Desestatização da infraestrutura federal de transportes e financiamento público: alguns pontos de discussão

AutorDanilo Tavares da Silva
Páginas241-276
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DESESTATIZAÇÃO DA
INFRAESTRUTURA FEDERAL DE
TRANSPORTES E FINANCIAMENTO
PÚBLICO: ALGUNS PONTOS
DE DISCUSSÃO
DANILO TAVARES DA SILVA
1. INTRODUÇÃO
A regulação dos transportes, a exemplo do que ocorre com qual-
quer setor de infraestrutura objeto de delegação, lida com um dilema
alocativo fundamental: privilegiar a remuneração do prestador ou garan-
tir um serviço ao menor custo possível ao usuário? Esta questão se co-
loca porque a atividade de transporte (como as demais de infraestrutura)
é um custo das demais atividades econômicas. Logo, quanto menor o
preço do serviço, maior será o benefício para os outros setores da eco-
nomia. Contudo, quanto menor a remuneração do operador é presumi-
damente menor a capacidade de realização dos investimentos necessários
à manutenção e expansão da malha, principalmente quando o operador
do serviço é também responsável pela infraestrutura (caso do setor fer-
roviário). E a expansão da rede de transportes é indutora de crescimento
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econômico – seja porque instaura a atividade econômica onde ela seria
inviável, seja porque pode reduzir seus custos em razão da instalação de
um modal de transporte mais eficiente.
Lidar com o problema de propiciar serviço de qualidade a um
preço acessível bem como incentivar o desenvolvimento das atividades
de transporte não é tarefa simples e envolve muitas escolhas por parte
do poder público na estruturação de um modelo de prestação de servi-
ços, para além da decisão sobre maior ou menor remuneração. Quanto
mais robustas forem as obrigações conferidas ao prestador (ex: maior
for a frequência das viagens, o numero de itinerários, o conforto dos
veículos, ou menor a idade média destes, mais elevada terá de ser a
remuneração), maiores serão os seus custos. O regulador tem que ava-
liar, ainda, em que medida a concorrência (quando viável) é salutar ou
não. Existem diversas possibilidades de gradação de controle e liber-
dade aos agentes regulados. Um exemplo de dilema em política de
transportes: conferir exclusividade na exploração de uma linha de
transporte ferroviário (e atribuir ao monopolista, estatal ou privado,
obrigações de universalização do serviço e da infraestrutura corres-
pondentes à elevada renda que ele tende a auferir) ou permitir ampla
e aberta competição entre diversos operadores (apostando que a con-
corrência cuidará de garantir qualidade do serviço e captação de
clientela decorrente da diminuição do preço)?
Questões a respeito do montante de obrigações (ou seja, custos)
e direitos remuneratórios dos operadores de bens e serviços de transpor-
te são caracteristicamente decisões regulatórias setoriais, típicas do papel
de poder concedente, seja ele exercido diretamente pela União ou por
intermédio de uma agência reguladora. Basta analisar leis setoriais, regu-
lamentos administrativos e termos de outorga (concessão, permissão ou
autorização) para que se perceba, em linhas gerais, o que incumbe de
deveres e direitos a cada empresa regulada.
Mas, no Brasil, todas essas decisões regulatórias setoriais são con-
formadas por uma decisão prévia do poder público a respeito do finan-
ciamento das atividades que ele delega à iniciativa privada. As decisões
sobre (i) as condições de financiamento do BNDES disponível para o
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vencedor de uma licitação de infraestrutura; (ii) a eventual presença de
uma empresa estatal como sócia da empresa delegatária e/ou (iii) o a
participação do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tem-
po de Serviço (FI–FGTS) e/ou dos fundos de pensão das empresas es-
tatais como sócios ou investidores da empresa delegada – todas essas
decisões podem ser tão ou mais importantes do que todo o conjunto
normativo aplicável ao bem ou serviço delegado. Isto porque, caso haja
capital estatal abundante e de baixo custo, tem-se um aumento da atra-
tividade do negócio ou maior capacidade do privado de assumir mais
obrigações ou de exigir menor remuneração.
Ou seja, o mesmo Estado que decide pela delegação do bem ou
serviço acaba por ter de financiar a atividade do privado. A finalidade
deste artigo é explicar, sinteticamente, como o processo de desestati-
zação dos transportes federais (a exemplo do ocorrido em outros se-
tores de infraestrutura) foi acompanhado de uma política de financia-
mento público.
2. AS ATIVIDADES FEDERAIS DE TRANSPORTE
Podemos considerar como infraestrutura federal de transportes
tanto os ativos físicos (portos, aeroportos, hidrovias, ferrovias, bem como
as estradas de rodagem incluídas no Plano Nacional de Viação como de
titularidade federal) como as atividades qualificadas como serviços pú-
blicos que se valem desses ativos para serem desempenhadas (transporte
interestadual nos modais ferroviário, rodoviário e aquaviário, o transpor-
te aéreo e as respectivas instalações vinculadas a tais serviços) 1. Em re-
lação a tais bens e serviços, a União pode explorá-los diretamente, dele-
ga-los a entidades públicas (mediante transferência a Estados, Municípios
1Art. 21. da CF/88: “Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão: c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura
aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros
e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os
serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos
marítimos, fluviais e lacustres”.

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