A responsabilidade pré-contratual no direito positivo estrangeiro e brasileiro

AutorRegis Fichtner
Páginas141-186
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CAPÍTULO VIII
A RESPONSABILIDADE P-CONTRATUAL NO
DIREITO POSITIVO ESTRANGEIRO E BRASILEIRO
A tese da responsabilidade por culpa in contrahendo, de
VON JHERING, publicada em 1865, exerceu influência nos
legisladores dos principais Códigos Civis surgidos em momento
posterior à sua publicação.
O Código alemão, promulgado em 1896 e vigente a partir de
1900, tratou da responsabilidade in contrahendo, como se verá a
seguir, na extensão e nos limites traçados por VON JHERING, no
que foi seguido pelos Códigos Civil e das Obrigações suíços, ou seja,
no âmbito da responsabilização da parte, quando tenha sido
constituído contrato nulo, ou através de hipóteses específicas de
responsabilização, quando tenha sido constituído contrato válido,
mas tenham surgido danos para uma das partes, em virtude de ato ou
omissão culposa da parte contrária.
Somente na chamada “codificação tardia”, ou seja, nos
Códigos promulgados a partir da década de quarenta do século XX,
é que surgiu o tratamento da responsabilidade pré-contratual como
regra geral, não limitado a hipóteses especificadas na lei, como
ocorreu com os Códigos grego (1940), italiano (1942) e português
(1965).
Os Códigos brasileiro de 1916 e argentino não trataram
expressamente da responsabilidade civil pré-contratual, apesar de
esse tipo de responsabilidade ser reconhecida na época pela doutrina
e jurisprudência em ambos os sistemas jurídicos270.
270 Sobre ser reconhecida na Argentina a responsabilidade pré-contratual, v. a
seguinte passagem de Stiglitz, “Responsabilidad precontractual”, ob. cit., pág. 9:
No se nos oculta que el dogma de la autonomía de la voluntad, a tra vés de la
libertad contra ctual, aparece propicia ndo, como derecho inalienable, que las
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Para que se possa melhor entender a evolução do tema da
responsabilidade civil pré-contratual no direito positivo, faz-se
necessário o exame das disposições dos principais Códigos que
dispuseram sobre a matéria.
VIII.1 Alemanha
O artigo em que VON JHERING publicou pela primeira vez
a sua “descoberta” da responsabilidade por culpa in contrahendo,
não teve força suficiente para que no Código Civil alemão fosse
incluída uma regra geral disciplinando essa modalidade de
responsabilidade civil.
Não obstante, o trabalho de JHERING exerceu influência
sobre a Comissão encarregada de elaborar o Anteprojeto do BGB,
em especial sobre WINDSCHEID, o que ocasionou a inclusão nesse
Anteprojeto, e posteriormente no Código Civil aprovado, de regras
disciplinadoras de hipóteses específicas de culpa in contrahendo.
A doutrina alemã reconhece quatro hipóteses diferentes de
aplicação da teoria da culpa in contrahendo, a saber: a) cometimento
de danos à pessoa ou à propriedade do contraente durante a fase das
negociações contratuais; b) cometimento de danos ao contraente por
interrupção injustificada das negociações contratuais; c)
cometimento de danos pela constituição de contrato nulo ou
anulável; d) cometimento de danos à outra parte, que venha a ser
prejudicada em contrato válido, por culpa do agente durante a fase
das negociações.
Dessas hipóteses, somente as duas últimas encontram algum
tipo de previsão legal expressa no Código Civil, ou seja, quando
partes no se hallen vinculadas por los sondeos preliminares. Sin embargo, el vacío
legilslativo que sobr e la cuestión exhibe nuestr o país, no sido óbice para que
un inteligente esfuerzo doctrinal y jurispr udencial, y ultimamente, en la frustra da
(por veto tota l) ley de unificacióncivil y comercia l, concluya en la justicia que
implica el reconocimiento de un derech o a la repa ración del da ño causado, par a
situaciones puntua les, que iremos desenvolviendo.”
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tenha sido estipulado o contrato inválido (§§ 122, 179), ou quando
uma parte tenha sido prejudicada pela outra, no âmbito do contrato,
por informações prestadas durante a fase das negociações (§§ 443;
463, 2; 523, 1; 524,2; 546; 600; 637 e 694).
As demais hipóteses, referidas nas letras “a” e “b” supra, de
cometimento de danos à pessoa ou ao patrimônio da outra parte
durante a fase das negociações, e de danos causados pelo
rompimento injustificado das negociações contratuais, não
encontram embasamento expresso em qualquer regra do Código
Civil alemão, sendo, porém, reconhecidas em razão de construção
doutrinária e jurisprudencial, a partir da constatação da existência de
deveres jurídicos para as partes durante a fase das negociações para
o estabelecimento da relação contratual, com fundamento em
interpretação do § 242 BGB271, que possui a seguinte redação, em
tradução livre:
“§ 242 (prestaçã o de boa-fé) O devedor é
obrigado a realizar a prestaçã o de boa-fé,
atendendo às exigências dos costumes.272
-se, assim, que diante da inexistência de cláusula geral
disciplinadora da responsabilidade civil in contrahendo no Código
Civil, situação que não sofreu modificação na reforma do Direito das
Obrigações de 01 de janeiro de 2002, a doutrina e a jurisprudência
alemãs, na falta de regras específicas para algumas da suas hipóteses
de incidência, fundamentam esse tipo de responsabilidade em
interpretação do § 242 BGB, no sentido de atribuir a essa regra a
natureza de cláusula geral do princípio da boa-fé.
A aplicação da regra geral da boa- se dá, contudo, quando
não exista regra expressa que consagre alguma das hipóteses de
271 Cf. Larenz, Lehrbuch des Schuldrechts I”, ob. cit., pág. 106.
272 Ҥ 242 (Leistung nach Treu und Glauben) Der Schuldner ist verpflichtet, die
Leistung so zu bewirken, wie True und Glauben mit Rücksicht auf die
Verkehrssitte es erfordern.”

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