Limites à responsabilização do sócio retirante por débitos trabalhistas

AutorOtto Dmitry Garkauskas Hernandes
Páginas75-85

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Otto Dmitry Garkauskas Hernandes1

Introdução

Desde os primórdios da humanidade, os seres humanos buscam associar-se entre si, seja com um, ou mais grupos de pessoas, visando diferentes finalidades. Nos dizeres de Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã, a formação de sociedades entre os homens não decorre de um instinto natural, mas sim o atendimento a interesses comuns. In verbis:

A natureza não colocou no homem o instinto de sociabilidade; o homem só busca companheiros por interesse; por necessidade; a sociedade política é o fruto artificial de um pacto voluntário, de um cálculo interesseiro.2

Não discorrendo sobre a assertividade da constatação do filósofo inglês, certo é que esta casa muito bem com o conceito de sociedades empresárias3 do ordenamento jurídico brasileiro, que podem ser definidas como organizações econômicas formadas por mais de uma pessoa, detendo personalidade jurídica e patrimônio próprios, possuindo como escopo auferir lucros, inteligência que se pode extrair do art. 981 do Código Civil (“CC”).

Nesse diapasão, observa-se que a busca de fins comuns (nesse caso auferir lucros), é o impulsor da formação da sociedade empresária, ela mesma um ente com personali-dade jurídica própria, sendo seus sócios considerados empreendedores (que, além de aportarem capital, costumam desempenhar trabalho na sociedade na condição de administradores, controlando as empresas) ou investidores (apenas aportam capital).4

Assim, embora por diversas razões, caso algum sócio deixe de compor os quadros da sociedade, esta subsiste por sua própria natureza, não estando condicionada a permanência nem mesmo de seus fundadores. Contudo, a verdade é que a simples retirada do sócio não o desvincula totalmente da figura da sociedade, eis que ainda possui responsabilidades advindas de sua participação, estando dentre elas as dívidas da sociedade contraídas na época em que figurou como sócio, sejam elas tributárias, cíveis ou trabalhistas.

A grande questão é a limitação dessa responsabilidade, seja quanto ao montante pelo qual responderia, seja quanto ao período em que poderia ser acionado para tanto, pois, por certo, esta não é ad perpetuam.

Sob a ótica da Justiça do Trabalho, altercava-se sobre a limitação temporal da responsabilidade daquele sócio que se retirou da sociedade ante as dívidas de natureza trabalhista desta, posto que os Tribunais Trabalhistas, assim como a doutrina, balizavam-se por entendimentos distintos, o que gerava insegurança jurídica para esses ex-componentes do quadro societário.

A Lei n. 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”), que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) em diversos pontos, trouxe disposição específica nesse sentido em seu art. 10-A, onde ficou estabelecido que a responsabilidade do sócio retirante limita-se em dois anos da averbação de sua retirada da sociedade no contrato social, sendo esta subsidiária aos bens da sociedade e de seu quadro societário atual, salvo em caso de fraudes.

Destarte, importante se faz ponderar como, e em que hipóteses e limites poderia ser responsabilizado o sócio retirante ante as dívidas de natureza trabalhista das sociedades que compunha, analisando-se também, ainda que brevemente, as formas de sociedades, sejam estas empresárias ou simples, para, assim, se constatar quais serão os impactos propiciados pela nova lei e como serão sentidos por todos.

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Dívidas de natureza trabalhista e a ordem de preferência para responsabilização por elas

Anteriormente, competia à Justiça do Trabalho tão somente o julgamento de ações oriundas da relação de emprego (aquelas que tinham como grande requisito caracterizador a subordinação), bem como relações de pequena empreitada (o empreiteiro não era empregado, mas operário artífice) e trabalhadores portuários (demandavam contra os operadores portuários ou órgãos gestores de mão de obra). Contudo, essa situação se alterou no ano de 2004, em que foi editada a Emenda Constitucional 45 que alterou o art. 114 da Constituição da República Federativa do Brasil (“CRFB”), passando a ampliar a competência dessa Especializada para julgar a maior parte das ações decorrentes das relações de trabalho, estando contidas nestas ações de natureza sindical e que envolvam administrativas (exemplo: ações anulatórias de autos de infração trabalhistas).5

Portanto, temos que dívidas e obrigações trabalhistas não são apenas aquelas referentes às verbas rescisórias ou horas extras não pagas, por exemplo, pela empresa a seus empregados, mas sim todas aquelas derivadas de relações trabalhistas, que podem incluir grandes montantes e responsabilidade social, que normalmente acompanham ações coletivas, dentre outras.

