A desproteção à maternidade e a possibilidade de trabalho insalubre pela gestante e lactante: a monetização da saúde do nascituro

AutorCristiane de Mattos Carreira
Páginas25-32

Page 25

Cristiane de Mattos Carreira1

Introdução

Nos últimos meses, é tema recorrente na mídia a reforma trabalhista. Alguns a veneram como se ela fosse a solução para o problema de desemprego no país. Falam que as relações de trabalho precisam ser modernizadas e que a reforma é fundamental para essa modernização. Outros, a tratam como se fosse o fim da proteção social existente no país sobre a classe trabalhadora.

Diante desse caloroso debate, o presente artigo visa analisar as alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017 – Reforma Trabalhista na CLT, especificamente no que tange ao trabalho da gestante/lactante. Não se pretende esgotar o tema, mas tão somente contribuir com uma singela opinião sobre um assunto que afeta diretamente a saúde das novas gerações.

Do trabalho da mulher

Do ponto de vista histórico, houve uma alternância entre a participação ou não da mulher no mercado de trabalho. Segundo Arnaldo Süssekind, no Egito existia, em tese, uma relativa igualdade entre homens e mulheres, pois, embora auxiliasse o homem no campo, podia exercer o comércio, ser proprietária de indústria, bem como podia exercer a medicina. Todavia, isso não ocorria na Grécia, onde às mulheres competia o exercício de trabalhos domésticos2.

Alice Monteiro de Barros3 ressalta que durante os Séculos X ao XVI havia muitas profissões comuns a ambos os sexos, podendo-se afirmar que nessa época existiam mulheres exercendo as funções de médicas, professoras, escrivãs, não havendo grande discrepância entre os salários recebidos por ela.

Entretanto, como bem observa a referida autora, durante o Renascimento as mulheres perderam, gradativamente, várias atividades que lhe pertenciam. Com o advento da Revolução Industrial, o trabalho da mulher foi novamente solicitado, vez que o custo da sua mão de obra era menor.

No Brasil, o projeto do Código de Trabalho de 1917 garantia o trabalho da mulher sem autorização do marido, o que foi muito criticado na época. Por sua vez, o Decreto n. 21.417 de 17.05.1932 trouxe medidas de proteção à mulher, dentre as quais pode-se destacar a proibição de realização de trabalho noturno, insalubre e perigoso. Na sequência, em 1934, houve a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários que, dentre outros benefícios, previu o salário-maternidade4.

A criação do salário-maternidade foi importante, na medida em que não há como se pensar na proteção do trabalho da mulher, sem garantir um mecanismo de proteção social na hipótese dela dar a luz, mecanismo esse que deve simultaneamente garantir o salário da mulher durante um determinado período, sem, contudo, onerar o empregador, evitando-se, por consequência, a discriminação do trabalho da mulher.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, trouxe o princípio da isonomia entre homens e mulheres e, por consequência, não havia mais motivo para proibir o exercício de trabalhos insalubres, perigosos ou noturno pelas mulheres.

Percebe-se, dessa forma, que o tema participação da mulher no mercado de trabalho sempre esteve presente na história, sendo, ora permitido ou, ao menos tolerado e, ora

Page 26

forma de discriminação é proibida. Contudo, a igualdade material somente pode ser obtida tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, motivo pelo qual, em determinadas situações, será sim necessário um tratamento diferenciado à mulher.

Sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho, interessante a colocação de Homero Batista Mateus da Silva5, nos seguintes termos:

“Quando bem analisada a questão, ainda que se corra o risco de fugir do tema jurídico que se pretende analisar, descobre-se que a presença ou ausência da mulher no mercado de trabalho tem muito mais que ver com os desígnios do capitalismo do que propriamente uma questão de segurança e saúde no trabalho, como pode parecer para o estudioso menos avisado. A época da revolução industrial, era absolutamente corriqueiro o trabalho da mulher, inclusive nas fábricas mais penosas e nas tarefas que exigiam carregamento de peso. Não se discutia essa compatibilidade e ele as mantinham lares tanto quanto as mulheres das décadas seguintes. (...) Tempos depois, entretanto, talvez por excesso de mão de obra, talvez por temer a concorrência mais capacitada das mulheres, o legislador afastou sistematicamente a mulher do mercado de trabalho. (...) Como atualmente muitas mudanças foram implementadas no capita-lismo e um dos seus pilares é a expansão frenética do mercado consumidor, quanto maior o volume da mão de obra, maior o espectro do cliente em potencial para produtos e serviços que beiram o delírio.”

