Direito da pessoa autista à educação inclusiva. A incidência do princípio da solidariedade no ordenamento jurídico brasileiro

AutorBeatriz Rego Xavier
Ocupação do AutorDoutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza ? UNIFOR
Páginas835-857
Direito da pessoa autista à educação inclusiva.
A incidência do princípio da solidariedade
no ordenamento jurídico brasileiro
Beatriz Rego Xavier*
1. Introdução
Muitas são as questões levantadas a partir da vigência da LBI em janeiro
de 2016. Dentre elas, o direito à educação inclusiva, entendida aqui como
o direito à inclusão e permanência em escolas regulares, mediante os apoios
necessários.
As pessoas com deficiência sempre encontraram e ainda encontram
enormes dificuldades de inclusão efetiva na sociedade. Participar em condi-
ções de igualdade nas instâncias sociais pressupõe um mínimo de educação.
Para as pessoas com deficiência, estudar na escola regular e, sobretudo, con-
cluir o processo de aprendizagem, na idade certa tem sido, desde sempre,
um enorme desafio.
Certo é que é perceptível um avanço considerável no processo de esco-
larização dessas pessoas neste grupo vulnerável1. Contudo, ainda convive-
mos com práticas discriminatórias que dificultam ou impedem o pleno de-
senvolvimento das potencialidades das pessoas com deficiência.
* Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza — UNIFOR,
Professora Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará – UFC,
Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da FD/UFC, Coordenadora do Projeto
Árvore-Ser: Núcleo de Estudos Aplicados em Direito da Pessoa com Deficiência –
FD/UFC. Advogada.
1 Segundo o Censo escolar de 2010, 95% das crianças com pelo menos uma deficiên-
cia estão matriculadas em escolas regulares. Mesmo assim, é de se destacar que apenas
38,9% das pessoas completam o ensino fundamental com instrução. IBGE. Cartilha do
Censo 2010; Pessoa com Deficiência. Disponível em: “http://bibliote-
ca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.pdf”. Acesso
em 15/09/2015.
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Até hoje, escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio
negam matrícula nas escolas regulares às pessoas com deficiência. Na maior
parte das vezes, sob a justificativa fraudulenta de que não há vagas destina-
das aos chamados “alunos especiais”, ou de que não podem oferecer a edu-
cação inclusiva como essas pessoas merecem. As escolas particulares, mes-
mo que seja vedado por lei, continuam cobrando a taxa extra para o forne-
cimento do profissional de apoio. As escolas públicas não fornecem o AEE
– Atendimento educacional especializado ou o profissional de apoio porque
não há recursos ou concursos públicos para preencher vagas, mesmo que
recebam dupla matrícula via recursos do Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
– FUNDEB (Lei nº 11.494/2007).
A situação das pessoas autistas não difere das pessoas com outras defi-
ciências. Na verdade, parecem estar em condições mais difíceis. Os dados
estatísticos referentes à sua inserção no sistema educacional são desconhe-
cidos. Isso porque o censo escolar da pessoa com deficiência não contempla
a caracterização da pessoa autista2, que até 2012, no Brasil, ainda não era
reconhecida como pessoa com deficiência. Sem conhecimento da realida-
de, não é possível a articulação de políticas públicas que visem a implemen-
tação do direito à educação para este grupo.
A Lei 13.146/2015, LBI, veio completar e dar acabamento ao sistema
de normas que regulam a educação inclusiva no Brasil. De caráter protetivo,
demonstra uma forte inspiração no princípio da solidariedade.
O ensaio aqui apresentado busca compreender como a solidariedade in-
cide no direito à educação inclusiva da pessoa autista. De início, pretende
identificar, nos normativos legais e nas classificações diagnósticas médicas,
quem é a pessoa autista. Na sequência, o direito à educação inclusiva é abor-
dado a partir da sua condição de direito fundamental. Ao fazer um panora-
ma da legislação vigente sobre a educação da pessoa com deficiência, tem
como finalidade elucidar e desenvolver a relação existente entre solidarie-
dade e direitos humanos, especificamente o direito à educação.
Não podemos deixar de esclarecer que outros princípios podem ser fun-
damentos da educação inclusiva. A escolha da solidariedade como objeto de
estudo decorre do interesse em destacar, como se verá, que inclusão acon-
tece sempre que há reconhecimento e aceitação das diferenças. A pessoa
com deficiência constitui um grupo social representativo da diversidade das
pessoas. E a solidariedade é, em linhas gerais, produto da consciência destas
diferenças.
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2 IBGE. Cartilha do Censo 2010; Pessoa com Deficiência. Disponível em:
“http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.
pdf”. Acesso em 15/09/2015.

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