O Direito das Minorias em Confronto com o Direito da Maioria e a Questáo Alexyana Acerca de Princípios e Regras

AutorDjalma Pizarro
Ocupação do AutorTabelião do 2º Ofício de Notas de Uberlândia
Páginas53-61

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Ver nota 74

1 O Direito das Minorias Versus Direito das Maiorias

Rousseau75defendia que a liberdade humana só poderia ser alienada se as regras de um contrato social fossem regiamente observadas. A lição desse filósofo repercute hodiernamente para dar supedâneo às democracias representativas.

A sociedade oitocentista acreditava piamente na validade da vontade da maioria para o concerto político do Estado.

As sociedades atuais, em contrapartida, imersas num plural e em um conflito de interesses, começaram a derribar tal conceito de vontade da maioria, porquanto, a evidência, as minorias reagiram contra o sufocamento imposto pela maioria, seja num primeiro passo, subliminarmente, seja depois, com eficiência e concretude.

Como bem observou Eduardo Appio76, a doutrina tradicional americana dizia que a regra da maioria expressava a "razão perfeita" quando estava no bojo da Constituição ou de uma lei, vinculando os juízes em suas decisões.

Frank Michelman77assevera existir um conflito na sociedade americana, pois se busca a vontade da maioria, de um lado, e, de

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outro, pretende-se proteger o grito das minorias contra a discriminação. Segundo o autor, "a regra da maioria foi originalmente pensada para assegurar igual consideração a respeito de cada pessoa".

Ronald Dworkin78contesta a validade da revisão judicial (judicial review), pois, incompatível com a democracia, já que a regra da maioria está de tal modo incrustrada em todos os segmentos político-jurisdicionais, que praticamente condiciona, ainda que de modo inconsciente, as decisões jurisdicionais.

A ideia da regra das maiorias teve pertinência na Idade Média, quando as sociedades eram mais homogêneas, sendo certo que a proteção das minorias era matéria fora de pauta.

Ocorre que, com a revolução industrial e o aceleramento das inovações técnicas, além do surgimento de ideologias críticas, as tensões sociais e subjetivas foram se acirrando, num caldeirão cultural em que as minorias começaram a protestar contra a massificação e a opressão engendrada pela maioria.

Nesse contexto, novas ópticas de democracias foram testadas, numa forma de reverter a opressão da maioria e proteger as minorias bem definidas.

Segundo Dworkin79,

A proteção das minorias foi um problema secundário que surgiu somente em resposta à percepção de que existem minorias - bem definidas, facilmente identificáveis, desassistidas - que sofrem um risco especial da efetiva exclusão do toma-lá-dá-cá da política majoritária pluralista.

John Rawls80, que idealiza o direito como equidade, assegurando o princípio da igualdade a todos, mas, de acordo com o princípio da diferença, os que se encontram em situação inferior na escala social

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devem receber o tratamento igualitário, conforme os fundamentos da convivência e da distribuição desigual de bens sociais, melhorando a perspectiva dos menos favorecidos.

Ronald Dworkin81define o "equilíbrio interpretativo", "no qual os juízes devem buscar uma interpretação que justifique o direito como um todo. O direito como integridade demanda uma interpretação principiológica coerente com toda a estrutura do direito", nas palavras de Appio82.

Hart83também sustenta que a Suprema Corte deve proteger a vontade das maiorias, excepcionando, todavia, as hipóteses em que ela deve proteger o direito das minorias, para assegurar direitos previstos na própria Carta Política, e para garantir a justiça e equidade no processo eleitoral.

Eduardo Appio84, em excelente trabalho de pesquisa de pós-doutorado (Universidade Federal do Paraná), publicado em livro, alinhavou as duas correntes (originalista e a não-originalista), e a posição de cada uma em relação à atualização da Constituição: para os originalistas, a emenda à Constituição é o único instrumento democrático para a reforma da Lei Suprema, ao passo que, para os não-originalistas, o sentido da Carta Magna pode ser agregado, enriquecido, por meio da interpretação constitucional.

Segundo Jeremy Waldron85, a interpretação fincada na busca da intenção do legislador resolve-se em simples figura de retórica.

A solução engendrada pelas democracias representativas, a partir do período oitocentista, parece mesmo ser o melhor caminho,

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segundo as próprias maiorias, já que, teoricamente, todos têm direito ao sufrágio, assim, ao menos em tese, o destino de uma sociedade estaria muito bem resguardado pela regra da maioria

Entretanto, as minorias, mesmo as representativas e atuantes, acabam sendo suprimidas em seus anseios, sendo que os debates políticos de um Estado, acerca, por exemplo, do direito ao casamento gay, direitos das mulheres e negros, seriam fatalmente decididos em favor das maiorias atuantes nas Casas Legislativas, provocando um distorção que pode ser reconhecida como o direito de opressão das maiorias. O Judiciário tem um papel importante nesse debate, haja vista que os direitos constitucionalmente garantidos e os princípios mais caros da Constituição - direito à igualdade...

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