O microssistema de autocomposição

AutorHelio Antunes Carlos
Ocupação do AutorMestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Páginas255-428
255
Capítulo 7
O MICROSSISTEMA DE AUTOCOMPOSIÇÃO
7.1. Noções fundamentais: estrutura e diálogo entre
procedimentos
De início, cumpre se recordar que o Microssistema de
Autocomposição é fruto do acoplamento estrutural entre os sistemas de
heterocomposição e autocomposição operado, principalmente, pela Lei
de Medição, pela Resolução CNJ n.º 125/2010 e por parte altamente
selecionada do CPC/2015 (e não de todo o código).
Assim, o acomplamento estrutural não se opera entre o todo de
ambos os sistemas, mas apenas entre partes escolhidas de maneira
altamente seletiva584. Nesse sentido, a parte selecionada do CPC/2015
não é representada apenas pelos módulos autocompositivos, presentes
no procedimento comum (art. 334) e nos procedimentos especiais de
ações de família (arts. 695 a 697) e de ações possessórias
multitudinárias (art. 565), mas também pelas normas fundamentais de
processo civil (arts. 1º a 12) e por algumas normas dispersas por todo
código, v.g.: a que estabelece o dever de o juiz promover, a qualquer
tempo, a autocomposição (art. 139, V); a que estabelece o dever de o
oficial de justiça certificar, no mandado, eventual proposta de
autocomposição (art. 154, VI); as que dispõem acerca dos conciliadores
e mediadores judiciais (arts. 165 a 175); a que estabelece uma cláusula
geral de negociação processual (art. 190); a que estabelece a opção, na
petição inicial, pela realização ou não da audiência de conciliação ou
mediação (art. 319, VII); a que viabiliza a produção antecipada de
prova, sem que exista o requisito da urgência, para viabilizar a
autocomposição ou evitar o ajuizamento da ação (art. 381, II e III); a
que possibilita que a autocomposição judicial e extrajudicial seja
584 LUHMANN. Introdução à Teoria dos Sistemas. 2011. p. 131.
256
homologada em juízo, constituindo-se em título executivo judicial (art.
515, II e III); a que possibilita que a autocomposição judicial possa
envolver sujeito estranho ao processo e versar sobre relação jurídica que
não tenha sido deduzida em juízo (art. 515, §2º); a qual prevê um
procedimento especial de jurisdição voluntária de homologação de
autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor (art. 725,
VIII). Assim, o Microssistema de Autocomposição se mostra
substancialmente distinto de boa parte dos microssistemas do nosso
ordenamento, pois esses se formam através da conjugação de leis
extravagantes e/ou no bojo de estatutos, o que resulta na aplicação da
legislação codificada apenas em caráter subsidiário. De modo diverso,
o Microssistema de Autocomposição é composto, em parte, pela própria
legislação codificada585, a qual mantém comunicação com outras
legislações através de seus princípios e cláusulas gerais.
No tocante aos princípios, cumpre se observar que o
Microssistema de Autocomposição se utiliza não apenas dos princípios
específicos da conciliação e da mediação e do autorregramento da
vontade, mas também dos princípios fundamentais de processo.
Dentre as cláusulas gerais espalhadas pelo Código, merecem
destaque, para os fins do presente estudo, a cláusula geral de
tratamentos adequados de conflitos586 (art. 3º do CPC/2015) e a cláusula
585 “Ocorre que, na hipótese analisada, o código de 2015 se apresenta como um dos
diplomas que compõem o microssistema. Sua aplicação, então, não será subsidiária,
mas direta; embora precise ser harmonizada com as disposições normativas positivadas
na Lei nº 13.140/2015; contexto em que regulamento instituído pela Resolução nº
125/2010 do Conselho Nacional de Justiça tem papel fundamental na compatibilização
de seus dispositivos.” (MADUREIRA, Claudio. Comentários ao art. 48 da Lei de
Mediação. In: CABRAL, Trícia Navarro Xavier; CURY, Cesar Felipe. Lei de
Mediação comentada artigo por artigo: dedicado à memória da Prof. Ada Pellegrini
Grinover. Indaiatuba: Editora Foco, 2018. p. 258).
