O dever de sigilo do advogado frente ao combate à lavagem de dinheiro e aos programas de compliance

AutorLarissa da Luz
Páginas233-250
Compliance em estudos de caso | 233
O DEVER DE SIGILO DO ADVOGADO FRENTE
AO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO E
AOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE
Larissa da Luz1
INTRODUÇÃO
Diante do cenário nacional e internacional de escândalos envolvendo o
mundo corporativo com práticas de lavagem de dinheiro, diversas são as
tentativas de combate e prevenção à corrupção e branqueamento de capitais.
Neste viés a Lei de Lavagem te Capitais teve a redação de seu art. 9º
alterada, para ampliar a abrangência de pessoas físicas e jurídicas com
dever de colaboração de prestar informações aos órgãos responsáveis
por f‌iscalizar, investigar e punir administrativamente práticas de ilíci-
tos de branqueamento de capitais.
A referida lei, portanto, estabelece deveres de compliance, que inclu-
sive fomentam que empresas adotem programas de Compliance – e o
Criminal Compliance, vertente voltada à prevenção de ilícitos penais.
O compliance, contudo, vai além de apenas estar em conformidade
com a legislação, visto que possui objetivos também de auxiliar na
reestruturação no campo jurídico e ético, criação de culturas e estru-
turação de condutas conforme as diretrizes da empresa.
A prática de deveres de compliance, no âmbito da Lei de Lavagem de
capitais, por sua vez, provoca discussões acerca do conf‌lito existente
entre o dever/direito de sigilo ético prof‌issional do advogado e o dever
de prestar informações ao COAF.
O advogado faz jus a prerrogativa de conf‌idencialidade das informa-
ções transmitidas por seus clientes, de modo que a relativização dessa
prerrogativa poderia levar ao afastamento de sua função coadministra-
dora da justiça, integrante aos pilares do Estado de Direito. Contudo,
em grau de equidade ao passo que a advocacia é atividade indispensá-
vel à Administração da Justiça, o crime de lavagem de capitais fere a
própria Administração da Justiça.
1 Mestranda em Direito – UFSC. Advogada. Especialista em Direito Processual Civil
e Bacharel em Direito pela Faculdade Cesusc
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Neste sentido, o objetivo primordial deste artigo é analisar o teor do
art. 9º da Lei de Lavagem de Capitais nº 9.613/98 no que se refere a
prestação de serviços por advogados e consequentemente, o paradoxo
entre o dever de sigilo das informações obtidas pela relação cliente-ad-
vogado e o dever de “delatar” seu cliente imposto pela referida Lei.
1. O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E A PRERROGATIVA
DE SIGILO PROFISSIONAL
A Constituição Federal de 1988 prevê em seu art. 1332 que o advogado
é indispensável à administração da Justiça. A indispensabilidade do advo-
gado existe em razão do fato de que as partes, via de regra, não possuem
o conhecimento técnico jurídico necessário para o exercício de sua defesa
em juízo3. O advogado, portanto, torna-se indispensável, pois ele é a pes-
soa que tem a capacidade de dialogar tecnicamente no campo jurídico
com os demais operadores do Direito e, consequentemente, somente com
a presença de um advogado é possível o exercício pleno de defesa.
O exercício da advocacia exige um critério essencial para se desenvolver:
a conf‌iança. Este elemento é primordial, pois é a partir da conf‌iança que o
cliente se sente seguro em conf‌idenciar tudo o que é importante para que
o advogado possa realizar a melhor defesa dos interesses do cliente4. Esta
relação de conf‌iança tão somente é possível pela proteção que o advogado
possui no exercício de sua atividade no que toca o sigilo prof‌issional.
Importante distinguir sigilo de segredo, pois que segredo é tudo que
se mantém na esfera da intimidade do indivíduo, cujo interesse é man-
ter reservado, alheio ao conhecimento de terceiros, já sigilo é o meio
de garantia do segredo.5
O sigilo prof‌issional do advogado é elemento essencial para o exercício da
advocacia, pois sem uma garantia como esta, os cidadãos não sentir-se-iam
2 “art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável
por seus atos e manifestações no exercício da prof‌issão, nos limites da lei.” (BRASIL.
Constituição Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/cons-
tituicao/constituicao.htm>. Acesso em 25 ago 2019).
3 RAMOS, Gisela Gondin. Estatuto da Advocacia: comentários e jurisprudência se-
lecionada. 5ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 25
4 MESQUITA, Rodrigo Octávio de Godoy Bueno Caldas. Do sigilo prof‌issional do
advogado: natureza jurídica, extensão, limites e restrições. Revista dos Tribunais:
São Paulo, vol. 869, p. 67-68;
5 Ibid. p. 76;

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