Direito, Jurisdição e Estado

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Direito, Jurisdição e Estado
2 DIREITO, JURISDIÇÃO E ESTADO
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2.1 O Direito como Requisito para a Vida em Sociedade
A sociedade brasileira é extremamente sosticada. Com uma população que
ultrapassa 200 milhões de habitantes, seus grandes centros urbanos agregam milhares
e, às vezes, milhões de pessoas, organizados para prover todo tipo de bens e serviços
a m de satisfazer as necessidades de seus habitantes e de pessoas no exterior. Seus
membros podem viajar de avião, assistir à televisão por satélite, acessar a internet,
temperar suas saladas com azeite de oliva espanhol, comer trufas italianas e comprar
computadores chineses para trabalhar. Para alguém que nasceu, cresceu e vive nesse
contexto é relativamente fácil achar que essa forma de organização sociopolítica é
ubíqua e, até mesmo, natural. No entanto, a nossa atual forma de organização social
e política é resultado de milhares de anos de evolução e decorre de muitos experi-
mentos sociais, nem todos bem-sucedidos ou conducentes aos me smos resultados55.
Não por outra razão, até hoje há agrupamentos humanos que vivem em condições
que chamaríamos de pré-históricas, como os fayu da Indonésia.
Na década de 1980, os fayu eram cerca de 400 caçadores-coletores divididos em
quatro clãs na Nova Guiné, vagando por algumas centenas de quilômetros em busca
de comida e abrigo. De acordo com seus próprios registros56, sua população já alcan-
çou cerca de 2 mil habitantes, mas teria sido drasticamente reduzida ao referidos 400
membros em razão de assassinatos entre os fayu. Os fayu não possuíam um mecanismo
pacíco de resolução de conitos, que a maioria dos habitantes dos Estados modernos
toma como dado. Na mesma situação dos fayu há ainda outros agrupamentos humanos,
como os pirarrãs na Amazônia, os bosquímanos khoi-san57 no deserto do Kalahari na
África do Sul, e os sentineleses da Ilha Sentinela do Norte na Baía de Bengala.
Os fayu, os pirarrãs, os khoi-san e os sentineleses de um lado, e os habitantes dos
Estados modernos de outro, são extremos de um contínuo que representa o grau de
sosticação e organização que as sociedades humanas já alcançaram. De um extremo
a outro, de acordo com a evolução humana, foram sendo agregadas instituições e
tecnologias sociais que modicaram profundamente a forma de organização e, em
última instância, a qualidade de vida de seus membros. Os antropólogos culturais
usam muitas classicações para tentar organizar os variados estágios e formas de
organização sociopolítica, sendo a classicação mais simples e adequada aos nossos
propósitos a que organiza as sociedades humanas em quatro etapas58: (i) os bandos,
55. Para uma apresentação de vários sistemas jurídicos bem diferentes do nosso, sugiro a leitura de Friedman,
Leeson e Skarbek (2019).
56. Cf. Diamond (1999, p. 254).
57. Há alguma evidência genética de que os khoi-san sejam uma das mais antigas comunidades humanas, cf.
Schlebusch et allii (2012).
58. Cf. Service (1962). Para o leitor já familiarizado com a antropologia, é sempre importante lembrar que o livro
de Service é “apenas um começo cru, pouco mais que argumentos a favor de hipóteses, pois uma grande
quantidade de trabalho está diante de nós”. Service (1962, p. 182).

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