Habilidades de autocomposição: breves aportes práticos

AutorHelio Antunes Carlos
Ocupação do AutorMestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Páginas213-254
213
Capítulo 6
HABILIDADES DE AUTOCOMPOSIÇÃO:
BREVES APORTES PRÁTICOS
A adequada formação de um mediador ou de um profissional
colaborativo exige, além de conhecimento teórico, o desenvolvimento
de habilidades práticas para conduzir as pessoas em conflito à obtenção
de um acordo ou para viabilizar o reestabelecimento do diálogo entre
elas. Entretanto, variadas são as abordagens acerca das ferramentas
que devem ser utilizadas pelos profissionais para a consecução daqueles
objetivos. Isso se deve por fatores de duas ordens: diferentes modelos
de procedimento e a singularidade dos conflitos.
Inicialmente, cumpre se observar que cada conflito é único, haja
vista que não é fenômeno estanque. O conflito é dinâmico e envolve
comportamentos, sentimentos e interesses próprios, os quais podem
estar em maior ou menor grau manifestados ou latentes e, por tal razão,
sempre possuem as suas próprias particularidades, apesar de ser
possível a identificação de elementos comuns entre eles.
Cada contexto é único e demanda singular
adequação e proporcionalidade na escolha e na
utilização dos diferentes recursos à disposição do
mediador. O domínio dos propósitos, da forma de
operacionalização e dos possíveis impactos de cada
um dos instrumentos, aliado à sensibilidade e
criatividade do mediador na identificação do
melhor momento de intervenção e na percepção
das especificidades/peculiaridades do caso, será
determinante para uma condução na negociação
assistida.513
513 LIMA, Evandro Souza e; PELAJO, Samantha. Dinâmica da Mediação: Ferramentas
alguns aportes. In: ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva
214
No tocante aos modelos de procedimento, os três modelos mais
citados são o da Escola de Harvard, a Transformativa e a Circular-
Narrativa514, os quais possuiriam objetivos e métodos distintos. Tal
divisão foi proposta, originalmente, por Marinês Suares e é objeto de
críticas por Diego Faleck, para quem tal divisão careceria de rigor
empírico, confundiria os conceitos de “escola” e “método” e
promoveria desinformação e limitação dos profissionais a recursos e
possibilidades de atuação515.
Com a devida vênia, a existência ou não de escolas se apresenta
muito mais como uma questão de perspectiva e de classificação acerca
de seus elementos essenciais do que como equívoco propriamente dito,
uma vez que, de fato, verificam-se diferenças de objetivos e métodos
entre tais modelos516.
Nesse sentido, cumpre se observar que a Escola de Harvard
parte de um método próprio de negociação baseada em princípios, no
qual se busca: a separação das pessoas dos problemas; abandono de
posições para estabelecer o foco nos interesses; criação de opções
criativas que representem ganhos mútuos; adoção de critérios objetivos.
Ademais, tem por escopo a obtenção de um acordo construtivo, em que
o processo de tomada de decisão passa pela identificação do seu
(Coord.). Mediação de conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes. Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 272.
514 SALES, Lilia Maia de Morais; RABELO, Cilana de Morais Soares. Meios
consensuais de solução de conflitos: Instrumentos de democracia. Revista de
Informação Legislativa Brasília. a. 46 n. 182 abr./jun. 2009.
515 FALECK, Diego. Manual de Design de Sistemas de Disputas: criação de
estratégias e processos eficazes para tratar conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2018. p.110-111.
516 “No universo da mediaç ão, há, porém, uma clara dicotomia entre as escolas linear
e transformativa. Cada mediador opta pela ideologia de uma ou de outra no
estabelecimento de sua prática. O Novo CPC não faz uma opção exclusiva. Em que
pese a vontade do legislador em empregar a mediação como meio de com bate ao
acúmulo de processos, o art. 165, §3º, não permite que se extraia uma manifesta opção
pela linha de Harvard.” (ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA,
Fernanda Medina. Técnicas e procedimentos de mediação no novo Código de Processo
Civil. In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA, Fernanda Medina;
PELAJO, Samantha (Coord.). A mediação no novo Código de Processo Civil. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 145-146.)
215
BATNA Melhor Alternativa a um Acordo Negociado e o da parte
contrária517.
A Escola Transformativa, por sua vez, considera o acordo como
um elemento meramente acidental, uma vez que tem seu foco na
melhora da qualidade da interação entre as partes envolvidas no
conflito, através de um método focado no empoderamento e no
reconhecimento mútuos como instrumentos para inversão da espiral de
um conflito, a qual passaria de uma trajetória destrutiva para uma
construtiva518.
Segundo Carlos Eduardo de Vasconcelos, a Escola Circular-
Narrativa apresenta, como mais destacada peculiaridade, a condução
dos mediandos no sentido de desconstruir as narrativas iniciais, pois
essas têm influência nas subsequentes, em razão do fenômeno
denominado “colonização das narrativas”. Tal método privilegia, no
início, as reuniões individuais, em procedimento no qual são
empregadas microtécnicas (1. Interrogativas: perguntas informativas e
desestabilizantes da narrativa; 2. Afirmativas: reformulação; conotação
positiva, legitimação, recontextualização), minitécnicas
(externalização, resumo, equipe reflexiva), técnica (contextualização de
nova história, através da construção de uma história alternativa) e
macrotécnica (uso circular-recursivo de todas as técnicas anteriores no
encontro de mediação)519.
Assim, verifica-se que os modelos possuem distinções que os
individualizam. Todavia, a crítica formulada por Diego Faleck não é
desprovida de propósito, pois, realmente, não se deve incorrer em
equívocos, v.g., como o de acreditar que a Escola de Harvard se
destinaria ao campo de conflitos empresariais, enquanto a Circular-
Narrativa se destinaria ao tratamento de conflitos familiares. Tal
517 FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: a
negociação de acordos sem concessões. Tradução Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges.
Rio de Janeiro: Sextante. 2018. p. 21-131.
518 BUSH, Robert A. Baruch; FOLGER, Joseph. The promise of mediation: the
transformative appr oach to conflict. San Francisco: Jossey-Bass, 2005. p. 41-84.
519 VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas
Restaurativas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.p. 194-199.

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