Meio ambiente do trabalho e limites de jornada de trabalho e a desvinculacão da proteção da saúde do trabalhador

AutorMaria José Giannella Cataldi
Páginas55-68

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Maria José Giannella Cataldi1

Introdução

As mudanças sociais, econômicas e culturais e seus impactos nas relações de trabalho não são novidades no mundo jurídico ou em qualquer outro campo de investigação acadêmica. Por exemplo, em 2000, quando ainda não se falava sobre os grandes impactos das redes sociais e da tecnologia acessível a uma enorme parte da população, o sociólogo italiano Domenico De Masi, em sua mais célebre publicação O Ócio Criativo, já problematizava questões das “novas”relações de trabalho importantes, tais como: o teletrabalho, jornadas de trabalho reduzidas, entre outros.

Não há dúvidas de que as relações de trabalho e a tutela jurídica ao trabalhador vêm se modificando, mas isso é ainda mais evidente com as evoluções tecnológicas. Se no fim do século XX já era uma preocupação, é preciso lembrar que de lá para cá, a sociedade se transformou de maneira extrema. Por exemplo, entre 2005 e 2015, segundo dados do IBGE, o número de casas que acessam a internet no Brasil saltou de 7,2 milhões para 39,3 milhões, um aumento de cerca de 446%.

De modo que é forçoso crer que tais mudanças de hábitos não interferissem em nada nas relações trabalhistas. Ainda que em outros países a adesão ao mundo digital seja muito maior, não há como pensar que tantas mudanças de comportamento passaram inócuas no âmbito do trabalho.

Com efeito, seria necessário alterações no texto da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, pois tais leis foram elaboradas em uma época em que 69% da população ainda era rural, no ano de 1947, conforme dados de urbanização do IBGE. Claro que em 1988, a Constituição Federal trouxe outras normas norteadoras dos Direito do Trabalho e dos Direitos Fundamentais, como por exemplo, a fixação da jornada máxima de trabalho em 44 horas semanais, mas não é possível esperar daquela ocasião uma contemplação de tantas mudanças sociais, econômicas e culturais.

Assim, um novo texto para a CLT, que ficou conhecido como reforma trabalhista de 2017, poderia contemplar inúmeras questões desafiadoras tais como a jornada do trabalho em uma época de trânsito caótico no horário do rush ou o teletrabalho (ou homeoffice), por exemplo, como já se falava há tanto tempo, entre outras questões de extrema relevância e recorrentes nas novas formas de trabalho.

Cumpre notar que a relação entre o labor e os Direitos Fundamentais, bem como a valorização do principio da dignidade humana, poderiam estar fortificadas ainda que contemplando uma série de mudanças da sociedade. Pois, apenas para ilustrar, nunca se falou tanto em esgotamento profissional CID Z.73 (ou síndrome de burnout) e tantas metas e exigências ao trabalhador como em tempos de globalização. O estresse parece ser algo natural na vida do trabalhador contemporâneo. Bem como um trabalhador laborando do outro lado do mundo já é uma realidade, tal ideia era abordada ainda de cunho bastante abstrato no ínício do processo de globalização, quando houve a promulgação da Constituição Federal vigente no país.

Insta esclarecer que, as relações de trabalho são os vínculos que se estabelecem no âmbito do trabalho. De forma geral, fazem referência às relações entre o trabalho ou a mão de obra prestada pelo trabalhador e o capital, pago pela entidade empregadora ou contratante no âmbito do processo de produção.

Assim, o papel das empresas na prevenção dos riscos para a saúde do trabalhador e o dos sindicatos na defesa desse direito é muito importante, ter a devida atenção por parte de muitas organizações de trabalhadores, que ainda não entenderam e não se conscientizaram de que a defesa da integridade física e mental do trabalhador é a mais importante e premente tarefa a ser desenvolvida. Sem dúvidas, as doenças e problemas de saúde do trabalhador de uma sociedade industrial são diferentes do profissional contemporâneo.

Nesse sentido, focando na jornada de trabalho e na saúde do meio ambiente laboral, o presente trabalho visa analisar suas novas dimensões em razão das alterações advindas da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017.

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Assim sendo, deverá ser enfrentada ainda a questão da saúde mental do trabalhador frente à nova legislação, bem como as disposições constitucionais que tratam dos direitos fundamentais para a preservação da saúde do trabalhador. Vamos averiguar questões sobre as horas extras, teletrabalho, jornada de descanso e as consequências na saúde mental do trabalhador.

A relação de trabalho

Vale retomar que o trabalho humano é tão antigo quanto a história da humanidade. O direito moderno impôs a necessidade da criação de direitos sociais no contexto da evolução dos direitos fundamentais clássicos, na medida em que a relação capital e trabalho passaram a ser mais intensas e frente aos problemas da revolução industrial.

Com o surgimento do Direito do Trabalho, na segunda fase do direito moderno – a partir da primeira década do século XX, com o aparecimento do capitalismo industrial e a evolução tecnológica, as relações sociais passaram e ainda passam por turbulências de ordem econômica, social e cultural.

No nosso ordenamento, a legislação da Consolidação das Leis do Trabalho, estabelece a definição de empregado, nos moldes tradicionais, aquela pessoa que, uma vez admitida na empresa, tem celebrado e formalizado o contrato laboral com o empregador.

O art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho afirma considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste mediante salário”.O disposto legal, inalterado após a vigência da nova lei, estabelece alguns requisitos identificadores da condição de empregado: ser pessoa física; o trabalho deve ser não eventual; estar presente nessa relação à subordinação ao empregador; é indispensável o recebimento de salário pelo empregado, pois não existe contrato de trabalho gratuito e o desempenho das atividades pelo empregado deve ser feita com pessoalidade.

Nesse sentido, o Prof. Amauri Mascaro Nascimento2 define empregado como a pessoa física que presta serviços de natureza contínua a empregador, sob a subordinação deste mediante pagamento de salário.

O art. 2º do Estatuto Consolidado, ainda que com alterações no texto do 2º e 3º parágrafos, manteve seu caput, que define empregador da seguinte forma: “considera-se empregador a empresa individual ou coletiva que, assumidos os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”3.

Ou seja, o empregador é a pessoa que utiliza o trabalho do empregado. Para essa definição é essencial que o empregador (pessoa natural ou jurídica) contrate empregados.

Na prática, costuma-se chamar o empregador de patrão, empresário e o parágrafo primeiro do mesmo art. equipara assim o empregador:

“Para os efeitos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados”4.

Já a empresa tem característica eminentemente econômica, pois pressupõe a combinação destes fatores da produção: terra, capital e trabalho. A empresa tem suas atividades voltadas para o mercado, sendo, portanto, um centro de decisões, no qual são adotadas as estratégias econômicas.

Podemos assim dizer que, a empresa é a atividade organizada para a produção de bens e serviços para o mercado, com a principal finalidade de alcançar o lucro. A relação entre as pessoas e os meios para o exercício da empresa leva à abstração, em que a figura mais importante seria, na verdade, a do empresário, cujo interesse principal é administrar a relação capital e trabalho, visando ao lucro.

É certo dizer que a empresa normalmente é o empregador. A própria Consolidação das Leis do Trabalho equivale o empregador à empresa (art. 2º). Modernamente a ideia de empresa se equipara a de uma instituição que perdura no tempo. Nela, o empresário é a pessoa que exercita profissionalmente a atividade economicamente organizada, visando à produção de bens ou serviços para o mercado.

Nesse conceito apresentado pelo Prof. Magano5, verifica-se que o empresário não é aquele que exerce sua atividade eventualmente, mas habitualmente, com características profissionais. Quem assume os riscos do empreendimento é o empresário, que se beneficia dos lucros e se expõe ao prejuízo.

Dessa forma, a empresa é fonte de condições de trabalho e de organização em decorrência de situações jurídicas. Do ponto de vista subjetivo, a empresa compreende o desenvolvimento profissional de uma atividade e a organização dos meios para tanto, como da produção e prestação de serviços ou à produção de bens. A empresa administra a combinação do capital e do trabalho na produção.

A atividade pressupõe continuidade, duração e, ao mesmo tempo, orientação, que tem como objetivo dirigir a

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produção para o mercado. O empresário seria, entretanto, o sujeito da empresa, esta seria a atividade, e o estabelecimento, o meio destinado à consecução do fim empresarial.

A posição objetiva entende que, tanto a empresa como o estabelecimento constitui a finalidade do empresário. A empresa também poderia ser a forma do exercício do estabelecimento, todavia este é estático e a empresa é compreendida por um conceito dinâmico, correspondendo, portanto, a um bem imaterial. Dessa forma, é possível ver a empresa não como pessoa jurídica, mas como objeto, e não como sujeito de direito, porque a empresa é uma forma de atividade do empresário. O sujeito de direito, assim, é o empresário.

Nesse diapasão, o...

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