Elisão tributária no direito comparado

AutorPaulo Ayres Barreto
Ocupação do AutorProfessor Associado ao Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade de São Paulo
Páginas105-138
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CAPÍTULO VI
ELISÃO TRIBUTÁRIA NO DIREITO
COMPARADO
O exame das manifestações peregrinas sobre temas tri-
butários requer extrema cautela. Os diversos sistemas jurídi-
cos estruturam-se, consoante uma série de fatores históricos,
sociais, culturais, políticos e econômicos, de forma distinta.
Regular condutas humanas é um objetivo comum. A partir
dele, incontáveis opções se apresentam e os sistemas ganham
a sua própria feição, de acordo com esses fatores, em proces-
so contínuo de acomodação de tensões sociais. Cada sistema
jurídico, nessa perspectiva, é único.
Aplicar no sistema jurídico ‘A’ prescrições vigentes no sis-
tema jurídico ‘B’, ou mesmo levar em consideração manifes-
tações doutrinárias construídas a partir de determinado or-
denamento jurídico, sem a verificação de sua compatibilidade
com aquele que se pretende descrever, são posturas equivoca-
das e que, a todo custo, devem ser evitadas.
A comparação é necessária, no entanto, para um melhor
conhecimento do nosso próprio sistema jurídico, das caracte-
rísticas comuns a outros ordenamentos e, fundamentalmente,
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PAULO AYRES BARRETO
de seus traços específicos, singulares. Foi o que fez, exemplifi-
cativamente, Geraldo Ataliba, no seu clássico Sistema consti-
tucional tributário brasileiro.241 Como bem adverte José Artur
Lima Gonçalves, “o que não é possível – e, infelizmente, é o
que costuma ocorrer – é afastar exigência peculiar ao sistema
local, para a aplicação de prescrição alienígena”.242
Vejamos, assim, em grandes linhas, que previsões norma-
tivas há no direito positivo da Alemanha, França, Espanha,
Itália e Portugal, países com sistemas jurídicos de origem
romano-germânica, e nos Estados Unidos, onde prevalece o
sistema anglo-saxão, com o objetivo de identificar eventuais
pontos comuns em relação ao tratamento atribuído à matéria
no Brasil e, notadamente, as diferenças existentes entre os
diversos sistemas jurídicos.
6.1 Elisão tributária na Alemanha
O Direito Tributário sofreu, na Alemanha, forte influên-
cia da interpretação econômica, que teve Enno Becker, nos
idos de 1919, como primevo defensor. Foi por seu intermé-
dio que se deu a positivação da interpretação econômica no
Ordenamento Tributário do Reich (RAO).243 Propugnava-se
pela interpretação da norma tributária em conformidade
com os seus resultados ou efeitos econômicos. Conforme en-
sina Luís Eduardo Schoueri, o dispositivo se justificou pela
necessidade de assegurar maior arrecadação, especialmente
241. Nessa obra, Geraldo Ataliba traça importante paralelo entre o sistema consti-
tucional brasileiro e os sistemas norte-americano, argentino, alemão, mexicano e
francês. ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo:
Ed. RT, 1968. p. 67-88.
242. LIMA GONÇALVES, José Artur. Imposto sobre a renda: pressupostos constitu-
cionais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 22.
243.
Cf. ULHÔA CANTO, Gilberto. Elisão e evasão. In: MARTINS, Ives Gandra
(Coord.). Caderno de Pesquisas Tributárias: elisão e evasão fiscal, São Paulo: Resenha
Tributária, v. 13, p. 13, 1988.
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PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
LIMITES NORMATIVOS
para compensar as perdas decorrentes da Primeira Guer-
ra Mundial.244 Ademais, nota-se a influência de movimentos
como a Jurisprudência dos Interesses e o Movimento do Di-
reito Livre, que pregavam a liberação dos métodos de inter-
pretação do Código Civil, que veio a resultar na afirmação le-
gislativa da autonomia do Direito Tributário em relação ao
Direito Privado, não mais funcionando como um “direito de
sobreposição”.245
Após um período de crise da interpretação econômica,
quando ganhou força movimento que propugnava pela inter-
pretação do Direito pautada em sua unidade, o Código Tribu-
tário alemão, em vigor desde 1977, não mais previu dispositi-
vo que afirme a interpretação do direito tributário.246
Não obstante, há previsão legislativa de que a lei tributá-
ria não pode ser fraudada por intermédio do abuso de formas
jurídicas. Neste caso, ocorrendo o abuso, a pretensão do im-
posto surgirá como se para os fenômenos econômicos tivesse
sido adotada a forma jurídica adequada (§42). Além disso, na
hipótese de simulação, prevalecerá o negócio ocultado para
fins de imposição tributária (§41, 2).
Em sua redação original, o §42 do AO (Abgabenordunung)
previa que a lei tributária não poderia ser contornada “pelo
abuso de possibilidades de configuração jurídica”. Ademais,
previa que, no caso de abuso, a obrigação tributária seria cria-
da como se o planejamento tributário seguisse razões nego-
ciais substantivas.247
244.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.
684.
245. Ibidem, p. 685-686.
246. Ibidem, p. 688-690.
247. Em tradução ao inglês: “The tax code must not be circumvented by way of abu-
se of legal planning opportunities. In case of abuse, the tax liability is created as if
the tax planning followed sound business reasons”. KESSLER, Wolfgang; EICKE,
Rolf. Germany´s new GAAR – ‘Generally Accepted Antiabuse Rule’? Tax Notes In-
ternational, v. 49, n. 2, p. 151, 2008. Em tradução ao espanhol: “La ley tributaria no
podrá ser eludida mediante el abuso de las posibilidades de configuración jurídica.

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