A Natureza Econômica do Direito, dos Tribunais e a Tragédia do Judiciário

Páginas210-239
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A Natureza Econômica do Direito,
dos Tribunais e a Tragédia do Judiciário
6 A NATUREZA ECONÔMICA DO DIREITO, DOS T RIBUNAIS E A TRAGÉDIA DO JUDICIÁRIO
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O Judiciário464 é uma tecnologia institucional desenvolvida ao longo de milhares
de anos de experimentação humana com um único propósito: resolver disputas apli-
cando as regras jurídicas465. Como discutido no Capítulo 2, um Judiciário que funcione
bem é essencial para o desenvolvimento de qualquer nação. De uma perspectiva pú-
blica, a existência de um mecanismo imparcial de resolução de controvérsia permite
aos grupos políticos alcançar soluções de compromisso ex ante (ou seja, leis) que, se
violadas, serão devidamente impostas ex post por esse mecanismo externo (coerção)466.
Do ponto de vista privado, o Judiciário não apenas protege os direitos dos ci-
dadãos contra possíveis violações pelo próprio governo ( freios e contrapesos) e por
terceiros, mas também permite que os indivíduos cooperem uns com os outros para
atingir seus objetivos por meio da geração de compromissos críveis (ou seja, contra-
tos). No entanto, a função institucional do Judiciário requer que qualquer violação
de direito seja corrigida em tempo hábil. Nesse contexto, o congestionamento dos
tribunais é um problema socioeconômico que reduz a efetividade do Judiciário como
mecanismo de promoção de cooperação e de desenvolvimento e, em longo prazo, o
valor de coordenação do próprio direito.
Assim como a importância de um sistema adjudicatório para a construção e
manutenção de sociedades complexas é ancestral, a ideia de que a demora na pres-
tação jurisdicional equivale à sua negativa é milenar. Séculos antes da Era Comum, a
literatura judaica no Pirkei Avot, que faz parte do Mishnah, no Capítulo 5, parágrafo 8,
já dizia: “A espada veio ao mundo pela demora da justiça, pela perversão da justiça e
por aqueles que ensinam a Torá em desacordo com as leis aceitas.” No século XIII, a
parte nal da Cláusula 40 da Magna Carta dizia: “A ninguém nós venderemos, a nin-
guém nós negaremos ou retardaremos o direito ou a justiça.” E, como visto na Seção
3.4, a Constituição brasileira estabelece em seu art. 5º, inc. LXXVIII, que todos têm o
direito fundamental à duração razoável do processo.
No entanto, em quase todo o mundo, é comum dizer que o Judiciário está em
crise. Em muitos países, o Judiciário é considerado lento, ineciente e caro. Várias
reformas foram executadas para tentar acelerar os tribunais e muitas outras estão
em andamento, mas os resultados até agora não foram satisfatórios e é razoável diz er
que o número de casos e o congestionamento nos tribunais estão aumentando em
muitas jurisdições, inclusive no Brasil467.
Muitas razões foram oferecidas para explicar o congestionamento dos tribunais:
falta de recursos, procedimentos complexos, incentivos dos advogados, incentivos
464. Essa seção usa largamente os argumentos propostos e apresentados em Gico Jr. (2012; 2014; 2019; 2020), sem
necessariamente fazer referência a cada um deles, para simplicar o texto.
465. Para uma discussão sobre outras possíveis funções do Judiciário, cf. Shapiro (1981).
466. Revisite a discussão acompanhando a Figura 3-1: A Função Social do Judiciário.
467. “O Poder Judiciário nalizou o ano de 2018 com 78,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma
solução denitiva.” Cf. CNJ (2019, p. 79).

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