Os diversos tipos de responsabilidade

AutorCarlos Pinto Del Mar
Páginas27-47

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Responsabilidade civil e responsabilidade penal ou criminal

Responsabilidade, no sentido jurídico, significa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um direito de outrem.

A responsabilidade civil visa transmitir segurança às pessoas, garantindo a reparação do dano que porventura lhes for causado. Serve ainda como sanção civil, para inibir novas condutas que atentem contra o ordenamento jurídico.

O artigo 186 do Código Civil (que manteve a mesma essência do artigo 159 do antigo Código Civil de 1916) prevê que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral3. E o art. 927 do Código Civil estabelece que quem, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a reparar o dano4. Assim se encontram contemplados os princípios da responsabilidade e da indenização: se houver violação a um direito alheio, e a violação causar um dano, este deve ser reparado.

No CDC, a responsabilidade e o direito de indenização estão previstos no art. 6º, VI, que estabelece que é direito do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

A responsabilidade penal ou criminal é decorrente de fatos considerados crimes, se causados pelo construtor, como, por exemplo: desabamento, ou seja, a queda da construção em virtude de fator humano; desmoronamento, isto é, a que resulta da natureza; incêndio (quando provocado por sobrecarga elétrica), into-xicação ou morte por produtos industrializados (quando estes forem mal manipulados na produção ou quando não constem indicações da periculosidade), contaminação provocada por vazamentos de elementos radioativos e outros; a promoção da construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da

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autoridade competente ou em desacordo com a concedida. As ocorrências descritas são incrimináveis, havendo ou não lesão corporal ou dano material, desde que seja caracterizado o perigo à vida ou à propriedade, derivado da atividade do construtor, ou que para ele tenha contribuído.

Não há substancial diferença entre o ilícito civil e o ilícito penal, no sentido de que ambos representam violação de um dever jurídico ou à lei.

No ilícito civil, o agente infringe uma norma de direito privado e, causando dano, fica obrigado a repará-lo. Todavia, como a matéria é de interesse apenas do prejudicado, se este se resignar a sofrer o prejuízo, nenhuma consequência advirá para o causador do dano.

No ilícito penal, o agente infringe uma norma de direito público, e seu comportamento perturba a ordem social, constituindo crime ou contravenção. A reação da sociedade, ou do ordenamento jurídico, é representada pela aplicação de uma pena que, em regra, atinge a liberdade do ofensor. As penalidades criminais recaem sobre o profissional, depois de apurada a culpa (negligência, imprudência e imperícia).

Responsabilidade subjetiva e objetiva

A regra básica da responsabilidade civil no Direito privado é a responsabilidade com culpa. Para a teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade civil. Não havendo culpa, não havia responsabilidade5.

Contudo, em determinadas situações previstas em lei, o legislador admitiu a responsabilização do agente independentemente de culpa, denominada responsabilidade objetiva. O que diferencia a responsabilidade subjetiva da objetiva, pois, é a culpa.

Segundo Miguel Reale, na orientação seguida pelo novo Código Civil, “as duas formas de responsabilidade (objetiva e subjetiva) se conjugam e dinamizam, sendo que a responsabilidade subjetiva foi escolhida como norma, como regra geral, já que o indivíduo deve ser responsabilizado, em princípio, por sua ação ou omissão culposa ou dolosa”. No entanto, observa: “isto não exclui que, atendendo à estrutura dos negócios, se leve em conta a responsabilidade objetiva”6. Contrariamente

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a Reale, há doutrinadores que entendem que a responsabilidade objetiva passou a ser a regra geral, sobretudo porque o parágrafo único do art. 927 do CC a adota nas atividades empresariais, que congregam quase toda a atividade econômica7.

Como pode ser extraído do ensinamento de Caio Mário, o nosso Direito se encaminha para a inversão do fundamento da responsabilidade civil. Se antes a regra era da responsabilidade com culpa, hoje já se poderia afirmar que ela está se tornando exceção, sendo a regra a responsabilidade sem culpa. Segundo o autor, filosoficamente, a abolição total do conceito de culpa vai dar num resultado antis-social e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação de boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei, quanto para aquele outro que age ao seu arrepio8.

