Entretenimento, sociabilidade e mobilidade social: reflexões sobre políticas de inclusão digital a partir de uma etnografia na lan house e no telecentro

AutorOlívia Bandeira de Melo Carvalho
Páginas141-170
Entretenimento, sociabilidade e mobilidade social:
reexões sobre políticas de inclusão digital a partir de
uma etnograa na lan house e no telecentro
Olívia Bandeira de Melo Carvalho96
O surgimento de estabelecimentos que poderíamos chamar de lan houses é um
fenômeno de pouco mais de 15 anos, mas nos últimos cinco anos assistimos a
uma explosão de lojas como essas no Brasil. Ainda em 1995, nos Estados Uni-
dos, jogadores de videogames dos estados do Texas e da Califórnia reuniam seus
computadores em salas alugadas, conectavam-nos em rede e realizavam longos e
ininterruptos campeonatos de jogos eletrônicos. A brincadeira levava o nome de lan
parties (LAN é a sigla para Local Area Network ou Rede Local). Mas foi na Coréia
do Sul que, em 1998, um brasileiro f‌ilho de coreanos buscou a ideia das lan parties
e instalou em São Paulo a primeira lan house brasileira97, que se diferenciava das
estrangeiras por já dispor de computadores em rede, com os jogos instalados, nos
quais os usuários podiam jogar pagando por hora.
Desde então, o número de lan houses no Brasil cresceu rapidamente, tornan-
do-se um estabelecimento comum nas ruas das grandes ou das pequenas cidades,
em shopping centers e, principalmente, em comunidades de baixa renda98 do meio
96 Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminen-
se e coordenadora da área de pesquisa em Economia da Cultura do Instituto Overmundo.
97 A lan house citada é a Monkey, que chegou a ser uma rede com dezenas de lojas espalha-
das pelo Brasil, mas fechou sua última unidade em abril de 2010. Para o fundador da rede,
Sunami Chun, esse modelo de empreendimento está saturado por uma série de motivos: a
informalidade a que está sujeita a maior parte das lan houses, a maior disseminação do com-
putador e da Internet nos domicílios e a falta de novos jogos em rede. O número de lan houses
existentes ainda hoje no país, principalmente nas periferias, nos leva a pensar que a questão da
sustentabilidade dessas lojas é mais complexa do que isso, e precisa ser aprofundada em outros
artigos. Informações sobre o fechamento da última Monkey disponíveis em: http://noticias.
r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/primeira-rede-de-lan-hous e-do-brasil-fecha-as-portas-
nesta-quinta-feira-20100401.html
98 Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comuni-
cação (CETIC.br, 2010), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), mostra que,
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urbano, mas também em algumas áreas rurais onde existisse algum tipo de serviço
de acesso à Internet banda larga, por cabo ou rádio. Devido à informalidade desse
tipo de estabelecimento, não se sabe ao certo quantas lan houses existem no Brasil. A
ABCID – Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital estima que, em 2009,
existiam entre 70 mil e 100 mil lan houses no país e cerca de 150 mil em 201099.
Seus usos não se limitam à diversão de jovens fascinados pelos jogos eletrônicos. Elas
servem também como um espaço de acesso a e-mails, salas de bate-papo e comunida-
des virtuais, de realização de pesquisas escolares, de acesso a ferramentas de governo
eletrônico (como consulta a CPF e realização de matrícula escolar), busca de emprego,
entre outros. Algumas disponibilizam também serviços de scanner e impressão. O
público que as frequenta é composto majoritariamente por adolescentes e jovens100,
interessados principalmente nos jogos em rede e nos sites de relacionamento, como
o Orkut. São também espaços de sociabilidade e de encontro.
Mais recentemente, a instalação dessas lojas tornou-se também uma reação da
própria sociedade diante da cada vez mais difundida ideia de que é indispensável
em 2010, 65% dos usuários com renda inferior a R$ 545,00 (o valor do salário mínimo) e 45%
dos usuários com renda inferior a R$1.090,00 (dois salários mínimos) acessaram a Internet de
centros públicos pagos. Esse percentual decresce na medida em que a renda aumenta. Mesmo
assim, 12% dos usuários com renda superior a dez salários mínimos frequentam os centros de
acesso pago, o que pode indicar que a frequência a lan houses e cibercafés não se dá apenas
pela inexistência de outros meios de acesso ao computador e à Internet; um fator que pode
inf‌luenciar, por exemplo, é a preferência por jogar em um espaço de acesso público, onde é
possível encontrar-se com outras pessoas.
99 Disponível em: www.abcid.com.br. Segundo Mário Brandão, o presidente da entidade, esse
número foi calculado com base na quantidade de softwares para gerenciamento de lan houses
vendidos no país e com base no número de pessoas que possuem acesso às lan houses no Brasil.
Mesmo que essas sejam metodologias possíveis para se medir o número de lans, considero que
os dados divulgados não devem ser tomados como absolutos, uma vez que essas metodologias
não estão claras, além de poderem existir muitas lans que não se utilizem desses softwares de
gerenciamento ou que utilizem programas não licenciados. Apresento os dados aqui somente
para dar uma ideia da dimensão que esse tipo de estabelecimento ganhou no Brasil nos últimos
anos. Cabe ressaltar que, mesmo que haja dúvidas sobre o levantamento desses dados, eles são
citados frequentemente em palestras e matérias jornalísticas.
100 A mesma pesquisa do CGI.br (2010) indica que nas faixas etárias de 10 a 15 anos e de 16
a 24 anos o principal local de acesso à Internet é o centro público de acesso pago, com uma
taxa de 48% dos usuários em ambas as faixas. Esse percentual decresce com o aumento da faixa
etária. Os indivíduos de 45 a 59 anos e de mais de 60 anos acessam a internet principalmente
em suas residências, numa taxa de, respectivamente, 77% e 79% dos usuários.

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