Direitos fundamentais sociais e ativismo judicial conservador: a indevida restrição de direitos de proteção social regulamentados

AutorJosé Antônio Savaris
Páginas236-252
DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E ATIVISMO JUDICIAL
CONSERVADOR: A INDEVIDA RESTRIÇÃO DE DIREITOS DE PROTEÇÃO
SOCIAL REGULAMENTADOS
José Antonio Savaris
Doutor em Direito (USP). Mestre em Direito Econômico e Social (PUC-PR). Docente Permanente
do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade do Vale do Itajaí — UNIVALI.
Juiz Federal da Terceira Turma Recursal/PR (TRF4). Presidente de Honra do Instituto Brasileiro
de Direito Previdenciário — IBDP.
1. INTRODUÇÃO
A crescente intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas destinadas à proteção e realização
de direitos fundamentais tem propiciado um largo campo de análise e infindáveis debates no terreno das
ciências políticas, da filosofia política e, de modo particular, na seara das ciências jurídicas.
O paradigma do Estado Democrático Constitucional consubstancia uma revolução copernicana na
teoria do direito e na dogmática constitucional(1). Ele manifesta a superação de um modelo em que a lei
ocupava lugar central no ordenamento jurídico, trazendo consigo a concepção de que a Constituição, antes
compreendida como um documento político, deve ser percebida como um sistema de normas de dignidade
superior que, a despeito de seu alto grau de generalidade, são dotadas de eficácia jurídica.
A supremacia das normas constitucionais e o caráter central dos direitos fundamentais no sistema
constitucional oferecem diretrizes que vinculam juridicamente todos os órgãos e atividades estatais, bem
como toda atuação dos particulares.
O fundamento primeiro dessas diretrizes é a proteção e a máxima efetivação dos direitos fundamentais,
sem descurar, por óbvio, das exigências que derivam da unidade da Constituição e, portanto, da necessidade
de composição harmônica de suas normas.
A tutela jurisdicional dos direitos fundamentais, ante a exigência de máxima concretização e efetiva
proteção dessas normas constitucionais, oferece diversas problemáticas de natureza política, jurídica, social
e econômica, porque colocam o Poder Judiciário na rota de interferência nos demais Poderes.
Como consequência, a questão do ativismo judicial no contexto do Estado Democrático Constitucional
encerra temática de que não pode ser subestimada pela academia, pois é o pano de fundo do poliedro da
judicialização de políticas públicas.
(1) A alteração de paradigma foi concebida como uma “revolução copernicana da juspublicística”. MIRANDA, Jorge. Prefácio da obra
Direitos humanos. FERREIRA DA CUNHA, Paulo (org.). Coimbra: Almedina, 2003. p. 11.
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DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E ATIVISMO JUDICIAL CONSERVADOR:
A INDEVIDA RESTRIÇÃO DE DIREITOS DE PROTEÇÃO SOCIAL REGULAMENTADOS
De todo modo, o ativismo judicial é frequentemente considerado desde uma perspectiva do excesso
judiciário com vistas à efetivação dos direitos fundamentais ou na definição de políticas públicas necessárias
à sua proteção.
O fenômeno do ativismo judiciário pode, contudo, assumir uma faceta conservadora, desde que a
intervenção na função legislativa ocorra para, ao contrário do que se poderia esperar, restringir os direitos
fundamentais cujo conteúdo já foi definido pelo Parlamento. Isso traz consequências mais graves, quanto
mais sejam esses direitos conectados com o direito à vida e à integridade física, e ao princípio da dignidade
da pessoa humana.
O presente trabalho se dedica, justamente, a analisar criticamente a função jurisdicional de direitos de
proteção social, esses direitos fundamentais que atendem as exigências de condições materiais mínimas
para subsistência digna.
O núcleo dos propósitos deste texto é um gênero de decisão judicial que restringe direitos sociais
básicos que foram regulados definitivamente pelo legislador, criando, como consequência, obstáculos para
a realização de direito público subjetivo, sem amparo em lei. Com esse objetivo, o trabalho é dividido em
quatro partes.
Na primeira seção, busca-se identificar, a partir do método indutivo, o processo de afirmação do Poder
Judiciário no sistema constitucional brasileiro, no contexto do Estado Democrático Constitucional, o que
pode abrir espaço para excessos ou desvios no exercício da função jurisdicional (ativismo judicial).
A segunda seção guarda o propósito de discutir as implicações da eficácia normativa e vinculante dos
direitos fundamentais para a jurisdição constitucional e na judicialização de políticas públicas.
Se as diretrizes interpretativas decorrentes da eficácia vinculante dos direitos fundamentais sugerem
o exercício de função jurisdicional protetiva ou expansiva dos direitos fundamentais, é necessária
também análise das restrições dos direitos fundamentais e das possibilidades judiciais no controle da
constitucionalidade da lei restritiva.
Mais do que isso, esse ponto, que compõe a terceira parte do presente texto, destina-se a rememorar
os termos em que se faz possível uma medida restritiva de direito fundamental. E, claro, com essa questão
se pavimenta a discussão, também pautada pelo método indutivo, relativa à (falta de) legitimidade da
atuação judicial que cerceia direitos fundamentais, porque cria requisitos de acesso à proteção social para
além daqueles que foram estabelecidos pelo Parlamento.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. ATIVISMO JUDICIAL NO CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL
É da essência da função jurisdicional a defesa dos direitos fundamentais(2). No diagrama dos Poderes
republicanos de um Estado Democrático Constitucional, parece ser intuitiva a vocação institucional e a
orientação do Poder Judiciário à proteção e à efetivação de direitos fundamentais contra atos ou omissões
abusivas das instâncias políticas.
No contexto do Estado Liberal, “a lei geral e abstracta é entendida já como a protecção da liberdade
e propriedade dos cidadãos ante o arbítrio do soberano”(3), percebendo-se, no paradigma da separação
dos Poderes e na limitação do Estado, pressupostos indispensáveis à garantia das liberdades individuais.
(2) MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 153.
(3) CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 624.

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