Como visto alhures, a sociedade empresária, que, na área trabalhista usualmente denominamos simplesmente como empresa ou grupo de empresas (quando falamos de grupo econômico)6, tem personalidade jurídica própria, pelo que é a responsável principal por seus débitos.

Nesse sentido, comumente vemos o trabalhador propondo ação em face à empresa ou grupo de empresas que o contratou ou aos quais seus serviços foram aproveitados, e não contra as demais pessoas físicas ou jurídicas que as compõem. Inobstante, possível se faz o ajuizamento de ação contra a empresa empregadora e, também, a inclusão de seus sócios ou outras empresas que integram o mesmo grupo econômico no polo passivo da ação já em fase de conhecimento, desde que haja justificativa plausível para tanto.

Assim, as empresas coligadas por pertencerem a um mesmo grupo econômico, quando inclusas no processo, respondem de forma solidária haja vista a teoria dual ou do empregador único, adotadas pela doutrina e jurisprudência majoritárias7, da qual deriva o entendimento de que a execução poderá ser promovida em face de qualquer integrante do grupo econômico, independentemente deste ter participado da fase de conhecimento ou ter constado do título judicial.8

Eventuais responsabilidades trabalhistas podem decorrer também da contratação de empresas de serviços terceirizadas e/ou temporárias, pois, o não adimplemento dos débitos trabalhistas advindos dos empregados ou prestadores de serviços destas, ensejará a responsabilidade da empresa tomadora de serviços, que pode ser: (i) subsidiária caso observados e cumpridas as condições trazidas pelas Leis ns. 13.467/2017 e 13.429/2017, respectivamente, ou, (ii) solidária, quando não cumpridas efetivamente as condições trazidas nas referidas leis, e/ou estarem presentes de forma concomitante os requisitos de vínculo de emprego (subordinação, habitualidade, pessoalidade, onerosidade e pessoa física) entre a figura do trabalhador terceirizado/temporário e a empresa tomadora de serviços, e/ou nos casos de fraude.

Já os sócios da empresa, via de regra, respondem de forma subsidiária pelo patrimônio da pessoa jurídica regularmente constituída (ordem de preferência do art. 10-A, inciso II da Reforma Trabalhista), tanto é que possuem o direito de preferência a esta, podendo fazer com que a execução seja redirecionada à empresa ao indicar bens livres e desembaraçados desta que possam liquidar o débito da execução, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 795 do Código de Processo Civil (“CPC”), sendo que, se os bens da sociedade não lhe cobrirem às dívidas, responderão na proporção em que tiverem participado das perdas sociais (art. 1.023 do CC)9 ou até que a dívida seja saldada, caso tenha havido a desconsideração da personalidade jurídica da empresa10, quando responderão de forma ilimitada.

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Nos casos de gestão fraudulenta ou qualquer outro tipo de fraude, a responsabilidade dos sócios atuais será solidária (art. 9º da CLT), o que também se verificará caso tenham participado da fase de conhecimento e constem no título executivo judicial nesse sentido, a teor do que prevê a Súmula n. 331, item IV do TST.

Os ex-sócios, por sua vez, respondem de forma ainda mais subsidiária que os sócios atuais (inciso III do art. 10-A da Reforma Trabalhista), sendo os últimos a figurarem nessa cadeia de reponsabilidade, salvo nas hipóteses de fraude, em que responderão de forma solidária (arts. 10-A, parágrafo único da Reforma Trabalhista e 9º da CLT).

Importante observar que não se admite a denunciação da lide dos antigos proprietários da empresa aos atuais ou vice-versa, posto que o empregador é a empresa (art. 2º da CLT), de modo que a responsabilidade fixada em contrato quanto ao ingresso e retirada de sócios não repercute nas relações trabalhistas, sendo assunto a ser discutido na Justiça Comum, pois a mudança da estrutura jurídica ou na propriedade da empresa não pode prejudicar os direitos dos trabalhadores, inteligência que pode ser extraída dos arts. 10 e 448, ambos da CLT.11

Tipos de sociedades e formas de participação dos sócios em cada uma

Sobre as formas de sociedade e a responsabilidade de cada sócio, Ives Gandra Martins Filho12 tem um quadro-resumo prático, que reproduzimos a seguir:

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Com efeito, como visto do quadro acima, o direito brasileiro disponibiliza vários modelos de sociedades para os empreendedores e/ou investidores...

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