Direitos e garantias culturais da pessoa com deficiência à luz da Convenção de Nova York e a Lei Brasileira de Inclusão
Autor | Francisco Humberto Cunha Filho e Vanessa Batista Oliveira |
Ocupação do Autor | Doutor em Direito, Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza ? Unifor; Advogado da União/Mestre em Direito, Professora da Universidade de Fortaleza ? Unifor; Advogada |
Páginas | 879-903 |
Direitos e garantias culturais da pessoa com
deficiência à luz da Convenção de Nova York e
a Lei Brasileira de Inclusão
Francisco Humberto Cunha Filho*
Vanessa Batista Oliveira**
1. Introdução
A doutrina mais tradicional localiza os direitos culturais na segunda ge-
ração ou dimensão dos direitos humanos fundamentais porque, sobre ela,
foi alardeado ser a que comporta a tríade dos direitos sociais, econômicos e
culturais. Esse enquadramento gera pelo menos dois problemas de grande
monta: o de os referidos direitos serem vinculados, muitas vezes, apenas aos
que, para realizarem-se, demandam prestações estatais; e o de serem consi-
derados recentes.
Nem uma coisa nem outra, se considerada a concepção de que os direi-
tos culturais são os vinculados à cultura, sendo esta inexorável ao ser huma-
no, em todas as épocas, mesmo naquelas em que ainda não era objeto de
preocupação das ciências humanas ou das ciências sociais aplicadas, como é
o direito. Isso significa que os direitos culturais de alguma forma precedem
ao reconhecimento jurídico de que foram merecedores, sendo mais antigos
do que se imagina.
Por outro lado, o recorte que um ordenamento jurídico positivo impõe
para um núcleo de direitos que recebam a designação de culturais, demanda
uma identificação de algum modo precisa, de maneira que possam ser iden-
tificados em sua inteireza ideal, bem como nas violações que sofreram, para
que sejam adotados atos de prevenção e correção previstos nas leis.
* Francisco Humberto Cunha Filho, Doutor em Direito, Professor do Programa de
Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza – Unifor; Ad-
vogado da União.
** Vanessa Batista Oliveira, Mestre em Direito, Professora da Universidade de Forta-
leza — Unifor; Advogada.
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Essa identificação, observando o parâmetro da Declaração dos Direitos
Humanos de 1948, o texto constitucional destinado à matéria cultural em
sentido estrito, as práticas administrativas de ministérios e secretarias de
cultura, remete para três grandes blocos de direitos culturais: os que se re-
lacionam com as artes, outro com as questões da memória coletiva e um
terceiro com os modos como ocorrem o fluxo dos distintos saberes, fazeres
e viveres humanos.
Em termos principiológicos, a universalidade, ou seja, a possibilidade de
usufruto dos direitos culturais por todas as pessoas, independentemente de
discriminação, marca a sua existência, o que inclui, por óbvio, aquelas com
deficiência psíquica e mental, algo que pode aparentar descabido, se a questão
for observada pelo prisma já antigo e que se ensejaria superado de vincular as
conexões da cultura ao uso pleno do intelecto, pelos padrões racionalistas.
Para reafirmar esse entendimento, no plano da comunidade de nações,
foi firmada a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (doravante simplesmente Convenção), devidamente incorpora-
da ao direito brasileiro, com status constitucional e, com base nela, a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como
Estatuto da Pessoa com Deficiência (doravante simplesmente Estatuto).
Esses dois documentos têm seções específicas sobre direitos culturais, o
que impulsiona a análise a ser feita neste capítulo, que buscará entender
qual a concepção de direitos culturais adotada pelas normas, bem como se
há harmonia ou divergência entre ambas e, ainda, se existem prescrições
especialmente destinadas às pessoas, neste recorte, com deficiência psíqui-
ca e mental.
2. Deficiências humanas: evolução semântica e compreensão jurídica
A reflexão sobre o exercício de direitos culturais pela pessoa com defi-
ciência psíquica e mental demanda, em primeiro lugar, que se retorne ao
lugar comum, quando tais estudos são feitos, de saber o que é normalidade.
Desde Platão, convencionou-se como normal aquilo que se compatibiliza
com um modelo previamente idealizado, que ele chamava de arquétipo, e
que é tornado paradigmático pelas instâncias que ideologicamente prepon-
deram. O discípulo de Sócrates entende que uma entidade divina, por ele
chamada de demiurgo, era a responsável pela criação dos ditos arquétipos,
em decorrência do que “é inevitável que tudo aquilo que perfaz deste modo
seja belo. Se, pelo contrário, pusesse os olhos no que devém e tomasse como
arquétipo algo deveniente, a sua obra não seria bela”1.
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1 Platão: Timeu-Crítias; tradução do grego, introdução e notas Rodolfo Lopes.
Coimbra: Universidade de Coimbra, 2011, p. 94.
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