Extinção contratual por acordo entre empregado e empregador. Art. 484-A da CLT

AutorRui César Públio B. Correa e Renata Barbosa Castralli Mussi
Páginas92-97

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Rui César Públio B. Correa1

Renata Barbosa Castralli Mussi2

Introdução

O direito do trabalho foi criado com o objetivo de proteger a classe trabalhadora. A própria Constituição Federal de 1988 entendeu pela necessidade de compensar a condição de hipossuficiência do trabalhador – efeito de sua subordinação jurídica e, muitas vezes, econômica quanto à empresa – e estabeleceu um rol de garantias constitucionais com o escopo de equilibrar a relação jurídica laboral.

Essa tendência protecionista foi resultado tanto do contexto histórico que desencadeou o surgimento da justiça do trabalho, como do reconhecimento quanto a importância do trabalho para o sustento e dignidade do indivíduo. Consequentemente, assim como as normas constitucionais, os princípios trabalhistas atuam predominantemente em prol do trabalhador durante toda a relação jurídica; mas, em especial, no momento do término do contrato de trabalho.

Um pensamento mais tradicional, permite entender que o fim do contrato repercute em demasiado prejuízo ao trabalhador. A remuneração, contraprestação dada pelo seu esforço, é cortada, o que prejudica seu sustento e de sua família. Nesse sentido, o momento da extinção do contrato sempre foi de grande relevância para a justiça do trabalho.

Em um cenário de pós-modernidade, caracterizada pela pluricentralidade, pela riqueza da diversidade e pela liquidez das relações, qualificada pela evolução dos processos tecnológicos e a acessibilidade dos meios de informática em todo o mundo, esse excesso de proteção ao trabalhador vem recebendo diversas críticas, em face da própria limitação que impõem ao empregado.

Com o desenvolvimento socioeconômico e o processo de nascimento dinâmico dos direitos humanos, a relação de trabalho também sofreu modificações; assim, não seria mais razoável aplicar, no cenário atual, premissas ou normas jurídicas que foram motivadas por um contexto clássico de emprego e mão de obra.

Sob a força irreversível da globalização, a tutela jurídica do trabalho humano ganha força e importância crescentes, mas não implica necessariamente em manutenção da proteção nos moldes estabelecidos em 1943. O estudo da força de trabalho do homem, mediante o reconhecimento do valor intrínseco da existência humana, revela-se salutar para a redefinição de seu próprio valor.

O legislador absorveu a redefinição da figura do empregado, no presente momento histórico, relativizando seu conceito de hipossuficiência. Diversos dispositivos da reforma prezam pela maior autonomia do trabalhador e dos sindicatos, e a menor interferência do Estado na relação de emprego. Princípios como o da continuidade da relação de emprego, das presunções favoráveis ao trabalhador e da aplicação da norma mais favorável, perderão espaço para a autonomia da vontade das partes no direito do trabalho.

O objetivo principal deste trabalho é o de analisar uma dessas modificações trazidas pela reforma: o comum acordo ou distrato. Apresentando suas principais características, impactos e os motivos que contribuíram para sua criação.

Este trabalho concentra-se neste ponto da reforma, sob a luz do nascimento dinâmico dos direitos humanos, para tentar compreender este novo instituto.

Para a realização do presente será utilizado o método teórico-bibliográfico, pelo qual serão utilizados textos de livros, artigos e publicações jurídicas, valendo-se de pesquisa bibliográfica. Abordar-se-á o tema de maneira dedutiva e dialética, partindo-se da análise de dispositivos do Direito brasileiro, relevantes para o deslinde do trabalho.

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Praxismo fraude na rescisão

Antes da reforma trabalhista, a possibilidade do empregado e empregador fazerem um acordo de desligamento (na modalidade de distrato) não tinha previsão legal.

