Histórico da autocomposição no Brasil: do Brasil império aos dias atuais

AutorHelio Antunes Carlos
Ocupação do AutorMestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
Páginas43-101
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Capítulo 3
HISTÓRICO DA AUTOCOMPOSIÇÃO NO BRASIL:
DO BRASIL IMPÉRIO AOS DIAS ATUAIS
Há um ditado árabe que diz: “quem planta tâmaras não colhe
tâmaras”. Tal ditado foi criado, porque, antigamente, uma tamareira
demorava de 80 a 100 anos para dar frutos. Assim, a análise da evolução
da autocomposição se mostra imprescindível neste estudo, como forma
de entender os frutos que colhemos no presente, mas, principalmente,
para se refletir sobre o que as futuras gerações colherão.
Assim, a fixação dos principais marcos históricos e as suas
correntes de pensamento influenciadoras permitem uma adequada
compreensão da correta interpretação que deve ser conferida aos
institutos nos dias atuais.
A presente abordagem se iniciará a partir do Brasil do Império.
Todavia, cumpre se observar que, por ocasião da Independência,
vigoravam no país as Ordenações Filipinas, que, seguindo as
ordenações que lhe antecederam, possuíam a seguinte estrutura: “Livro
I Direito Administrativo e Organização Judiciária; Livro II Direito
dos Eclesiásticos; Livro III Processo Civil; Livro IV Direito Civil e
Comercial; Livro V Direito Penal e Processual Penal”62.
A partir da própria disposição organizacional das Ordenações
Filipinas, verifica-se a ausência de uma separação científica entre o
direito material e o direito processual, marca do período conhecido
como sincrético ou praxista.
62 MAZZEI, Rodrigo Reis. Breve história (ou “estória”) do Direito Processual Civil
brasileiro: das Ordenações até a derrocada do Código de Processo Civil de 1973.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, ano 12, n. 16, jul./dez, p. 177 - 204,
2014/ MAZZEI, Rodrigo Reis. Breve história (ou ‘estória’) do Direito Processual Civil
brasileiro: das Ordenações até a derrocada do Cód igo de Processo Civil de 1973. In:
MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre. Parte Geral.
Coleção Novo CPC Doutrina Selecionada. Salvador: Juspodivm, 2016, 1v. p. 41-69.
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Em que pese haja na doutrina certa divergência acerca da
nomenclatura das fases do direito processual63, no presente trabalho se
adotará a seguinte divisão de fases: 1ª) sincrética ou praxista; 2ª)
autonomista ou processualismo; 3ª) instrumentalista; 4ª) formalismo-
valorativo.
Na primeira fase, não existia autonomia científica do processo
civil, o qual apenas se apresentava como um apêndice do Direito Civil,
estudado no seu aspecto externo do procedimento. Prevalecia uma visão
privatista do processo civil, na qual não se visualizava diferença entre
direitos e exercício de direitos, bem como entre direito de ação e direito
subjetivo, a partir de uma visão imanentista entre a ação e o direito
material64.
A inspiração liberal individualista dessa fase processual na
qual a neutralidade e a passividade do juiz conduziram à noção do
processo como coisa das partes (Sache der Pa rteien) não logrou
satisfazer as reais exigências de liberdade e igualdade dos setores
menos favorecidos da sociedade.
63 Dinamarco divide a história do processo em três fases metodológicas: sincrética,
autonomista e instrumentalista (DINAMARCO, Candido Rangel. A
instrumentalidade do processo. 15º ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p.26). Fredie
Didier Jr. sustenta a existência de uma quart a fase chamada “Neoprocessualismo”
(DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao direito
processual. 18ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 44-47). No mesmo sentido, Eduardo
Cambi defende a existência de uma quarta fase chamada “Neoprocessualismo”
(CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos
fundamentais e, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 115). Mais recentemente, Daniel Mitidiero passou a adotar a
expressão “processo civil no Estado Constitucional” para designar essa quarta fase
(MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil: pressupostos sociais, lógicos
e éticos. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 48). Carlos Alberto
Alvaro de Oliveira, por sua vez, utiliza a expressão “formalismo-valorativo” para
qualificar essa quarta fase do processo civil (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. O
Formalismo-Valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: DIDIER JR.,
Fredie (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. Salvador: Juspodivm:
2010, p. 149-170).
64 SIQUEIRA, Cleanto Guimarães. A defesa no processo civil: as exceções
substanciais no processo de conhecimento. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 2-3.
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3.1 O Brasil Império
A primeira carta magna brasileira foi a “Constituição Política
do Império do Brazil”, de 25 de março de 1824, outorgada pelo
Imperador D. Pedro I, em 25 de março de 1824, a qual contava com 179
artigos.
Tal diploma foi inspirado pelas ideias liberais que avançavam
na Europa65 e estabeleceu um regramento para o Poder Judicial nos
artigos 151 a 164, nos quais o procedimento judicial cível e criminal
era processado por juízes e por jurados, ficando a cargo dos segundos
a análise da matéria de fato, enquanto que aos primeiros competia a
matéria de direito66. Ademais, continha uma norma programática, que
determinava a organização, o quanto antes, de um Código Civil e de um
Código Criminal67.
A codificação civil era desejada por razões políticas, haja vista
que a simplificação e a ordenação das regras jurídicas resultariam em
uma uniformidade, que representaria uma unidade política à nova
nação68.
Também não se pode ignorar que, vinte anos antes da edição da
Constituição de 1824, Napoleão Bonaparte havia outorgado o Código
Civil Francês, conhecido como Código Napoleônico, o qual era fruto
65 GRINOVER, Ada Pellegrini. A atualidade do pensamento processual de
Francesco Ca rrara. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Jan./Dez., p. 53-61,
1992.
66 Art. 151. O Poder Judicial independente, e será composto de Juizes, e Jurados, os
quaes terão logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os
Codigos determinarem./ Art. 152. Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes
applicam a Lei.
67 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros,
que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela
Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. XVIII. Organizarse-ha quanto antes
um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.
68 MAZZEI, Rodrigo Reis. Apresentação: Noções Iniciais à Leitura do Novo Código
Civil. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coord.). Comentários ao Código Civil
Brasileiro: Parte Geral. vol. 1. Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. XIV.

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