Interpretação do direito

AutorPaulo Ayres Barreto
Ocupação do AutorProfessor Associado ao Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Universidade de São Paulo
Páginas23-44
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CAPÍTULO III
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
3.1 Relevância do tema
Refoge aos limites do nosso estudo ampla digressão so-
bre teoria geral da interpretação do direito. Nada obstante, há
uma série de aspectos vinculados a esse tema que assumem
decisivo relevo em relação à perspectiva de uma abordagem
consistente sobre os limites entre a elisão e a evasão tribu-
tárias no ordenamento jurídico brasileiro. Definir se estamos
diante de conduta elisiva ou evasiva é, nitidamente, um pro-
blema de interpretação do direito. Trata-se de tema comple-
xo, sujeito a diferentes perspectivas de abordagem, e que, por
tais razões, faz jus à existência de uma ciência da interpreta-
ção, denominada Hermenêutica.
Enfatiza Ricardo Lobo Torres que “a hermenêutica,
como ciência do espírito, busca a compreensão dos objetos
culturais (lei, texto sagrado, partitura musical, pintura, obra
literária etc.), e nela a interpretação jurídica ocupa lugar
paradigmático”.37
37. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12 ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005. p. 143-144.
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PAULO AYRES BARRETO
Definir onde se inicia o processo interpretativo, onde se
encerra esse mister e, fundamentalmente, quais são os meca-
nismos para afastar ou controlar a ideologia do intérprete, são
questões que têm atormentado a Teoria Geral do Direito.
Kelsen, em absoluta coerência com a busca de uma pu-
reza teórica, chegou a propugnar que “a interpretação jurídi-
co-científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer as
possíveis significações de uma norma jurídica”. Negava, com
isso, que Ciência do Direito pudesse tomar qualquer decisão
entre as possibilidades interpretativas por ela expostas, as
quais deveriam ser deixadas unicamente para o órgão compe-
tente para aplicar o Direito.38
É dizer, diante da impossibilidade de se afastar a influência
ideológica no processo de interpretação do direito, Kelsen
reduz o papel do cientista do Direito, colocando-o como mero
enunciador de possibilidades interpretativas.
Em nosso entendimento, a visão kelseniana promove
exagerado esvaziamento do mister doutrinário. A pureza da
proposta kelseniana enfrenta desafios sérios. Nada impede,
por exemplo, que o cientista do Direito, ao elencar as várias
possibilidades de aplicação do direito, identificando a moldu-
ra de significações dos textos do direito positivo, possa inten-
cionalmente afastar uma ou mais possibilidades de aplicação
do direito que, política e ideologicamente, não lhe convenham.
Kelsen provavelmente diria, em face de tal assertiva, que esse
não seria um verdadeiro cientista do Direito. No entanto, o
que procuramos demonstrar com esse exemplo é que a puri-
ficação extrema do processo interpretativo promove, a um só
tempo, uma significativa redução de sua relevância para o di-
reito, bem assim uma sensível perda do interesse doutrinário
na busca do convencimento da comunidade jurídica sobre o
verdadeiro conteúdo e alcance da lei.39 A dogmática jurídica
38.
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1976. p. 472.
39. BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São
Paulo: Dialética, 2001. p. 30.

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