A inclusão da pessoa com deficiência no mundo do trabalho
Autor | Ana Virgínia Moreira Gomes |
Ocupação do Autor | Doutora em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito ? USP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional e do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza ? UNIFOR |
Páginas | 905-923 |
A inclusão da pessoa com deficiência
no mundo do trabalho
Ana Virgínia Moreira Gomes*
1. Introdução
O direito do trabalho tem como valor fundamental a garantia da digni-
dade da pessoa que trabalha. A transformação do proletário em empregado
no século passado evidenciou a bem-sucedida estratégia regulatória do di-
reito do trabalho em assegurar condições de trabalho justas. Historicamen-
te, no entanto, o empregado que atraiu para si a proteção do direito do
trabalho traduziu-se na figura do trabalhador do sexo masculino em um em-
prego por tempo integral em uma relação de trabalho por tempo indetermi-
nado. Muitos trabalhadores, que não se encaixavam nessa definição, ficaram
às margens da proteção oferecida pelo direito do trabalho — por exemplo,
as mulheres, os trabalhadores informais e as pessoas com deficiência. A pro-
teção desses trabalhadores representa um desafio para o direito do trabalho,
tanto no que concerne à regulação do trabalho, quanto à elaboração de po-
líticas públicas. Este artigo tem como objetivo discutir as opções regulató-
rias e de políticas públicas voltadas à proteção do trabalho da pessoa com
deficiência a partir da ratificação da Convenção Internacional sobre os Di-
reitos das Pessoas com Deficiência pelo Brasil.
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiên-
cia trata em seu artigo 27 dos princípios acerca do trabalho e emprego das
pessoas com deficiência. A aprovação dessa convenção pela comunidade in-
ternacional constitui, no âmbito do trabalho, um dos mais recentes e impor-
tantes avanços na evolução normativa do direito do trabalho no sentido de
garantir o trabalho e condições justas de emprego às pessoas com deficiên-
cia que se iniciou com a aprovação, em 1944, da Recomendação 71 da Or-
* Doutora em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito — USP. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional e do Curso de Direito da Uni-
versidade de Fortaleza — UNIFOR.
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ganização Internacional do Trabalho — OIT sobre a organização do empre-
go (transição da guerra à paz). Ratificada pelo Brasil como um tratado de
direitos humanos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiên-
cia foi internalizada no nosso ordenamento como norma com hierarquia
constitucional (status de emenda à Constituição) e, como tal, passa a gerar
seus efeitos sobre todo o ordenamento infraconstitucional. Ressalta-se, ain-
da, a promulgação em 2015 do Estatuto da Pessoa com Deficiência com
base nos princípios garantidos pela Convenção. No caso do sistema laboral,
a Convenção traz um novo conceito de pessoa com deficiência que enfatiza
as barreiras sociais à concretização plena da capacidade produtiva das pes-
soas com deficiência. Nesse sentido, é importante refletir acerca da adequa-
ção das políticas e regras trabalhistas à compreensão, agora constitucional,
acerca da pessoa com deficiência.
Este artigo inicia sua pesquisa ao delinear o cenário internacional e bra-
sileiro do trabalho das pessoas com deficiência. A seguir, o estudo traça um
panorama sobre a evolução normativa internacional acerca do tema. O item
3 analisa o sistema brasileiro de proteção do trabalho da pessoa com defi-
ciência a partir da ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência pelo Brasil e reflete acerca dos meios regulatórios e de
políticas públicas adequados para que os princípios garantidos pela Conven-
ção sejam concretizados pelo sistema brasileiro de proteção do trabalho da
pessoa com deficiência. O artigo conclui ao indicar a necessidade de mu-
dança nas políticas de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de
trabalho no sentido de se realizar a transição de um sistema mais baseado
em políticas de quotas para um sistema fundado em normas e políticas an-
tidiscriminatórias.
2. O mercado de trabalho e a pessoa com deficiência
O objetivo das normas que tratam do trabalho da pessoa com deficiên-
cia deve ser o de “desfazer o vínculo entre deficiência, pobreza e exclusão”
(ILO, 2015). Em razão da ausência de normas e políticas públicas adequa-
das, pessoas com deficiência possuem menores oportunidades de emprego,
e, quando empregados, possuem poucas oportunidades de avanço profissio-
nal (BEZERRA; VIEIRA, 2011); ademais, gozam de piores condições de
trabalho, inclusive, salariais, que os demais trabalhadores (WORLD
HEALTH ORGANIZATION; THE WORLD BANK, 2011). Os dados es-
tatísticos acerca da participação das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho indicam que as taxas de emprego desses trabalhadores são meno-
res, as taxas de desemprego mais altas (de duas a três vezes mais altas) e que
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