Direito natural contemporâneo

AutorMarcos Oliveira de Melo
Páginas119-160
119
cAPÍTULO 3
DIREITO NATURAL cONTEMPORÂNEO
3.1 Direito e Moral em Alexy: uma necessária reaproximação
3.1.1 Noções preliminares
Para o Positivismo, no conceito de direito resta tão somen-
te a denição da legalidade e da ecácia, não tendo vinculação
alguma com a moral. Essa premissa fundamentou inúmeras va-
riantes do Positivismo.
A ideia do Positivismo jurídico foi bem resumida no pen-
samento de Kelsen para quem “todo e qualquer conteúdo pode
ser direito”. Isso põe a moral apartada do conceito direito, em ou-
tras palavras, o que o direito é depende, exclusivamente, do que é
estabelecido (legalidade) e/ou ecaz (ecácia).
Kelsen, como representante do Positivismo jurídico orien-
tado para a normatização, arma que “o critério decisivo para
distinguir o Direito de outras ordens sociais é a coação, isto é,
a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como conse-
quência de uma situação de fato considerada socialmente pre-
judicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa
atingida e - em caso de resistência - mediante o emprego da força
física”. (KELSEN, 1998, p. 37).
120 Marcos oliveira de Melo
Nas diversas variantes do Positivismo, há uma evidente
separação entre direito e moral75 na formulação do resultado de
suas argumentações. Todavia, para todos os positivistas, não exis-
te nenhuma conexão conceitualmente necessária entre direito e
moral (argumento analítico da não-vinculação).
Alguns positivistas usam do argumento normativo para de-
monstrar que a tese da separação conceitual entre direito e moral
é necessária para que se alcance determinado objetivo ou para
que se cumpra determinada norma.
Para Nalini (2012, p. 105), a tese segundo a qual entre Di-
reito e moral existe uma conexão necessária, tem variantes im-
portantes, nem todas muito claras, a mais nítida:
[...] é aquela ligada à tradição tomista do Direito Natu-
ral. Ela compreende uma tese dupla: em primeiro lugar,
a de que existem certos princípios da verdade moral ou
justiça, que podem ser descobertos pela razão humana
sem o auxílio da revelação, ainda que sejam de origem
divina; em segundo lugar, a de que as leis humanas que
contrastam com esses princípios não constituem um Di-
reito válido.
Nesse importante debate contemporâneo, a obra de Robert
Alexy, Conceito e Validade do Direito, possui um relevo especial
por fazer uma crítica acentuada ao Positivismo, trazendo ao de-
bate a aproximação entre direito e moral.
75 Quando se defende a tese da separação (positivismo jurídico), é possível sus-
tentar, pelo menos, duas versões diferentes da mesma tese: uma versão forte,
a de que a Moral está necessariamente excluída do conceito de Direito; e uma
versão fraca, a de que a Moral, apesar de não estar necessariamente excluída,
não está conectada de forma conceitualmente necessária, sendo tal conexão
uma questão contingente, a depender daquilo que vem enunciado no Direito
Positivo (SOUSA, 2011).
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DIREITO NATURAL, DIREITO POSITIVO E HUMANISMO FRATERNAL
Alexy identicou, com propriedade, que toda estrutura
do pensamento positivista está assentada na ideia do conceito
de direito. Esse autor separa as diversas variantes positivistas em
dois grandes grupos: o dos conceitos de direito primariamente76
orientados para a ecácia e o dos conceitos de direito primaria-
mente orientados para a normatização.
Faz uma divisão acertada na perspectiva do observador e
na perspectiva do participante. “Enquanto a perspectiva do ob-
servador predomina nos conceitos de direito orientado para a e-
cácia, a perspectiva do partícipe é orientada para a normatização,
especialmente a do juiz, que está em primeiro plano” (ALEXY,
2011, p. 20).
No primeiro grupo (conceitos de direito primariamente
orientados para a ecácia), estão as teorias sociológicas e realistas
do direito, havendo uma distinção conforme se reram ao aspec-
to externo ou interno77 de uma norma ou de um sistema norma-
tivo, sem, contudo, desprezar uma eventual combinação.
De acordo com Alexy, existem, basicamente, três possibili-
dades para uma conexão entre Direito e Moral: a de que ela é con-
ceitualmente impossível; a de que ela é apenas conceitualmente
76A adição ‘primariamente’ tem por função tornar claro que, em regra, uma
orientação representa apenas o ponto principal, o que signica que a outra não
é totalmente excluída” (ALEXY, 2011, p. 15).
77 O aspecto externo de uma norma consiste na regularidade de sua observân-
cia e/ou sanção de sua não observância, linha principal das denições socioló-
gicas de direito. Um ordenamento se chamará Direito quando for garantido pela
possibilidade de coação, dirigida para a obtenção forçada de observância. O as-
pecto interno, a seu turno, consiste na motivação - independentemente de como
ela é formada - de sua observância e/ou aplicação (ALEXY, 2011). O Direito é
tudo o que as pessoas reconhecem como norma e regra. Quanto aos conceitos
de direito orientados para a normatização, residem, sobretudo, no âmbito da
teoria analítica do direito que procura estabelecer uma análise lógica ou concei-
tual da prática jurídica.

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