A doutrina e a jurisprudência admitiam essa possibili-dade apenas em determinados casos, como por exemplo:

ACORDO JUDICIAL. QUITAÇÃO PELO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO. COISA JULGADA. EFEITOS. A existência de acordo judicial dando plena quitação ao extinto contrato de trabalho, sem a existência de ressalva sobre qualquer parcela, inibe nova discussão acerca de qualquer verba decorrente daquele liame empregatício. Sendo esta a hipótese dos autos, forçoso reconhecer que nova ação versando sobre o extinto pacto laboral encontra óbice na coisa julgada operada quando da celebração do acordo judicial, nos termos consubstanciados na OJ SBDI-II n. 132 do col. TST”. (RO-00398-2011-009-10-00-8, Relator Desembargador Pedro Luis Vicentin Foltran, DEJT de 02.12.2011).

(TRT-10 – RO: 1703201100210004 DF 01357-2012-802-10-00-0 RO, Relator: Desembargadora Flávia Simões Falcão, Data de Julgamento: 06.02.2013, 3ª Turma, Data de Publicação: 22.02.2013 no DEJT)

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. ACORDO EXTRAJUDICIAL. QUITAÇÃO. LIMITES. A transação extrajudicial que importa a rescisão do contrato de trabalho implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo e, portanto, não impossibilita que o empregado venha ao Poder Judiciário buscar os direitos trabalhistas que entender violados. RECURSO ADESIVO DO RECLAMANTE. MULTA DO ART. 477 DA CLT. A existência de controvérsia acerca da existência de vínculo de emprego no período alegado na exordial é suficiente para afastar a aplicação da multa em questão.

(TRT-7 – RO: 780008620085070010 CE 0078000-8620085070010, Relator: Dulcina de Holanda Palhano, Data de Julgamento: 19.10.2009, Turma 2, Data de Publicação: 12.11.2009 DEJT)

O acordo extrajudicial de quitação do contrato sempre deveria passar pela avaliação do judiciário para alcançar seu objetivo.

A lei antiga previa basicamente três formas de extinção motivada pelas partes: a resilição, decorrente da manifestação unilateral de vontade; a resolução, que seria a extinção por ato faltoso feito pelo empregado ou empregador; e a rescisão, que representa a nulidade do contrato. Ademais, qualquer uma das modalidades mencionadas acarretaria consequências excessivamente onerosas para um dos lados da relação.

Na prática, observou-se que, mesmo inexistindo previsão legal do distrato na justiça do trabalho, existia uma incidência relevante de casos de acordos rescisórios. Por exemplo, quando o empregado não queria arcar com o ônus do seu pedido de demissão, pedia para a empresa fazer seu desligamento por rescisão direta – o que possibilita seu acesso ao montante do Fundo de Garantia e ao seguro-desemprego – e combinava a devolução da multa de 40% do FGTS (art. 18, § 1º, da Lei n. 8.036/1990) para seu ex-empregador. Essa, dentre outras práticas, eram consideradas como rescisões fraudulentas.

Caso o Ministério do Trabalho tomasse conhecimento desses acordos, deveria aplicar multa aos envolvidos, bem como determinar a devolução dos valores recebidos de forma indevida.

Ademais, houve casos que a justiça criminal condenou o empregado pelo crime de estelionato exatamente por ter acordado a rescisão fraudulenta com o objetivo de burlar a proteção estatal contra a despedida arbitrária. In verbis:

PENAL. ESTELIONATO MAJORADO. CONCURSO MATERIAL. SEGURO-DESEMPREGO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL. ELEMENTAR DO TIPO. ARDIL. PRESENTE. VÍNCULO INFORMAL DE TRABALHO. (...). PREJUÍZO/DANOS CAUSADOS. JUSTIÇA GRATUITA. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. 1. Apelante que, após dissimular com a firma individual do corréu, por 02 (duas) vezes, rescisão de contrato de trabalho, deu entrada no requerimento de seguro-desemprego, recebendo, de forma fraudulenta, 04 (quatro) parcelas do benefício, de julho a outubro/2001, além de mais 05 (cinco) parcelas, de agosto a dezembro/2004, praticou o crime do art. 171, § 3º, c/c o art. 69 do CP (estelionato majorado em concurso material, duas vezes). 2. Nos delitos de estelionato praticados em relação ao recebimento de seguro-desemprego não se aplica o princípio da insignificância. (Precedentes deste Tribunal Regional e do Superior Tribunal de Justiça). 3. O ardil está materializado na simulação da dispensa imotivada, situação que possibilitou ao apelante receber as parcelas indevidas do...

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