A reconfiguração do direito processual civil a partir do código de processo civil de 2015

AutorHelio Antunes Carlos
Ocupação do AutorMestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Páginas103-144
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Capítulo 4
A RECONFIGURAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL
CIVIL A PARTIR DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE
2015
Desde já, cumpre se esclarecer que o recorte do Código de
Processo Civil de 2015 para capítulo próprio não atende a um critério
cronológico, conforme se pode perceber. O objetivo desse destaque se
justifica pelo papel fundamental que tal diploma exerce no tratamento
de conflitos no Brasil, bem como pela necessidade de um maior
detalhamento do espírito que orienta tal diploma.
A Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015, instituiu o atual
Código de Processo Civil, o qual não representou uma mera
modificação legislativa, nem, tampouco, uma mera substituição de um
código por outro.
Na verdade, o CPC/2015 impôs uma verdadeira releitura de
vários institutos jurídicos, dado que na mesma esteira do que ocorreu
com o Código Civil apresenta um método de pensamento que importa
em uma ressistematização do Direito Processual Civil. Deve ele,
portanto, ser encarado como uma revolução no ordenamento jurídico,
sob pena, inclusive, de transformar o CPC/73 em um “bode expiatório”
254.
254 “O fenômeno reflete a dinâmica exposta pela ideia do “bode expiatório” de Girard,
tendo o Código Processual Civil de 1973 assumido a culpa pelas dificuldades
existentes. Dessa forma, nada mais natural do que o seu sacrifício, como resposta à
insatisfação social. Realizado o sacrifício, as esperanças se renovam e os ânimos são
acalmados, até o momento em que se mostre necessário o apontamento de um novo
culpado pelos problemas que hão de (res)surgir com o tempo. Ou seja, uma vez
alimentada a ilusão de que um novo Código de Processo Civil pode solucionar a crise
do judiciário, problemas continuarão sem solução efetiva, exigindo com o tempo novas
vítimas expiatórias. [...]” (MAZZEI, Rodrigo. Breve Olhar Sobre os Temas de
Processo Civil a Partir das Linhas Mestras de René Girard. Revista Brasileira de
Direito Processual. Belo Horizonte: 2013, v. 21, n. 83, jul./set., p. 13-26.)
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A partir dessa nova configuração, verifica-se uma mudança de
paradigma na interlocução entre Constituição Federal, Código de
Processo Civil, Código Civil e demais legislações especiais.
Embora o direito processual civil e o direito
privado sejam “ramos” do direito dotados de
autonomia, é inegável que exista um certo diálogo
entre eles. O fato de, no processo, conviverem tanto
aspectos outrora reservados exclusivamente ao
direito privado quanto aspectos do que
classicamente se denomina direito público faz com
que, os fundamentos da evolução do direito
privado sirvam como espelho a partir do qual é
possível enxergar melhor o modelo atual de
processo. Note-se que a socialização e a
publicização do processo civil é um fenômeno
paralelo à socialização do direito privado, o qual
foi invadido pela regulação estatal. A autonomia
privada que no direito civil estava alicerçada na
noção de negócio jurídico também foi sendo
gradualmente reduzida, sem que tenha
desaparecido. Com a constitucionalização do
direito civil seus institutos funcionalizam-se,
abandonando-se o seu caráter individualista e
patrimonialista. No processo, porém, a
socialização e a publicização praticamente
sufocaram a autonomia privada isso talvez tenha
se dado em razão do reconhecimento de que o
processo fosse um ramo do direito público. Hoje,
todavia, os caminhos da constitucionalização do
direito privado e do direito processual civil se
entrecruzem, até porque assim como a unidade do
direito privado está na Constituição, também nela
está a unidade do fenômeno jurídico. [...]255
255 RAATZ. Autonomia Privada e Processo Civil: Negócios Jurídicos Processuais,
Flexibilização Procedimental e o Direito à Participação na Construção do Caso
Concreto. 2017. p. 126.
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Assim, o CPC/2015 consolidou uma noção “neoprivatista”256 de
processo ao estabelecer um ambiente dialógico, no qual o processo não
pode mais ser concebido “como coisa das partes” (Sache der Partein),
nem tampouco com uma visão publicística exacerbada.
Se, por um lado, não é dado à jurisdição se traduzir em arbítrio,
também não se pode admitir que o processo interessa apenas às partes
da relação processual, diante da capacidade de um julgamento
repercutir na esfera de direitos de quem não integrou o processo como
parte. É o que se verifica nos processos coletivos (v.g., no art. 16 da Lei
n.º 7.347/85, no art. 18 da Lei n.º 4.717/1965 e no art. 103 da Lei
8.078/90), em algumas hipóteses de intervenção de terceiros (v.g., o
assistente simples art. 123 do CPC/2015) e especialmente quando os
julgamentos ocasionarem a criação de precedentes, os quais têm
natureza jurídica de norma.
A interpretação do CPC/2015 impõe uma verdadeira
reconfiguração do processo civil, a partir de uma visão constitucional
de processo, assim compreendido como um direito fundamental
assegurador da liberdade dos indivíduos257.
Nesse contexto, impende se observar que o CPC/2015 parece se
amoldar perfeitamente ao Formalismo-Valorativo ao consagrar, em seu
art. 1º, que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado
conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na
Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as
disposições deste Código”.
Note-se que o art. 1º determina a observância não apenas das
normas regras e princípios , mas também dos valores258
256 BARBOSA MOREIRA. José Carlos. O neoprivatismo no processo civil. In:
DIDIER JR., Fredie (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. Salvador:
Juspodivm: 2010, p. 345-356.
257 ZANETI JÚNIOR. A Constitucionalização do Processo. O modelo constitucional
da justiça brasileira e as relações entre processo e constituição. 2014. p. 47.
258 “[...] A diferença entre princípios e valores é reduzida, assim, a um ponto. Aquilo
que, no modelo de valores, é prima facie o melhor é, no modelo de princípios, prima
facie devido; e aquilo que é, no modelo de valores, definitivamente o melhor é, no
modelo de princípios, definitivamente devido. Princípios e valores diferenciam-se,
portanto, somente em virtude de seu caráter deontológico, no primeiro caso, e

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