Note-se que, o Direito do Trabalho está sempre influenciado pela economia, vez que é um mecanismo de regulação da concorrência, tanto no âmbito nacional, entre as empresas de um país, quanto na comunidade internacional. Por esse motivo, inegável que a participação da mulher no mercado de trabalho atende sim as necessidades/expectativas dos sistemas econômicos.

Da proteção constitucional a maternidade e ao nascituro

A Constituição Federal traz em seu art. 6º, caput, a proteção à maternidade como um direito social6. Destarte, para a implementação desse direito e promoção da mulher no mercado de trabalho, há proteção previdenciária à maternidade7, sendo certo que os custos pelo pagamento do salário-maternidade ficam a cargo da Previdência Social.

A gestante é a protagonista da proteção social porque é através dela, que se promoverá a proteção ao nascituro. Outrossim, também é destinatária da proteção a lactante, pois, durante o processo de amamentação, transmite ao bebê os nutrientes necessários a sua formação saudável.

Como direito social, a proteção à maternidade configura-se um direito fundamental de segunda geração, pois visa promover a aplicação do princípio da igualdade. Nesse sentido são as lições de Paulo Bonavides:

“são direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-lo da razão de ser que os ampara e estimula”

Percebeu-se que, somente a defesa do cidadão contra o Estado, que configuram os direitos fundamentais de primeira geração, cujo principal enfoque é garantir a liberdade do indivíduo, era insuficiente, pois de que adianta ter liberdade, se não há condições dignas de viver em socie-dade. Nesse sentido, aparecem os direitos fundamentais de segunda geração, que representam valores que fazem prevalecer o valor maior da igualdade.

O constituinte atribuiu à maternidade um valor a ser protegido, pois assegurando esse direito, garantem-se condições de saúde às gerações futuras, bem como se permite que a mulher possa competir no mercado de trabalho, vez que o sistema constitucional manteve mecanismo previdenciário de proteção, para quando a mulher não puder realizar o seu trabalho em razão de ter dado a luz, terá o seu salário pago pela Previdência Social.

Nessa toada, percebe-se que há uma desigualdade material entre homem e mulher, sendo certo que o estabelecimento de normas de proteção ao trabalho da mulher está em conformidade com o texto constitucional. No entanto, deve-se ter em mente que a proteção deve ser aquela estritamente necessária ao exercício da maternidade, pois, se houver proteção excessiva promove-se a desigualdade horizontal da mulher no mercado de trabalho.

Page 27

Dos direitos da mulher gestante/lactante

Considerando que à mulher devem ser assegurados os mesmos direitos e possibilidades de participação do mercado que aos homens, o legislador teve que estabelecer medidas que propiciem a efetiva participação da mulher no mercado de trabalho e evitem a discriminação em razão de sua condição biológica.

As medidas trazidas pelo legislador têm dois escopos, evitar a discriminação horizontal e vertical no mercado de trabalho. Por discriminação horizontal entende-se a restrição quanto à oferta de vagas no mercado de trabalho à mulher para algumas atividades econômicas. A título exemplificativo, cite-se a Lei n. 9.029/1995 que, dentre outros dispositivos, veda que o empregador exija teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez. Por outro lado, a discriminação vertical significa restringir a promoção das mulheres a cargos de chefia.

Nesse sentido o art. 373-A, III, CLT, proíbe o cancelamento de uma promoção à mulher em razão de seu gênero8.

Dentre as medidas previstas no ordenamento jurídico vigente atualmente, encontram-se a proibição do trabalho insalubre às gestantes e lactantes9, a estabilidade no emprego, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto10, dentre outros previstos no ordenamento jurídico.

Do trabalho insalubre

A Constituição Federal garante a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, assegurando também o pagamento de adicional àqueles trabalhadores que exercerem suas atividades em condições insalubres.

Da conjugação dos dispositivos constitucionais, percebe-se que, primeiramente, devem ser tomadas medidas para garantir a saúde do trabalhador e, apenas quando essas medidas não forem efetivas, se remunerará o trabalho exposto a agente insalubre.

Não se pode esquecer ainda que o meio ambiente do trabalho também se insere na proteção constitucional do art. 225, nos seguintes termos:

“Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT