Desenvolvimento histórico da responsabilidade civil pré-contratual

AutorRegis Fichtner
Páginas103-139
103
CAPÍTULO VII
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA
RESPONSABILIDADE CIVIL P-CONTRATUAL
VII.1 O surgimento e o desenvolvimento da doutrina da culpa
in contrahendo na Alemanha
O reconhecimento da existência de uma responsabilidade
pré-contratual no direito romano se dava apenas em hipóteses
bastante limitadas. A responsabilização decorrente de negociações
contratuais, como descreve BENATTI, somente se verificava nas
hipóteses de impossibilidade originária da prestação e de conduta
dolosa ou culposa que resultasse na ocultação de defeitos da coisa
ou no exagero das suas qualidades134.
Conforme demonstra BENATTI, no período romano clássico
somente o dolus in contrahendo era punido, mediante a actio doli,
tendo sido admitidas isoladamente hipóteses de concessão, nos
judicia bonae fidei, da actio ex contractu, a quem tivesse sofrido
danos em razão de conduta desleal nas negociações. no período
de JUSTINIANO houve maior utilização de sanção para o
comportamento incorreto na fase das negociações ou da estipulação
do contrato nulo, através da actio ex contractu135.
vendedor conhece a impossibilidade, retra cta-se injustificadamente ou ilude o
promitente-comprador informando-o de que houve apr ovação do loteamento,
que não é necessário formalismo especia l, que o bem lhe pertence ou que o seu
cônjuge outor gará no contra to definitivo), embora a dificuldade da respo sta se
faça sentir nas a ludidas hipóteses concursa is. O conflito que a qui se estabelece,
haja ou não nulidade ou anulação, é entre a indemnização p elo chamado “dano
da confiança” e a indemnização abstra cta constante do sina l ou da cláusula
penal, tanto mais que podemos depa rar mesmo com um concurso a parente de
fundamentos (responsabilida de pré-contratua l e contratual).”
134 “Francesco Benatti, A responsabilidade...”, ob. cit., pág. 12.
135 Francesco Benatti, “A responsabilidade...”, ob. cit., págs. 9/11.
104
Assim prosseguiu no direito comum e até meados do século
XIX, quando a responsabilidade da parte que ocasionava a
invalidade do contrato somente ocorria em casos de erro e dolo136.
A teoria da responsabilidade civil pré-contratual foi pela
primeira vez sistematizada doutrinariamente, sob a denominação de
culpa in contrahendo, em artigo publicado por RUDOLPH VON
JHERING no ano de 1861, intitulado “Culpa in Contrahendo oder
Schadensersatz bei nichtigen oder nicht zur Perfektion gelangten
Verträgen”137.
VON JHERING começa seu artigo advertindo o leitor de que
o seu texto trata de tema absolutamente novo (völlig neues
Thema) 138 , motivo por que se desculpa pelo fato de não tratar
diretamente dos resultados da sua pesquisa, mas sim demonstrar
passo a passo o caminho que o levou às conclusões a que chegou.
VON JHERING inicia a sua narrativa confessando que vinha
sendo atormentado anos com uma questão que freqüentemente
lhe surgia por ocasião das aulas que ministrava, para a qual não
encontrava resposta satisfatória, qual seja: se a parte que
culposamente errou na formação do contrato deveria responder pelos
danos que causou à parte contrária.
VON JHERING apresenta, então, exemplo, descrevendo
situação em que houve erro no símbolo de medida para uma
mercadoria encomendada; ao invés de se falar em 100 libras (Pfund),
se falou em 100 centenas de unidades (Centner). Conclui o autor
alemão não haver dúvida de que o contrato era inválido, partindo da
premissa de que incorreu uma das partes efetivamente em erro.
Questiona, porém, quem deveria suportar os custos de remessa das
136 Cf. Francesco Benatti, A responsabilid ade...”, ob. cit., pág. 12. Mario Julio de
Almeida Costa, Responsabilidade civil...”, ob. cit., págs. 33/34.
137 Jahrbücher für die Dogmatik des heutigen römischen und deutschen
Privatrechts, herausgegeben von Gerber und Jehring , Vierter Band, Jena, 1861,
págs. 1/112.
138 Culpa in Contr ahendo”, Verlag Gehlen, ob. cit., pág. 7.
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mercadorias em excesso. Pergunta VON JHERING: Responde a
parte culposa pela indenização dos prejuízos causados à outra parte?
VON JHERING consultou a literatura jurídica da época e não
encontrou qualquer resposta para a questão. Afirma ele em seu artigo
que somente quatro autores haviam tangenciado esse problema. Dois
deles VON SAVIGNY 139 e WÄCHTER 140 negam a
possibilidade de existência do dever de indenizar, sob o fundamento
de que não há lugar para a responsabilidade contratual, por não ter o
contrato sido validamente formado; nem tampouco lugar para a
responsabilidade aquiliana, por não se tratar de hipótese de
responsabilidade extracontratual.
VON JHERING critica a injustiça da solução preconizada
por VON SAVIGNY e WÄCHTER, crítica esta que, segundo ele,
não necessita de maior fundamentação, podendo ser demonstrada
pelo simples sentimento (Gefühl), pois à parte culposa, que
encomendou de forma errada as mercadorias, não se imputa qualquer
responsabilidade, ao passo que a parte que não concorreu com
qualquer grau de culpa para o evento danoso fica obrigada a suportar
as suas conseqüências econômicas.
VON JHERING afirma, então, que se os princípios do
Direito Romano levam a tal resultado, se pode afirmar que se está
diante de uma lacuna.
Os dois outros juristas que trataram da questão em momento
anterior a VON JHERING admitem a responsabilização da parte
culposa. O primeiro, SCHWEPPE141 , VON JHERING critica por
chegar a tal conclusão simplesmente em razão de um sentimento de
justiça, que não traz qualquer outro fundamento, senão o de que
quando uma parte, por culpa ou dolo, causa a nulidade no contrato,
deve indenizar a outra, que não deu causa a tal nulidade, por ser essa
solução a que atende aos princípios gerais (allgemeine Grundsätze).
139 A obra de Savigny citada por Jhering é o System”, III, pág. 295, nota “a”
140 A obra de Wächter citada por Jhering é Würtembergisches P rivatrecht”, II,
pág. 749.
141 A obra de Scweppe citada por Jhering é Das römische Privatrech t”, III, § 418.

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