Com efeito, o Código Civil de 2002 ampliou as hipóteses de responsabilidade objetiva, em que a prova da culpa do causador do dano não se faz mais necessária.

Na responsabilidade objetiva, basta a demonstração do dano e do nexo causal entre a conduta e o resultado. Pouco importará se o agente atuou com culpa (negligência ou imprudência); pode inclusive ter tomado todo o cuidado possível para que o dano não ocorresse, mas, se este se deu, deverá repará-lo. Vale dizer, na responsabilidade objetiva, a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente9. O agente só afastará sua responsabilidade se provar a ocorrência de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

1.2. 1 Responsabilidade subjetiva no cdc (profissionais liberais etc )

O CDC prevê a adoção da responsabilidade subjetiva em algumas situações.

É o que acontece no caso de sociedades que se associam a outras, mas que conservam a autonomia patrimonial e administrativa, hipótese em que o CDC prevê que as sociedades coligadas só responderão por culpa (CDC, art. 28, § 4º).

Outra situação em que o CDC prevê a culpa como condição de responsabilidade é o caso dos profissionais liberais, aos quais se aplica a regra da responsabilidade

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subjetiva (CDC, art. 14, § 4º), de tal modo que a sua responsabilização também dependerá da apuração da culpa.

1.2. 2 Responsabilidade objetiva no cdc

A responsabilidade objetiva foi adotada como regra pelo Código de Defesa do Consumidor, não interessando investigar a conduta do fornecedor de bens ou serviços, mas somente se deu causa (responsabilidade causal) ao produto ou serviço, sendo responsável pela sua colocação no mercado de consumo10. Para o CDC, o fato gerador da responsabilidade objetiva do fornecedor não é a sua conduta deficiente, mas o defeito do produto que põe em circulação.

Tem-se procurado justificar a responsabilidade objetiva com a alegação de que al-guns danos não podem deixar de ser ressarcidos e, como a causa desses danos nem sempre é um comportamento culposo, ao manter-se a culpa como pressuposto da responsabilidade e da indenização, isso poderia constituir um obstáculo à reparação e, consequentemente, a violação a um princípio de direito (o da reparação).

Alguns autores apresentam objeções a essa fundamentação11, mas a doutrina majoritária fundamenta e justifica a responsabilidade objetiva nas diversas teorias que existem sobre o risco, com base na premissa de que, aquele que tem o proveito de certa atividade deve suportar os riscos que esta proporciona. Trata-se da teoria do risco do negócio, incorporada pela Constituição Federal (art. 1º, IV, c/c art. 170 da CF12). Segundo esse entendimento, no regime da livre iniciativa o risco é inerente à atividade econômica, de tal sorte que quem empreende corre o risco do negócio, ou seja, do sucesso ou insucesso, e, se a atividade causa dano, este deve ser reparado, ainda que a conduta do agente seja isenta de culpa. Uma das teorias sobre o risco que mais se identifica com a responsabilidade objetiva, já que se esgota na simples verificação do nexo de causalidade, é a teoria do risco integral, em que basta a existência do dano ligado a um fato para que surja o direito a indenização. Outras teorias existem sobre o risco, em suas várias modalidades, que igualmente fundamentam a responsabilidade objetiva, como a teoria

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dos atos normais e anormais, medidos pelo padrão médio da sociedade; a teoria do risco criado (adotada pelo Código Civil), segundo a qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente, que cria risco a direitos ou interesses alheios; nessa teoria, não se cogita de proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma, que é potencialmente geradora de risco13. Há ainda a teoria do risco proveito, que pode ser considerada uma variação da teoria do risco criado, em que o dever de indenizar tem de recair, independentemente de culpa, sobre quem exerce, em seu proveito, uma atividade criadora de riscos para outros; não apenas a atividade em si, mas o ganho que se tira dela...

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