesse cenário, o princípio do juiz natural não se limita à
abstração “fria” da lei, mas incorpora alguma medida de eficiência na
alocação de competências.6 O juiz natural passa a ser o juiz que pode
decidir melhor.
Essa orientação do sistema de competências para a eficiência e
adequação foi empreendida, de forma pioneira no Brasil, por Fredie
Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. a partir do que denominaram “princípio da
competência adequada”.7
Trata-se de conceber a competência de maneira mais flexível e
adaptável, podendo o juiz exercer um controle sobre a adequação do
ajuizamento da demanda em um ou outro foro, e declinar da competência
quando considerar que a opção do autor por aquele específico juízo
consistir em um abuso de direito processual ou violação à boa-fé
processual.8
4 CALLIESS, Gralf-Peter. Der Richter im Zivilprozess: Sind ZPO und GV G noch
zeitgemä? in Verhandlungen des 70. Deutschen Jur istentages. München: C.H.Beck,
2014, vol.I, p.A-96.
5 Note-se que a adequação remete ao caso, e de alguma forma contradiz a “pré-
constituição”, classicamente referida como uma característica do juiz natural. Sobre o
tema, DIEZ-PICAZO GIMENEZ, Ignacio. El derecho fundamental al juez
predeterminado por la ley. Revista Española de Derecho Constitucional, ano 11, n. 31,
jan-abr, 1991, p.86.
6 Segundo José Vicente Mendonça, a adequação é uma das dimensões da eficiência, mas
não a esgota. MENDONÇA, José Vicente Santos de. O princípio da eficiência
administrativa: conteúdo jurídico, aplicabilidade e ponderação. in Sétimo Concurso Casos
e Textos Sobre Administração P ública. Fundação Escola de Serviço Público do Estado do
Rio de Janeiro, 2001, p.102.
7 DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de dir eito processual civil. Salvador:
Jus Podivm, vol.4, 9 a ed., 2014, p.105 ss; DIDIER JR., Fredie. Curso de Dir eito
Processua l Civil. Salvador: Jus Podivm, vol.1, 18a ed., 2016, p.208. Embora em outra
perspectiva, e sem a abrangência e técnica aqui desenvolvidas, Dinamarco já ensaiava a
ideia da aplicação do sistema de competência em graus, a partir da premissa de que as
competências devem-se aplicar num juízo de “adequação legítima entre o órgão e a
atividade jurisdicional a desenvolver”. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de
Direito Pr ocessual Civil. São Paulo: Malheiros, vol. I, 8a ed., 2016, p.596, 637-638.
8 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processua l Civil. Salvador: Jus Podivm, vol.1,
18a ed., 2016, p.207-209.
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A doutrina tem cada vez mais apoiado a ideia de competência
adequada, na tentativa de conciliar garantias e eficiência no processo
jurisdicional.9 E aqui também aderimos a essa análise de adequação da
competência, porque a reputamos compatível com o núcleo essencial do
juiz natural, que deve incorporar também juízos de eficiência e
adequação.10
2. Controle da Competência Adequada e Indeclinabilidade da
Tutela Jurisdicional
Pois bem, se o juiz pode controlar a adequação da competência,
poderia declinar da competência ao fundamento de haver outro órgão que
poderia decidir melhor.
Essa perspectiva é contrária à tradição romano-germânica pela
qual o juiz não pode recusar sua competência porque outro juízo seria
mais adequado, sob pena de estar promovendo uma negativa de
jurisdição.11Assim, admitir o princípio de competência adequada poderia
trazer à tona algum questionamento em torno da indeclinabilidade dos
poderes jurisdicionais. Como se sabe, a literatura clássica afirma que a
jurisdição é indeclinável: o juiz, sendo competente para decidir o caso,
não pode recusar-se a julgar. Veda-se o non liquet, decisão pela qual o
juiz poderia extinguir o processo sem resolver os pedidos formulados
(art.140 do CPC). A pergunta que se coloca é: o declínio da competência
para outro juízo, ao fundamento de tratar-se de juízo mais adequado,
significa uma negativa de prestar jurisdição? Pensamos que não.
9 BRAGA, Paula Sarno. Competência a dequada. Revista de Processo, ano 38, vol.219,
mai., 2013, p.16-17; CARVALHO, Fabiano. O p rincípio da eficiência n o processo
coletivo: Constituição, microssistema do processo coletivo e o novo Código de Processo
Civil. in MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública após 30 anos. São Paulo: RT, 2015,
p.279.
10 O exame da competência adequada deve incorporar também o teste das capacidades
institucionais. O tema n ão caberia neste texto, e portanto remetemos o leitor a outro
trabalho onde exploramos o assunto mais detidamente. Cf. CABRAL, Antonio do Passo.
Juiz natura l e eficiência processua l: flex ibilização, delegação e coordenação de
competências no processo civil. Universidade d o Estado do Rio de Janeiro: Te se
apresentada como requisito para Concurso Público de Professor Titular de Direito
Processual Civil, 2017, cap.5.
11 PEIFFER, Evgenia. Schutz gegen Klagen im forum derogatum. Tübingen: Mohr
Siebeck, 2013, p.69.

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