Elementos constitutivos do dever de indenizar. Pressupostos da responsabilidade civil

AutorMiguel Dehon Rodrigues Barbosa
Páginas51-317
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Capítulo II
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DEVER DE INDENIZAR
PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 Ação e Omissão Voluntária
2.1. a Ato ilícito
A construção do dever de indenizar está diretamente associada à percepção
de um prejuízo, seja de ordem moral ou material. Contudo, para que haja o vínculo
obrigacional, é preponderante a prática de um ato eivado de ação ou omissão
voluntária do agente causador. Cabe salientar que este ato não poderá ser aquele
típico da natureza, uma vez que não tem a participação humana, são, inclusive,
excludentes do dever de indenizar, como veremos a seguir.
É mister que diferenciemos o ato da atividade humana queira ilícito ou
lícito, como elemento propulsor do dever de indenizar dos chamados negócios
jurídicos, sendo estes frutos da vontade humana, e quanto aos atos jurídicos são
qualificados pela prática do agente causador que persegue o fim ilícito, o
antijurídico, sendo a consequência jurídica a reparação do dano, imposta pela lei
contra a vontade e interesse do agente.
Os atos ilícitos podem ser dolosos, se deliberadamente o agente provoca o
estado antijurídico, e culposo, se intenção, por falta da necessária diligência.
O legislador pátrio distinguiu de maneira retilínea a concepção dos atos
jurídicos lícitos e dos atos ilícitos, vide o artigo 185 e o artigo 186 e seguintes da
Codificação Civil. Pois, no ato jurídico, em sentido estrito do negócio jurídico, exige
a serena manifestação da vontade apta a determinar efeitos jurídicos, ao passo que
naquele os efeitos jurídicos dimanam da lei.
Caprichosamente, o venerável Caio Mário da Silva Pereira noticiou em sua
obra uma conceituação importantíssima a cerca da ilicitude, e quero compartilhar
com os caros leitores (as) destas anotações, vejamos:
[...]Distinguindo as ações humanas em duas classes lícitas e
ilícitas divide as primeiras em dois grupos: negócios
jurídicos e atos jurídicos em geral. A estes manda aplicar as
disposições relativas aos negócios jurídicos. Aos atos ilícitos
reserva o disposto nos artigos seguintes. O indivíduo, na sua
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conduta antissocial, pode agir intencionalmente ou não; pode
proceder por comissão ou omissão; pode ser apenas
descuidado ou imprudente. Não importa. A iliceidade de
conduta está no procedimento contrár io a um dever
preexistente. Sempre que alguém falta ao dever a que é
adstrito, comete um ilícito, e como os deveres, qualquer que
seja, qualquer que seja sua causa imediata, na realidade são
sempre impostos pelos preceitos jurídicos, o ato ilícito na
violação do ordena mento jurídico. 41
A pedra de torque se firma, neste estudo, nos atos ilícitos como sendo a
violação do dever estabelecido pela ordem legal, colimando a reparação civil de
maneira direta e imediata ao agente causador. O Ato ilícito é fato jurídico em
sentido amplo, pois cria ou modifica a relação jurídica entre o agente causador da
lesão e o titular do direito à reparação, que pode ser a vítima ou seus dependentes.
Requer uma ação ou omissão, praticada ainda que dolosamente ou por simples
culpa, advindo danos de natureza patrimonial ou não patrimonial a alguém, havendo
o imprescindível nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.
2.1. b Ato lícito
Temos que perquirir a hipótese de que se o ato praticado pelo agente
causador fosse um ato lícito, ou seja, não tivesse maculado a ordem legal, mas
gerasse danos. O novel civil aportou com um estandarte, emoldurado pelo chamado
abuso do exercício de direito, que reluz no seu artigo 187, e sem maiores
preocupações, admite o patrocínio do dever de indenizar aqueles que excedem
manifestadamente os limites impostos pela exegese do fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Não tenho dúvida em sustentar que o Código Civil é preponderantemente
direcionado para os intérpretes da lei, ou seja, os pretores. Aos causídicos, cabem
esculpir magistralmente as teses, que denotaram as galácticas decisões (sugiro a
leitura de Eles os Juízes Piero Calamandr ei). Por assim ser, deverá o julgador
indicar se o ato praticado, mesmo que lícito, capitulou prejuízos ao ofendido.
o podemos confundir com o chamado exercício regular de um direito
reconhecido, situado como excludente do dever de indenizar., o que abordaremos
mais adiante. Como salientamos no início deste trabalho, o ato de convivência social
requer condutas seletivas que não impliquem na violação de direitos de outrem.
41 Pereira, Caio Mário da Silva . Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição . 2ª Edição .
Editora Forense . 1990.
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Muito embora tenhamos direitos reconhecidos, tal qual os diretos da personalidade
que são afiançados pela ordem constitucional, e mesmo assim não podemos
ultrapassar os limites impostos pela Lei.
Várias passagens legislativas já dão conta de que não poderemos abusar de
exercício de seu direito. Cito, como exemplo, a purgação de mora expressa na lei
das locações, o exercício da posse e o direito de vizinhança, as prerrogativas
processuais que culminam com a litigância de má-fé, e posso explorar, ainda, a
dicção do artigo 22042 § 2º da Carta Magna, quando trata da liberdade de expressão e
os danos morais.
A quiçá, o artigo 42 do pergaminho legal do Consumidor rev ela-se com
tintas coloridas quando versa que, nas cobranças de dívidas, o consumidor
inadimplente não será exposto ao ridículo e a nenhum tipo de constrangimento
(exemplo este que não cabe ao condomínio, pois não se aplica à relação
consumerista); e que seriam aquelas hipóteses das chamadas cobranças realizadas no
ambiente de trabalho, quando o credor, na ausência do inadimplente, deixa “um
recado com o colega de trabalho para que o infortunado quite sua dívida”, ou
mesmo, o credor também comunica a dívida “aquela” vizinha, sendo que ambos
receptores da mensagem adoram comentários impróprios com efeitos erga omnes.
Bem, não estou defendendo o inadimplente, mas sim os meios persecutórios
legais e dignos, dentro de parâmetros que devem zelar pela intimidade, dignidade e,
sobretudo a honra das pessoas. Penso que o abuso manifestado do exercício de
qualquer direito não poderá violentar os de outrem. Como diria meu saudoso
genitor: “meu direito começa onde termina o seu”. Valeu papai!
2.1. c Omissão Voluntária
Quanto à omissão voluntária, esta é visceralmente ligada ao elemento culpa
ao qual adiante estabeleceremos uma análise mais profunda. Mas, quero aqui traçar
algumas linhas preliminares quanto aos atos praticados pelo agente propulsor ou
causador de ilicitudes que tenham como nascedouro aqueles erigidos pela omissão
voluntária. Não obstante, celebraremos a culpa como sendo uma conduta culposa, a
omissão se designa pelos aqueles atos omissivos, ou seja, atos negativos aos quais
deveriam ser absolutamente previstos em decorrência de dever legal constituído.
Didaticamente, traço um diferencial da conduta omissiva dos atos praticados em
vontade própria e de deliberada intenção; seriam estes últimos os comissivos, ao
42 Artigo 220 A manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§2°- É vedada toda e qualquer censura de natureza política e ideológica e artística.

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