Execução por Quantia Certa

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado. Juiz aposentado do TRT da 9.ª Região
Páginas331-465

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1. Generalidades

A Lei n. 11.232/2005 introduziu revolucionária alteração no sistema do processo civil, ao trazer para o processo de conhecimento a clássica execução por quantia certa, fundada em título judicial (arts. 475-A a 475-R no CPC de 1973) – fato que levou a doutrina do período a aludir a um sincretismo processual realizada pela sobredita norma legal. Em decorrência disso, instituiu-se o procedimento do cumprimento da sentença, e foram reformulados tradicionais conceitos inscritos no texto original daquele CPC como se deu, em particular, com o de sentença (art. 162, § 1.º). Em termos práticos, esse sincretismo significou que, transitando em julgado a sentença condenatória — para cogitarmos, apenas, da execução definitiva —, o devedor não mais passou a ser citado para o processo de execução, senão que intimado para, no prazo de quinze dias, cumprir, de maneira espontânea, a sentença, sob pena de a condenação ser acrescida, de forma automática, em dez por cento (CPC, art. 475-J).

O CPC de 2015 manteve a técnica do cumprimento da sentença (arts. 513 a 518), reservando o processo de execução para a que se fundar em título extrajudicial, aí incluída a Fazenda Pública (arts. 771 a 925). Conforme já deixamos consignado em linhas anteriores, o processo do trabalho não prevê o procedimento do cumprimento da sentença, mas, apenas, o de execução, seja para títulos judiciais, seja para títulos extrajudiciais.

Por esse motivo, estaremos a falar, neste Capítulo de execução por quantia certa.

Pressuposto específico dessa execução é, portanto, a existência de quantia certa, assim entendida a prestação pecuniária a que o devedor está obrigado, por força do título executivo judicial. Estabelece, a propósito, o art. 783 do CPC que a execução para cobrança de crédito se fundará sempre em “título de obrigação certa, líquida e exigível”, sob pena de vir a ser declarada nula (CPC, art. 803, I), acrescentamos. Como pudemos advertir, em Capítulo anterior (Primeira Parte, XI), a expressão legal “líquida e certa” é marcada por injustificável superfetação, porquanto se considera líquida a obrigação que seja certa, quanto à sua existência, e determinada, no que toca ao seu objeto; sendo assim, para atender ao rigor jurídico, bastaria dizer-se que o título exequendo deveria ser líquido, pois o conceito de certeza está compreendido no de liquidez.

Caso a obrigação se apresente ilíquida, há necessidade de inaugurar-se uma fase preparatória da execução propriamente dita, destinada a quantificar o conteúdo obrigacional, sem o que o título executivo será declarado inexigível.

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O objetivo da execução por quantia certa é expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor (CPC, art. 824), pois o primeiro responde, com seu patrimônio (presente ou futuro), para o cumprimento das obrigações (CPC, art. 789). A convergência dos atos executivos para a expropriação judicial dos bens do devedor foi a sensata solução que os modernos sistemas processuais encontraram para substituir alguns meios largamente postos em prática, no passado, em que a execução recaía, muitas vezes, na pessoa física do devedor. Pela manus iniectio do direito romano, p. ex., o inadimplemento do devedor gerava para o credor o direito de aprisioná-lo, vendê-lo como escravo ou mesmo assassiná-lo. Em respeito à dignidade humana do devedor, portanto, a legislação — fortemente infiuenciada pela doutrina cristã — evoluiu para a responsabilidade apenas patrimonial deste, anatematizando as práticas infamantes outrora consagradas. Modernamente, pois, a execução por dívidas perdeu o seu caráter corporal de outrora, para tornar-se, exclusivamente, patrimonial ou real.

Em nosso meio, o próprio texto constitucional — mantendo uma tradição elogiável — proíbe a prisão civil por dívida, exceto “a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (art. 5.º, LXVII) — em que pese ao fato de a Súmula Vinculante n. 25, do STF, declarar ser “ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

A execução por quantia certa, de outro lado, pode ser convertida em sucedâneo lógico e jurídico das execuções para a entrega de coisa certa, de fazer ou de não fazer, sempre que for impraticável obter-se o cumprimento das obrigações mencionadas; essa conversão é necessária para evitar que o credor não veja o seu direito, reconhecido pelo pronunciamento jurisdicional passado em julgado, precipitar-se no vazio, em decorrência da impossibilidade de exigir a sua satisfação concreta (sanctio iuris).

Qual seria, porém, o objeto da penhora judicial: o domínio ou a posse dos bens penhorados? Nenhuma coisa nem outra. A penhora não retira do devedor a propriedade ou a posse dos bens; dessa maneira, o que o Estado expropria, na verdade, é a faculdade de o devedor dispor dos seus bens, transferindo-a ao juiz, que a exerce no interesse do credor (CPC, art. 797). Nesse sentido, a lição de Amílcar de Castro: “O juiz, que é a pessoa a quem se transfere a faculdade de dispor, não adquire, portanto, o direito que é objeto da disposição: adquire somente a faculdade de dispor; mas a adquire como a sua. O direito continua a pertencer ao titular, e o juiz, que ao titular se une e contrapõe, exercita em nome próprio faculdade relativa ao direito alheio. Além disso, a expropriação não se opera no interesse do titular, nem com o concurso de sua vontade; opera-se ainda contra a sua vontade, no interesse da função jurisdicional, e por isso é que o juiz, titular da faculdade de disposição, não age em nome do titular do direito, age sim em nome próprio” (Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. vol. XVIII, p. 192).

Observa, ainda, o eminente jurista que nem mesmo a faculdade de disposição é inteiramente subtraída ao devedor, ficando este apenas impedido de valer-se dela em detrimento da execução, daí por que se o devedor vender os bens penhorados, antes da alienação judicial, e com o produto da venda pagar a dívida e as despesas processuais, “essa venda não pode deixar de ser válida”.

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2. Mandado executivo

Na linguagem técnica do processo, o vocábulo mandado (do latim mandatum, de mandar) designa a ordem, emanada do juiz, para que seja realizada determinada diligência. A especificação do mandado é ditada pelo conteúdo da ordem; daí a existência de mandados de citação, de busca e apreensão, de prisão, de arresto, de sequestro, de penhora, de segurança etc.

Interessa-nos, em particular, o mandado citatório, em sua versão executiva, vale dizer, o mandado executivo. Antes de passarmos ao exame deste ato judicial, queremos ressalvar a nossa opinião, manifestada em páginas anteriores, de que, sendo a execução trabalhista de lege lata mera fase sequente ao processo de conhecimento, ela se iniciaria com a intimação (não citação) do devedor, para...

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