Olhando para os lados: as instituições e os processos jurisdicionais

AutorBruno Takahashi
Ocupação do AutorDoutor, Mestre e Bacharel em Direito pela USP
Páginas53-122
Capítulo 2
OLHANDO PARA OS LADOS:
as instituições e os processos jurisdicionais
“No complexo mundo da escolh a institucional, raposas pode m ser colo-
cadas para cuidar do galinheiro, quando as alternativas (ursos, doni-
nhas, etc.) forem piores”
Neil Komesa r111
Assim como o modelo da pirâmide das disputas, caso aplicado
sem ressalvas, continua centrado no processo judicial, o mesmo pode
ser dito em relação a outras metáforas comumente utili zadas. Pela ima-
gem da estrada congestionada, por exemplo, o processo judicial seria
uma via rodoviária pela qual todos os carros deveria m passar para atin-
gir o seu desti no. A falta de opções alternativas fa ria com que o caminho
ficasse congestionado de veículos. Desse modo, deveriam ser abertos
caminhos vicinais para as quais poderiam ser desviados casos menos
relevantes, aliviando o t rânsito da estrada principal. Reforça-se, assi m, a
hierarquia entre a decisão adjudicatória do Estado-Juiz (estrada princi-
pal) e os meios ditos alternativos (caminhos vici nais).
Mesmo a imagem quase mítica do multi-door courthouse, na qual
haveria diversas portas (arbitragem, adjudicação, mediação, etc.) a se-
rem utilizadas conforme o tipo de conf lito, é frequentemente utiliza-
da com ênfase no Judiciário, que seria o órgão central de direciona-
mento dos conflitos.112 Isso é ainda mais visível na apropriação
111 Imperfect A lternatives, cit. p. 204, em t radução livre.
112 Para Tania Sourd in o modelo de tribunal mult iportas, surgido nos anos 1970,
coloca o Judiciár io como o epicentro do dir ecionamento de casos. Isso não
seria mais apropriado em muitas localidades, em especial naquelas em que
muitas dis putas resulta m em acordos feitos fora do sistema judicial. Para ela,
então, uma abordagem ma is moderna seria considera r um sistema de
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Em busca da solução adequada de conitos
brasileira do modelo, em que a triagem dos casos e o enca minhamen-
to para a porta mais adequada é colocada como atribuição judicial.113
Ainda que as metáforas não sejam idênticas ao objeto posto em
relação de similaridade, pois senão seriam o próprio objeto, elas auxi-
liam na percepção de um ou outro aspecto do fenômeno a ser ana lisado.
Se não esclarecem o todo, ao menos lançam luzes sobre alg umas partes.
Todavia, se o foco está desviado, o risco é tomar a parte pelo todo.
Por isso, dentro da premissa do pluralismo jurídico exposta no
capítulo anterior, as metáforas da pirâmide, da estrada e das portas
devem ser complementadas pela da árvore das disputas. Segundo Ca-
therine Albi ston, Lauren Edelman e Joy Milliga n,114 criadora s da metá-
fora, a árvore representaria melhor a multiplicidade de opções, além
de refletir a natureza viva e evolutiva dos conflitos. Nesse sentido,
cada um dos galhos da árvore representaria uma forma de solução,
como a decisão judicial, a mediação ou a arbitragem. Conforme o
tempo, os galhos cresceriam de modos diversos. Alguns seriam mais
simples de alcançar, outros estariam em uma altura que somente
poderia ser atingida por aqueles que possuíssem escadas (ou seja, re-
cursos suficientes). Os ganhos poderiam ser inócuos, produzir flores
(representações simbólicas de justiça, como o direito de ser ouvido) e/
ou frutos (compensações materiais, como reintegração no trabal ho ou
indenização financeira). Pessoas poderiam interagir com a árvore su-
bindo pelos seus galhos ou simplesmente sentando à sua sombra.
Em uma visão mais ampla, cada árvore representaria um tipo de
disputa, que variariam de formato conforme o passar do tempo. Assim,
em determinado conf lito, os galhos das ADR poderiam ter se desenvolvido
mais do que o da adjudicação por sentença. Algumas árvores cresceriam,
múltiplas opções de ju stiça (“multi option” justice system), em vez do tr ibunal
multipor tas (multi-door courth ouse). (The Role of the Courts in the New Just ice
System. Yearbook on Arbitration and Mediation, Vol. 7, 95, 2015. Disponível em:
https://bit.ly/2Akj5WJ. Acess o em 24 ago. 2020).
113 De fato, na versão brasi leira, o papel do Judiciár io foi reforçado, atribuindo-se
aos Centros Judiciá rios de Solução de Conf litos e Cidadania da Re solução CNJ
n. 125/2010 o papel de tribunal mu ltiportas, com a triagem e d irecionamento
que, inclusive, é feito a setore s do próprio Judiciário.
114 The Dispute Tree and t he Legal Forest, cit. p. 109.
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Olhando para os lados
outras morreriam. No conjunto, elas formariam uma grande floresta,
sujeita não apenas a ações do indivíduo, mas de todo o ecossistema que
as cerca.
Nesse contexto, as metáforas da pirâm ide e da árvore são comple-
mentares. A imagem da pirâ mide das disputas é útil para d ar atenção às
etapas do confl ito antes do seu direcionamento para u ma instituição de
tratamento. Além disso, é mais fácil visualizar os desvios no percurso –
e, por consequência, o conceito de atrição – por meio da imagem da pi-
râmide do que da árvore da s disputas. Em contrapartida, a árvore, além
de evidenciar a multiplicidade e i nstabilidade das disputas, também dei-
xa claro que existem vá rias formas de tratamento (galhos), com resulta-
dos diversos (frutos, f lores ou nem frutos e nem flores).
Partindo da v isão dessa multiplicidade de galhos de uma árvore
e de árvores em uma f loresta, este capítulo pretende destacar que exis-
tem múltiplas instituições e formas de tratamento do conf lito. Este
ambiente de policentr ismo institucional11 5 não se limita à instância ju-
dicial, também dando espaço a processos desenvolvidos em Câmaras
Privadas de mediação e arbitra gem, em processos comunitários ou em
órgãos admini strativos de solução de controvérsias. Do mesmo modo,
institu ições podem atuar em variada s etapas do surgimento do conf li-
to, não necessariamente se restringindo à disputa.
No entanto, para que essa abordagem seja possível, inicial mente
é necessário redimensionar o conceito de jurisdição, tornando-o mais
adequado a esse quadro. Em seguida, cabe especificar o que se enten-
de por instituições e qua l a relação delas com o conflito. Só então será
possível tratar da busca da i nstituição adequada e tecer algumas obser-
vações sobre a dinâmica ex istente entre as instituições.
2.1. O redimensionamento do conceito de jurisdição
Ordinariamente, a jurisdição é considerada um dos institutos
processuais fundamentais, ao lado da ação, da defesa e do processo.116
115 O termo “policentri smo instit ucional ” foi sugerido por Paulo E duardo Alves da
Silva.
116 Cândido Ra ngel Dinamarco, i nclusive, coloca a jurisdição no cent ro em torno
do qual grav itam os demais institutos fundamentais do di reito processua l.
Para ele, o próprio d ireito processual é conside rado como a disciplina jur ídica
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