Observando quem está presente: as partes em ação

AutorBruno Takahashi
Ocupação do AutorDoutor, Mestre e Bacharel em Direito pela USP
Páginas123-190
Capítulo 3
OBSERVANDO QUEM ESTÁ PRESENTE:
as partes em ação
“O marinheiro à der iva e o tubarão são ambos nadadores, mas apen as
um deles é profi ssional na natação.”
Marc Galanter243
Sobretudo devido à grande repercussão da obra A Instrumentali-
dade do Processo, de Cândido Rangel Dinamarco,244 grande parte da
doutrina brasilei ra passou a admitir a existênc ia de objetivos exteriores
ao processo e que justifica riam sua exi stência. Nessa obra, Dina marco245
propõe que o processo não seja visto como um fim em si mesmo, mas
como instrumento voltado à realização dos escopos da jurisdição (so-
cial, político e jurídico), que se traduzem nos próprios fins do Estado,
tendo a just iça como escopo-síntese.246
Ao dar a importânci a para os escopos social e político, há o inegável
mérito de se considerar a relevância das relações entre proces so e socieda-
de. De fato, a abertura do processo para objetivos que lhe são externos
poder ser visto como o grande mérito da teoria de D inamarco.
No entanto, ao se voltar para a final idade, a visão de Dinamarco
sobre o processo é marcadamente otimista: o processo seria o instru-
mento para a concretização dos objetivos últimos da sociedade.247
243 After word: Expla ining Litigation. Law and Socie ty Review, Vol. 9, n. 2, Litig ation
and Dispute Pro cessing: Part Two, inverno/1975, p. 363, em tradução livr e.
244 A publicação da pr imeira edição é de 1987. Neste trabalho, toma-se como base
a 15. edição, que foi publicada em 2013.
245 A Instrume ntalidade do Proce sso. 15. ed. São Paulo: Malhe iros, 2013.
246 A Instrument alidade do Processo, cit. p. 95-96 e p. 374.
247 Traços desse otimis mo podem ser obser vados, por exemplo, em: DINAMARCO,
Cândido Ran gel. A Instrumentali dade do Processo, cit. p. 36 e p. 358-359.
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Em busca da solução adequada de conitos
Ainda que sujeito a mudanças para se adequar ao seu contexto, e inclu-
sive às mutações constitucionais,248 o processo permaneceria firme
nos seus propósitos, sendo o espelho do Estado de direito contemporâ-
neo.249 Mesmo quando fala em aspecto negativo da in strumentalidade,
o que Dinamarco tem em mente é a importância da instrumentalida-
de para negar o processo como valor em si mesmo, ao passo que o as-
pecto positivo seria o de levar à efetividade do processo.250 Inc lusive no
aspecto negativo, não se trata, assim, de considera r que a instrumenta-
lidade processual pode ser a lgo indesejável. Também o aspecto negati-
vo é impregnado de otimismo.251
Dessa forma, a neutralidade do processo é reforçada, ainda que
sob outra roupagem. De fato, se o processo serve de instru mento para
consecução de fins que não lhe são própr ios, deve se adaptar, tal como
um camaleão, aos objetivos que lhe são externos. Desse modo, enten-
de-se que a visão da instr umentalidade do processo proposta por Di-
namarco concentra-se, em especial, no dever-ser. Em um mundo ideal,
o processo deveria ser um inst rumento que, adaptando-se aos escopos
jurídicos, políticos e sociais, permitiria que a justiça fosse atingida. A
ideia de objetivo, de finalidade, é tão grande que Carlos Alberto de
Salles252 chama essa instrumentalidade de finalista.
É o próprio Salles, porém, que, ao propor a instrumentalidade
metodológica,253 leva a noção de instrumentalidade ao seu extremo.
Dentro dessa perspectiva não se nega a importância dos escopos do
processo, fundamentos da própria noção de i nstrumentalidade, mas se
propõe uma diversa forma metodológica de atingi-los. Em vez de
248 A Instrumen talidade do Processo, cit. p. 33-44.
249 A Instrume ntalidade do processo, cit. p. 369.
250 A Instrume ntalidade do processo, cit. p. 377 e p. 316-323.
251 É certo que Dinamarco recon hece a possibilidade de inuti lidade ou distorção
do processo, como se nota no segu inte trecho: “se todo inst rumento, como tal,
destina-se a ajud ar o homem a obter determinados resu ltados, por outro lado
ele exige do homem a sua ma nipulação segundo nor mas adequadas, sob pena
de inutil idade ou distorção” (A Instrument alidade do Processo, cit. p. 265). Toda-
via, a teoria não se concent ra nos desvios possíveis, prefe rindo enfatiza r gene-
ricamente a necess idade do bom manejo do instru mento.
252 Arbitra gem em Con tratos Admi nistrativo s, cit. p. 15.
253 Arbit ragem em Con tratos Admi nistrativo s, cit. especialmente p. 13-27.
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Observando quem está presente
limitar-se à investigação do direito material, por si mesmo redutor da
realidade fática, prega-se a análise mais ampla possível, com apoio de
conhecimentos variados.254 Afasta-se o balizador do direito material
como elemento a guiar o estudo do processo, nisso havendo a modif i-
cação da postura metodológica.255
Com isso, radicaliza-se a noção de que o processo deve adaptar-
-se ao conflito que pretende tratar, na medida em que se propõe que
não apenas as normas jurídicas relativas ao conflito em questão sejam
analisadas para a construção do processo adequado. Propõe-se tam-
bém que a própria realidade específica em que o conf lito surge seja
tomada em consideração.
Nesse sentido, a instrumenta lidade metodológica complementa a
instrumentalidade finalista, pois também objetiva à construção de um
processo customizado que perm ita atingir o objetivo final da ju stiça. Se
a instru mentalidade final ista parte do processo rumo ao dever-ser, a ins -
trumental idade metodológica inicia seu percurso pelo ser. Para Salles,
o processo, em vez de ser tomado como ponto de partida, coloca-se
como ponto de chegada.256
No entanto, como Salles não nega a importância dos objetivos
externos ao processo, defende-se neste trabalho que o processo, mes-
mo à luz da instr umentalidade metodológica, não é nem ponto de par-
tida e nem ponto de chegada. O ponto de partida está na realidade fá-
tica subjacente à disputa trazida. O ponto de chegada continua fixado
nos objetivos sociais almejados. Processo, em que pese a circu laridade
da definição, é processo.257
Em outros termos, a partir da análise da realidade fática, identi-
ficam-se os elementos do conflito e, assim, os objetivos sociais visa-
dos.258 Tais aspectos serão decisivos para a escolha ou a construção do
254 Arbitra gem em Con tratos Admin istrativo s, cit. p. 27.
255 Arbit ragem em Co ntratos Adm inistrati vos, cit. p. 26.
256 Arbit ragem em Con tratos Admi nistrativo s, cit. p. 25.
257 Este arg umento é baseado em comunicação pessoa l com Olivia Yumi Nakae-
ma em dezembro de 2018.
258 Cons idera-se aqui, a perspect iva do processo jurisd icional para, então, aponta r
os objetivos sociai s como externos a ele. Todavia, é possível d izer que o
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