Juventudes na lan house: a experiência de (re)invenção de usos em duas favelas cariocas

AutorPâmella Passos
Páginas123-139
Juventudes na lan house: a experiência de (re)invenção
de usos em duas favelas cariocas
Pâmella Passos85
1. Considerações Iniciais
Nestas páginas o leitor poderá acompanhar resultados preliminares e algu-
mas ref‌lexões de uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento no Programa
de Pós- Graduação em História da Universidade Federal Flumimense (UFF). O
objetivo central da pesquisa é discutir a reatualização do mito do progresso a partir
da Internet, em especial nas favelas.
Para tal, escolhemos como foco de análise o principal ponto de acesso à rede
nessas comunidades: as lan houses. Segundo dados do Centro de Estudos sobre as
Tecnologias de Informação e Comunicação (CETIC)86, 34% de todos os acessos
à Internet no Brasil são feitos por lan houses e/ou cybercafés. Logo, tal espaço
apresenta-se como potente alvo de análise dos usos e apropriações da tecnologia
na contemporaneidade.
Os locais escolhidos para nosso acompanhamento efetivo são duas favelas que
apresentam características distintas, porém, ao mesmo tempo, aspectos convergen-
tes. Acari, na zona norte, região conhecida não só por sua famosa feira, onde tudo se
vende e tudo se compra, mas também pela inaceitável chacina em julho de 1990, na
qual 11 jovens foram sequestrados e mortos por homens que se identif‌icaram como
policiais. Nesse local, o tráf‌ico de drogas ainda exerce seu domínio e o cotidiano
dos moradores é marcado por uma política de segurança pública que prima pelo
confronto, tendo como sua principal estratégia o “Caveirão” e o “Águia” blindados
da polícia militar que entram na favela atirando indiscriminadamente.
85 Professora/pesquisadora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de
Janeiro (IFRJ) e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense, bolsista CAPES desde janeiro de 2011
86 TIC domicílios 2010, dados referentes ao local de acesso individual à Internet.
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Outro local da pesquisa é a comunidade do Santa Marta, localizada na zona
sul carioca, favela mais íngreme do nosso estado, sendo necessário subir 788 degraus
para chegar a seu topo. Internacionalmente conhecida pelas ilustres passagens de
Michael Jackson, Madona e, mais recentemente, da primeira dama francesa, Carla
Bruni Sarkozy, o Santa Marta vem ganhando as páginas de jornais e as telas de TV
por ser a primeira comunidade “pacif‌icada”. Primeiro local de implementação do
projeto das UPPs – Unidade de Polícia Pacif‌icadora, o Santa Marta vem sendo
apresentado como modelo a ser seguido nas demais favelas cariocas.
(...) a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações
sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma,
que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem
formados.
(BAKHTIN, 2004: 41)
A citação, retirada das ref‌lexões bakhtinianas, tem como objetivo apresentar
nossa discussão acerca do que compreendemos como espaços populares, bem
como nossa af‌irmação em relação ao uso do termo “favela” para designá-los.
Primeiramente cabe destacar que assumimos como espaços populares locais eco-
nomicamente desfavorecidos, marcados por uma ausência de Políticas Públicas
de Estado que garantam a criação e manutenção de condições dignas de vida em
suas mais diversas áreas, tais como: educação, saúde, esporte, cultura, habitação,
saneamento básico, dentre outras.
Em seguida, destacamos nossa opção, sobretudo política, em utilizar o termo
favela, oriundo historicamente do início da República brasileira. Ao retornar da
última batalha contra o Arraial de Canudos os soldados “vitoriosos” passaram a
abrigar-se na região que é atualmente conhecida como Morro da Providência,
aguardando nesse local, a providência do Estado. Por terem ocupado um morro
denominado “favella” durante o conf‌lito na Bahia, os “heróis nacionais” acabaram
por dar nome à região que ocupavam no Rio de Janeiro, local que f‌icou popular-
mente conhecido na época como Morro da Favela, considerada a primeira favela
do Rio de Janeiro, datando de 1897.
Nossa hipótese é de que as favelas ainda são ocupadas por aqueles que aguar-
dam a providência, ou ainda, o comprometimento do Estado. Tendo passado por
um processo de negativização, o termo favela é considerado por muitos pejorativo,
associado muitas vezes à pobreza e/ou à violência. Compreendemos, no entanto,
que se trata de uma visão preconceituosa que não valida as produções e as riquezas
de tais espaços. Af‌irmar o termo favela é af‌irmar uma história, uma resistência e

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