E então? A justiça entre o excesso e o acesso

AutorBruno Takahashi
Ocupação do AutorDoutor, Mestre e Bacharel em Direito pela USP
Páginas191-252
Capítulo 4
E ENTÃO? A JUSTIÇA ENTRE O EXCESSO E O ACESSO
“O problema do acesso à ju stiça está relacion ado com os custos envolvi dos
em qualque r iniciativa judicial, trazend o evidentes consequê ncias à dis-
posição dos agentes e m promoverem a defesa dos interesses ge rais.
Carlos Alberto de Sa lles404
“De modo geral, é uma estratégia medíocre cortar custos sociais sem
considerar a grav idade associada aos cor tes nos benefíc ios sociais.”
Neil Komesa r405
“O autêntico ‘f ilé’, ou algo que a isso se aproxime, é ser vido àqueles que
podem fazer frente aos investimentos necessários para arcar com uma
demanda judicial bem-sucedida; a maior ia restante deve contentar-se
com uma combinaçã o de hambúrguer real com chiado simbólico.”
Marc Galanter406
Na procura por parâmetros para a escolha do processo adequa-
do, os capítulos anteriores trataram do conflito, das instituições para
seu tratamento (em especial, dos processos jurisd icionais) e das partes
envolvidas. No entanto, como visto, a plasticidade do confl ito faz com
que ele seja moldado tanto pelas partes como pelas instituições. As
partes, além de acionarem as instituições, vão também interferir no
delineamento da própria i nstituição, ao ponto de poderem até mesmo
404 Execução Judi cial em Matéri a Ambiental, cit. p. 126.
405 Imperfect A lternatives, cit. p. 148, em tradução l ivre.
406 Acesso à Justiça em u m Mundo de Capacidade Social e m Expansão. Tradução de
João Eberhardt Franc isco, Maria Cecília de Ar aújo Aspert i e Susana Henriques
da Costa. Rev ista Brasileira de Soci ologia do Direito, v. 2, n. 1, jan./jun., 2015, p. 40.
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Em busca da solução adequada de conitos
criar o próprio campo de jogo. Instituições podem atrair ou repelir
conflitos, emitindo sinais que eventualmente são recebidos pelas par-
tes. Enfim, es sas e outras afirmações feitas dur ante o trabalho indicam
que confl ito, instituições e par tes influenciam um ao outro e ta mbém
sofrem inf luências recíprocas.
Para compreender melhor as relações existentes e os próprios
conceitos propostos, neste último capítulo pretende-se retomar a aná-
lise da “explosão de litigiosidade”, demonstrando como essa noção se
estrutura no tocante aos elementos conflito, instituições e partes. De-
fende-se inclusive que tal estr uturação se baseia na “lógica do excesso”
de justiça, em detrimento da “ lógica do acesso”.407
Dessa maneira, o objetivo é, sobretudo, notar, em termos de ade-
quação processual, a importância da investigação conjunta dos três ele-
mentos expostos nos capítulos anteriores a par tir da perspectiva diversa
que se obtém quando se dá um passo atrás em dir eção ao conf lito, olha-se
para o lado para se perceberem as vária s instituições e se observa que m está
presente, ou seja, quem são as partes em ação. Assim sendo, sem desco-
nhecer a complexidade e a multiplicidade de enfoques possíveis, faz a
ressalva de que a questão do acesso à justiça não é tratada de maneira
aprofundada, sendo trazida antes como um exemplo para reforçar a ar-
gumentação do que como objeto central deste trabalho.
4.1. Do acesso para o excesso
Tratando do tema do acesso à justiça, Ugo Mattei408 nota um in-
tervalo de quase duas décadas entre os volumes decorrentes do Proje-
to Florença publicados no final da década de 1970, capitaneado por
Mauro Cappelletti, e trabalhos mais recentes do início dos anos 2000,
como o livro Access to Justice, de Deborah R hode. Segundo Mattei,409 as
obras da primeira leva de publicações sobre o tema precederam a
407 As expre ssões “lógica do excesso” e “ lógica do acesso” são de autoria de Da nie-
la Monteiro Gabbay, utili zadas em de conversa informa l com o autor.
408 Access to Justice. A Renewed Global Is sue?, Vol. 11.3 Electronic Journal Of Co mpa-
rative L aw, dec. 2007. Disponível em: ht tps://bit.ly/2Sqz1h8. Acesso em: 24 ago.
2020, p. 1-2.
409 Access to Justice. A Renewed Global Issue?, cit. p. 2
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E então? A justiça entre o excesso e o acesso
chamada “revolução Reagan-Thatcher”, ou seja, o momento em que as
instituições públicas começaram a ser transformadas e privatizadas.
Em particular, ele destaca que a obra de Cappelletti testemunhou
um momento de otimismo generalizado em relação ao modelo de inte-
resse público. A abordagem do setor público em geral e a da lei privada
(privat e law) era ativista, redistr ibutiva, democratizante e orientada para o
serviço público. De acordo o mesmo autor,410 o welfare state nas sociedades
ocidentais era vis to como um ponto de chegada da civi lização, e o acesso
à justiça seria o instrumento pelo qual o direito seria fornecido assim
como antes teria sido dado abrigo, saúde e educação aos necessitados.
No entanto, Mattei411 salienta que, no início dos anos 80, políti-
cas neoliberais basearam-se na assunção de que o welfare state era si m-
plesmente muito caro. Em consequência, alguns países pararam de se
preocupar com o estado insatisfatório da participação no sistema de
justiça, enquanto outros, nos quais os sistemas já estavam em uma
fase mais avançada de “privatização”, minaram sua legitimidade ao
recorrerem a modos ainda mais privatizados e remotos. Para ele, o
nascimento da indústria dos ADRs e o desenvolvimento de uma classe
profissional de mediadores, não necessar iamente com treinamento ju-
rídico e servindo aos interesses de harmonia e controle social não ad-
versarial, transformaram a questão do acesso à justiça. Limita-se o
máximo possível o ingresso nos tribuna is.
Mattei412 a firma ainda que somente em tempos recentes os estu-
diosos se deram conta de que o acesso à justiça se tra nsformou em um
não tema (non-issue), sendo substituído por uma questão oposta e quase
certamente inventada: a da “explosão de litigiosidade”. A resposta a
essa nova questão foi fechar o acesso aos tribunais. Todavia, fechar as
portas da justiça para os mais necessitados representa empoderar ain-
da mais os atores economicamente fortes.413 Como não há porta de
entrada aberta para a média da população, os poderosos agentes do
mercado podem ficar livres das consequências sociais de suas ações.
410 Access to Justice. A Re newed Global Issue?, cit., p. 2.
411 Access to Just ice. A Renewed Global Issue?, cit., p. 2-3.
412 Access to Justice. A Re newed Global Issue?, cit., p. 3.
413 Access to Justice. A Re newed Global Issue?, cit., p. 3.
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