586 No mesmo sentido, mas adotando nomenclatura diversa, Fredie Didier Jr. e Hermes
Zaneti Jr. fazem referência à “atipicidade dos meios de solução de conflitos” (DIDIER
JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Justiça multiportas e tutela constitucional
adequada: Autocomposição em Direitos Coletivos. In: ZANETI JR., Hermes;
CABRAL, Trícia Navarro Xavier (Coord.); DIDIER JR., Fredie (Coord. Geral).
Justiça multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução
adequada de conflitos. Coleção Grandes Temas do Novo CPC. Salvador: Juspodivm,
2016.p. 36.)
257
geral de negociação processual (art. 190 do CPC/2015)587, as quais
oportunizam aos sujeitos do processo a adoção de uma ampla gama de
possibilidades de tratamento dos conflitos e de flexibilização
procedimental, através de diálogos de procedimentos e importação de
técnicas diferenciadas.
Assim, o CPC/2015 não é aplicado apenas subsidiariamente,
dado que assume um papel participativo, no qual estabelece um amplo
diálogo com a Lei de Mediação, com a Resolução CNJ n.º 125/2010 e
com diversas outras normas, dentre as quais cumpre se destacar: o
Código Civil de 2002, a CLT, a Lei 9.099/95, o Código de Defesa do
Consumidor, a Resolução CJF nº 38/2016, a Resolução CSJT n.º
14/2016, a Resolução CNMP nº 118/2014, a Lei Complementar n.º
80/94, a Resolução do Conselho Federal da OAB n.º 02/2015.
Note-se que, nesse ponto, a posição ora adotada dista da
defendia por Ada Pellegrini Grinover, para quem o “minissistema de
justiça consensual” se esgotaria nos três primeiros marcos regulatórios
referidos588.Todavia, tal orientação não parece a melhor a ser adotada,
587 Tal nomenclatura é utilizada por Leonardo Carneiro da Cunha (CUNHA, Leonardo
Carneiro da Cunha. Comentários ao art. 190 do CPC. In: CABRAL, Antonio do Passo;
CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Rio
de Janeiro: Forense, 2015. p. 323. No mesmo sentido, mas adotando nomenclaturas
diversas Antônio do Passo Cabral se refere à “cláusula geral de convencionalidade no
processo” (CABRAL. Convenções Processuais. 2016. p. 90-91) e Pedro Henrique
Nogueira à “cláusula geral de negociação sobre processo (NOGUEIRA. Negócios
Jurídicos Processuais. 2017. p.227). Apesar de todas as nomenclaturas estarem
igualmente corretas, a opção pela primeira, no presente trabalho, reside na
consideração de que negócio jurídico é termo mais amplo do que convenção e,
portanto, não conflitaria com nenhuma das nomenclaturas empregadas na doutrina.
588 Os marcos regulatórios que regem hoje os métodos consensuais no Brasil são três:
a) a Resolução n. 125/2001 do Conselho Nacional de Justiça, que embora em nível
de norma administrativa instituiu e continua regendo a política nacional dos meios
adequados de solução de conflitos e b) os novos dispositivos do CPC; c) as normas
sucessivamente promulgadas da Lei de Mediação (Lei n.º 13.140/2015). Em sua
grande maioria, as normas dos marcos regulatórios são compatíveis e complementares,
aplicando-se suas disposições à matéria. Mas há alguma incompatibilidade entre
poucas regras do novo CPC ou da Resolução em comparação com as da Lei de
Mediação, de modo que, quando entrarem em conflito, as desta última deverão
prevalecer (por se tratar de lei posterior, que revoga a anterior, e de lei específica, que
derroga a genérica, bem como da prevalência da lei na hierarquia dos atos
administrativos). Apesar disto, pode-se falar hoje de um minissistema brasileiro de
métodos consensuais de solução de conflitos formado pela Resolução n.º 125, pelo

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT