Tópicos Avançados na Teoria Positiva do Processo

Páginas150-208
5
Tópicos Avançados na
Teoria Positiva do Processo
5 TÓPICOS AVANÇADOS NA TEORIA POSITIVA DO PROCESSO
151
No capítulo anterior apresentamos e discutimos os fundamentos d a análise eco-
nômica do processo e os modelos básicos a partir dos quais fomos capazes de entender
e discutir fenômenos processuais sobre os quais a teoria do processo tradicional, via
de regra, não se debruça, tais como a decisão de ajuizar uma ação, de contestá-la ou de
celebrar um acordo. Agora, munidos desse ferramental, podemos expandir a análise
para alguns tópicos mais avançados e que não ainda foram explorados, mas que são
igualmente importantes para a compreensão do fenôm eno processual.
Em especial, vamos falar de quatro questões especícas: (i) a insuciência do
espaço de acordo para a celebração de um acordo; (ii) a função do duplo grau de ju-
risdição e seu impacto sobre a estrutura de incentivos dos litigantes; (iii) o impacto
do problema agente-principal entre cliente e advogado e, por m; (iv) uma apresen-
tação dos principais vieses id enticados na análise econômica comportamental e
que podem ser relevantes em uma discussão processual.
5.1 A Insuciência do Espaço de Acordo
No nal do capítulo anterior, utilizamos a Teoria dos Jogos para tentar entender o
impacto da presença de assimetria de informação no comportamento do réu ao decidir
se faz uma proposta de acordo ou se contesta a ação judicial após ser devidamente
citado. Agora, vamos usar a mesma teoria, mas um modelo diferente para estudar o
cenário em que, mesmo diante da existência de um excedente cooperativo e, portanto,
da racionalidade de celebração de um acordo, as partes talvez não consigam chegar
a um acordo e, portanto, cooperar.
Primeiro, vamos explorar essa possibilidade como o resultado do comporta-
mento estratégico das partes (Seção 5.1.1); depois, vamos explorar como esse com-
portamento pode ser o resultado da racionalidade prospectiva decorrente dos efeitos
dos custos irrecuperáveis sobre a estrutura de incentivos dos agentes (Seção 5.1.2).
5.1.1 Excesso de Negociação e o Dilema do Prisioneiro
Ao pensar sobre a questão do excesso de negociação, benecio-me da experiência
de décadas como mediador em grandes negociações, como litigante perante os tribu-
nais e como árbitro em arbitragens comerciais. Nesse sentido, a experiência mostra
que é de se esperar que, em casos emocionalmente carregados, como nos casos de
divórcio ou de dissolução societária de empresas familiares (a versão comercialista
do divórcio), as partes possam se comportar de maneira contrária ao seu próprio
interesse de longo prazo. A depender do contexto, em algumas circunstâncias, punir
ou prejudicar o outro lado da mesa pode trazer mais utilidade para a pessoa do que
resolver o problema.
Por outro lado, em situações não tão carregadas emocionalmente, seria de se
esperar uma postura mais objetiva, mais focada em resultados, especialmente quan-
ANÁLISE ECONÔMICA DO PROCESS O CIVIL Ivo T. Gico Jr.
152 do as partes estão acompanhadas de um advogado. O acordo deveria ser fácil de ser
alcançado. Todos os litígios em que há um excedente cooperativo deveriam terminar
em acordo, com as partes – devidamente orientadas por seus advogados – dividindo
o excedente e evitando os custos do litígio. No entanto, nem sempre é isso que ocorre,
mesmo quando há excedente a ser dividido. Por quê?
Uma possível explicação é o excesso de negociação ou o que os americanos
costumam chamar de hard bargaining. Assim como em quase toda relação com um
especialista, em geral, o cliente não é capaz de mensurar efetivamente a qualidade do
serviço do advogado, exceto pelos sinais externos facilmente perceptíveis358. No caso
de uma negociação, um advogado que se comporte de forma dura e intransigente
pode ser visto – pelo seu cliente – como um advogado que defende ferrenhamente
os seus interesses, enquanto o advogado mais ponderado, que considera os dois la-
dos da mesa, pode ser percebido como um advogado fraco, que capitula facilmente.
Sem saber como o cliente perceberá a qualidade de sua atuação, um advogado pode
simplesmente adotar a postura mais agressiva por precaução e, como veremos, isso
dicultará a negociação, podendo, inclusive, levar a um impasse359.
Apenas a título de exemplo, o autor deste livro teve a feliz oportunidade de
presenciar a negociação de uma dissolução societária em que o advogado do outro
lado era um antigo professor seu (sim, alguns ainda estão vivos). Antes mesmo de
começar a negociação, o professor entrou em contato para reforçar que, qual quer
palavra eventualmente mais dura dita durante as negociações não seria um ataque
pessoal, mas apenas o resultado de militância ferrenha. O que ele estava tentando
dizer é que, apesar de ser um cavalheiro e muito educado, o que de fato é, durante as
negociações, ele poderia agir, digamos assim, de forma mais dura.
Em tese, o papel de um advogado negociador é chegar a um resultado que seja
benéco para ambas as partes, pois, como visto na Seção 4.1.2 sobre a Teoria da Bar-
ganha, essa é a única forma de um acordo voluntário ser celebrado. Logo, a função de
um negociador é transformar um jogo de perde-ganha (jogo competitivo), em que o
358. Você já se perguntou por que muitos advogados gastam demasiadamente em ternos, relógios e carros caros
e escritórios nababescos? Da próxima vez, pergunte-se se não estão eles sinalizando para o cliente como são
prossionais bem-sucedidos. Tão bem-sucedidos que podem alocar recursos em luxos supéruos; logo, “de-
vem” ser bons advogados. Essa conduta se assemelha ao frondoso rabo do pavão que, ao invés de ajudar a sua
sobrevivência, diculta. Logo, sinaliza para a fêmea que seu detentor é tão jovem e forte que consegue manter
um rabo frondoso e ainda assim sobreviver. Em biologia evolucionária, esse tipo de estratégia é chamado de
sinalização. Na economia, a Teoria da Sinalização ou Teoria dos Sinais estuda os mecanismos utilizados por
alguns agentes para sinalizar (honesta ou desonestamente) informações para a outra parte e, assim, resolver
os problemas de assimetria de informação. A título de exemplo, para uma aplicação da Teoria da Sinalização
ao comportamento do consumidor, cf. Boulding e Kirmani (1993).
359. A literatura de negociação condena o uso da estratégia de posicionamento como um perigo aos sucessos
das negociações, mas a literatura comportamental sugere que o viés de ancoragem pode facilitar um acordo,
como discutido na Seção 5.4 adiante. Cf. Korobkin e Guthrie (1994).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT