Do macrossistema de tratamento adequado de conflitos ao microssistema de autocomposição

AutorHelio Antunes Carlos
Ocupação do AutorMestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Páginas145-211
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Capítulo 5
DO MACROSSISTEMA DE TRATAMENTO ADEQUADO
DE CONFLITOS AO MICROSSISTEMA DE
AUTOCOMPOSIÇÃO
A palavra sistema é plurissignificativa e multidisciplinar, visto
que é adotada pelos diversos ramos das ciências, sem que haja uma
unidade de sentido v.g., sistema solar, ecossistema, sistema político,
sistema financeiro, etc.
Em interessante estudo acerca da falta de cientificidade dos
sistemas processuais penais, Rodrigo Régnier Chemim Guimarães
realiza um incurso histórico acerca da evolução do conceito de sistema,
no qual calha destacar os seguintes marcos: 1º) uso primitivo da palavra
“sistema” em Aristóteles nesse período, prevaleceu o sentido
conferido por Aristóteles a sistema como uma mera organização de
ideias; 2º) processo de secular ização a concepção organizacional de
Aristóteles continua a exercer influência, entretanto, um
distanciamento da visão teológica de mundo. O sistema heliocêntrico,
de Nicolau Copérnico, fulminou a visão dogmática de mundo
geocêntrico aristotélico-cristão; 3º) noção de sistema em Chistian Wolff
o labor desse filósofo é considerado um marco na ideia de sistema,
em razão de ter alcançado a noção de “ordem”, obtida entre as
semelhanças e distinções, a qual será basilar para o desenvolvimento do
pensamento de Immanuel Kant, que o sucedeu; 4º) sistemas em
Immanuel Kant o conceito de sistema desenvolvido por Kant continua
sendo até hoje o paradigma de qualquer discurso que se desenvolve na
matéria. Segundo esse pensamento, todo sistema deve ter por
fundamento um “princípio de unidade sistêmica”, ou seja, o sistema
deve ser identificado a partir de uma racional ideia fundante. Nesse
sentido, há uma distinção entre “unidade técnica” e “sistema”, visto que
este último é observado a partir de uma ideia fundante construída a
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priori, enquanto aquela é fruto de uma mera constatação empírica,
observada a posteriori; 5º) sistemas em Ludwing Von Bertalanffy
partindo do conceito de sistema de Kant (baseada no princípio
unificador), esse pensador se preocupou mais com a construção de uma
“teoria geral dos sistemas” do que com a identificação de um conceito
preciso. Tal teoria trabalha com a dicotomia entre sistemas abertos e
fechados, demonstrando uma especial preocupação com as funções dos
sistemas, em detrimento de uma visão meramente estrutural desses; 6º)
sistemas em Claus-Wilhelm Canaris partindo do pensamento
kantiano, trata-se de importante abordagem dos sistemas sob a ótica
jurídica, a qual destaca a importância da “interpretação sistemática”
como forma de eliminar quebras e lacunas desse sistema. Tal pensador
defende a possibilidade de existir mais de um princípio unificador de
um sistema, ou seja, é possível que haja “princípios constitutivos
portadores de unidade”; 7º) sistema em Talcott P arsons consiste em
um discurso funcionalista de sistemas, segundo o qual os sistemas
sociais se apresentariam como “sistemas de ação”, com quatro funções
primárias: a manutenção do padrão, a integração, a realização de um
objetivo e a adaptação. Portanto, tal teoria considerava os sistemas
sociais como sistemas abertos (Bertalanffy) baseados em uma ideia
fundante, a partir de princípios unificadores (Kant); 8º) sistemas em
Maturana e Varella a partir de uma noção formulada na Biologia, um
sistema seria caracterizado pela sua função autopoiética, ou seja, o
sistema se caracterizaria pela sua capacidade de se produzir de modo
contínuo a si próprio; 9º) sistemas em Niklas Luhmann tal sociólogo
desenvolve um conceito de “sistema social” voltado a analisar sistemas
complexos, no qual realiza uma diferenciação entre “sistema” e
“ambiente”, que constituem duas partes de uma forma que, apesar de
existirem separadamente, não podem existir uma sem a outra349.
A partir dessa análise, verifica-se que a teoria dos sistemas
sofreu grande evolução ao longo do tempo, sendo certo que a sucessão
de teorias não representou, necessariamente, uma superação das teorias
349 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Ensaio em busca dos sistemas
processuais penais. Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, ano 10, n. 8, Porto
Alegre: FMP, 2010. p. 235-271.
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antecedentes. Especialmente a partir de Immanuel Kant, verifica-se a
fusão de ideias e conceitos que propiciou a formulação e o
desenvolvimento de uma teoria dos sistemas.
Essas ideias e conceitos merecem uma abordagem mais
detalhada, pois o presente trabalho tenta fugir de uma análise
sistemática que se resuma a uma mera organização de ideias,
prestigiando uma visão operativa do Microssistema de
Autocomposição, bem como as interações que esse realiza com os
demais sistemas que formam o seu ambiente circundante.
Nesse sentido, cumpre-se salientar que a distinção entre sistema
e ambiente é obtida a partir da diferença, ou seja, tudo aquilo que não
pertence a um sistema deve ser considerado como seu ambiente350. Sob
essa perspectiva, outros sistemas podem se apresentar como meio
ambiente em relação a determinado sistema. Assim, “um sistema
caracteriza-se pela diferença com seu ambiente e pelas operações
internas de autoreprodução de seus elementos”351.
A partir de tal premissa, Niklas Luhmann defende que os
sistemas sociais são cognitivamente abertos e operativamente fechados.
Por serem operativamente fechados, o ambiente não interfere na
operação interna do sistema, o qual se auto-organiza e autorreproduz
(autopoiese) através de suas próprias operações.352
A autorreprodução somente é possível, porque o meio ambiente
não modifica o sistema. Este que, na verdade, reage às irritações,
estímulos ou perturbações causados por aquele (autoirritação)353. Tal
interação entre os sistemas é chamada de acoplamento estrutura l, por
meio do qual o sistema seleciona no ambiente o que é relevante para as
suas operações internas.
Para uma adequada compreensão do acoplamento estrutural,
impende se observar que ele não se opera entre o sistema e a totalidade
350 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial.
2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 66-67.
351 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial.
2011, p. 66.
352 LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. Trad. Ana Cristina
Arantes Nasser. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 112/113.
353 LUHMANN. Introdução à Teoria dos Sistemas. 2011. p.132.

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