O que é e o que não é dano moral

AutorMaria Celina Bodin de Moraes
Ocupação do AutorProfessora Associada do Departamento de Direito da PUC-Rio
Páginas143-192
3.1. Conceito e características do dano indenizável
Tradicionalmente, define-se dano patrimonial como a di-
ferença entre o que se tem e o que se teria, não fosse o evento
danoso. A assim chamada “Teoria da Diferença”, devida à
reelaboração de Friedrich MOMMSEN, converteu o dano
numa dimensão matemática e, portanto, objetiva e facilmen-
te calculável264.
A importância desta construção hoje nos escapa, de tal
modo estamos acostumados a pensar o patrimônio como um
conceito dado, quase como se fosse proveniente da natureza
das coisas. Atribui-se, no entanto, originariamente a F.-C.
VON SAVIGNY, o precursor da cientificidade do Direito265, a
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264 F. MOMMSEN, Zur Lehre von dem Interesse, apud H. HATTENHAUER,
Conceptos fundamentales del derecho civil, cit., p. 104, o qual traduz do
original a seguinte passagem: “La expresión id quod interest hace referen-
cia a una equivalencia, o ajuste, que es precisamente la que sirve de base
al concepto de interés. Por interés en sentido jurídico entendemos, concre-
tamente, la diferencia entre el monto del patrimonio de una persona en uno
momento dado y el que tendría se no haberse producido la irrupción de un
determinado suceso dañoso.”
265 Com essa expressão, quer-se fazer referência à extraordinária dedi-
cação de Savigny (1779-1861) à renovação da ciência jurídica, salientan-
do a presença marcante de sua “atitude científica” diante do Direito. De
fato, segundo afirma F. WIEACKER, História do direito privado moderno,
2. ed., Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 435-455, espec. p. 437-
438: “Os escritos programáticos de Savigny não constituem investigações
separação nítida entre a pessoa e seus bens — propriedade e
obrigação, integrando esses últimos sob um conceito unitá-
rio266 a fim de construir um “objeto” que pudesse ser protegi-
do contra os atos ilícitos267. Foi a partir de então que o Direito
Patrimonial foi alçado à categoria de esfera de poder juridica-
mente consolidada, de uma pessoa sobre o seu meio, “proje-
tando-se o seu poder ao externo, para além das fronteiras
naturais de seu ser”268.
Muitas são as teorias a conceituar o dano como pressupos-
to inafastável da responsabilidade civil. De fato, quando se
trata do direito da responsabilidade civil, usualmente se pon-
tua: se não há dano, não há o que indenizar269.
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histórico-filosóficas, mas manifestos de política jurídica e cultural. Eles
são importantes do ponto de vista da renovação da ciência jurídica do
direito comum que Savigny tinha desde o início conscientemente em
vista.” Wieacker anota a intenção de Savigny de tornar-se um reforma-
dor, um “Kant da ciência do direito”, “propósito admiravelmente tornado
realidade” (p. 438).
266 Para esta concepção, v. B. WINDSCHEID, Diritto delle Pandette
(1886), trad. C. Fadda e P. Bensa, Torino: Unione Tipografico, 1902, v.
I, Parte Prima, parágrafos 1º e 42, respectivamente p. 1 e p. 181, em que
define patrimônio como uma unidade juridicamente relevante, não re-
presentando a soma de suas partes mas a unidade delas, o “todo” como
coisa em si, contraposta às suas partes.
267 H. HATTENHAUER, Conceptos fundamentales del derecho civil, cit.,
p. 103, afirma que, se os conceitos de pessoa e de ato ilícito já haviam sido
suficientemente elaborados, faltava ainda encontrar um conceito co-
mum, a unir os bens violáveis por atos ilícitos.
268 F.-C. VON SAVIGNY, System, I, apud H. HATTENHAUER, Conceptos
fundamentales del derecho civil, cit., p. 103.
269 Christian VON BAR, professor da Universidade de Osnabrück, foi
coordenador, de 1993 a 1996, de um grupo de estudos com vistas à
elaboração de um Código Civil europeu. Daí resultou, entre outros, um
documento intitulado A common european law of torts, cit., disponível em
“http://www.cnr.it/CRDCS/frames19.htm”, acesso em 20 jul. 2000.
Sobre esse trabalho, o Professor comentou: “One area which as a result of
Aquele que sofre um dano moral deve ter direito a uma
satisfação de cunho compensatório. Diz-se compensação,
pois o dano moral não é propriamente indenizável; “indeni-
zar” é palavra que provém do latim, “in dene”, que significa
devolver (o patrimônio) ao estado anterior, ou seja, eliminar
o prejuízo e suas consequências — o que, evidentemente, não
é possível no caso de uma lesão de ordem extrapatrimonial.
Prefere-se, assim, dizer que o dano moral é compensável, em-
bora o próprio texto constitucional, em seu artigo 5º, X, se
refira à indenização do dano moral.
Até relativamente pouco tempo atrás, entendia-se como
contrário à moral e, portanto, ao Direito, todo e qualquer
pagamento indenizatório em caso de lesão de natureza extra-
patrimonial se esta se delineava unicamente como sofrimen-
to. O chamado pretium doloris (preço da dor) era inadmissí-
vel nos ordenamentos de tradição romano-germânica, com
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my inadequacies almost drove us to despair was that of the law relating to
‘loss’ and ‘damage’. I appreciated only very late that even the term ‘Scha-
den’ (‘danno’, ‘dommage’ and ‘damage’) is not susceptible to a useable
general definition but is rather a term which fulfils a multitude of different
roles in different circumstances, and which may have a different meaning
in each. It affects both the fact and extent of liability; as ‘restitutionary
damage’ it plays a role in the distinction between unjust enrichment and
the negotiorum gestio; it can relate primarily to compensation of value or
in naturalis and even these may be seen as being opposites. In England a
distinction is drawn between ‘damage’ and ‘damages’, in other systems,
between ‘Entschädigung and Schadensersatz’. That which some systems
treat as a part of ‘non-material loss’, others see as the wholly separate
danno biologico’. The same factual circumstances may in one system be
treated as physical loss, in another as pure economic loss — a distinction
which yet other systems do not even recognize. Imagine the relief therefore,
when amongst all this confusion, the English lawyer in the group introduces
his account by explaining that whilst it may be difficult to describe an
elephant, anyone who sees one will instantly recognize it.

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