A experiência brasileira de genocídio

AutorCarlos Frederico Santos
Ocupação do AutorÉ Subprocurador Geral da República, com atuação na área criminal no Superior Tribunal de Justiça e Conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público Federal
Páginas107-134
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A EXPERIÊNCIA
BRASILEIRA DE GENOCÍDIO
Os nativos das Américas experimentaram no século XVI os
atos genocidas dos Ibéricos, e o Brasil serviu de palco para essa
representação dramática, na qual os portugueses foram os prota-
gonistas das opressões sofridas pelos índios.
No decorrer dos séculos seguintes, continuaram a ter seus
corpos conquistados pela espada e suas almas pela cruz na medida
em que suas terras eram usurpadas, suas organizações sociopolíti-
cas desintegradas, suas religiões sufocadas e, enm, suas culturas
desnaturadas, sem direito à resistência1
Nada mudou com a primeira Constituição brasileira, a de
18242, que sequer mencionou a palavra índio, indígena ou silví-
cola, só vindo a se referir à indígena em 1834, quando a Lei nº
163 a alterou, incumbindo às Assembleias Legislativas Provinciais,
1 BOFF, Leonardo. La cruz como símbolo de opresión. In: AZNÁRES, Car-
los; NORMA, Néstor. 500 años después: ¿descubrimiento o genocidio? Es-
paña: Nuer ediciones, 1992, p. 77.
2 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil:
outorgada em 25 de março de 1824. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 9 out 2016.
3 BRASIL. Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834. Faz algumas alterações e adi-
ções à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de outubro
de 1932. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/
lim16.htm>. Acesso 09 out 2016.
Art. 11. Também compete ás Assembléas Legislativas Provinciaes: § 5º.
Promover, cumulativamente com a Assebléa e o Governo Geraes, a organi-
zação da estatistica da Provincia, a catechese e a civilisação dos indígenas, e
o estabelecimento de colonias.
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Carlos Frederico Santos
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cumulativamente com o Governo Geral, a promoção da catequese
e civilização dos indígenas, cujo trabalho, de fato, cou sob a res-
ponsabilidade das instituições religiosas.
Com a Proclamação da República, foi baixado o Decreto nº
7, de 18894, que dissolveu e extinguiu as assembleias provinciais
e xou, provisoriamente, as atribuições dos governadores dos Es-
tados, repetindo, nesse aspecto, quanto aos indígenas, o que ipsis
litteris dispunha a Lei nº 16, de 1834, mas nada tratou sobre o
tema a Constituição de 18915.
No entanto, a adoção da laicidade foi forçando o Estado a se
responsabilizar pelas atividades que lhe eram próprias, motivan-
do-o, paulatinamente, a retirá-las das instituições religiosas, den-
tre as quais se incluía a política indigenista, considerando o seu
grau de complexidade e de potencial geração de conitos, que se
agravavam proporcionalmente à necessidade da expansão da ocu-
pação territorial brasileira.
Por outro lado, o Brasil vinha sendo acusado, já naquela épo-
ca, de massacrar seus índios, fato que ganhou relevo no XVI Con-
gresso de Americanistas, realizado em Viena, no ano de 1908, le-
vando o governo a buscar soluções através de uma proteção leiga
e privativa do Estado às populações indígenas.6
4 BRASIL. Decreto nº 7, de 20 de novembro de 1889. Dissolve e extingue
as assembléas provinciaes e xa provisoriamente as attribuições dos
governadores dos Estados.” Disponível em: <http://www2.camara.leg.
br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-7-20-novembro-1889-517662-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 09 out 2016.
Art. 2º. Até á denitiva constituição dos Estados unidos do Brazil, aos
governadores dos mesmos Estados competem as seguintes attribuições:
§ 12. Promover a organização da estatistica da Provincia, a catechese e a
civilisação dos indígenas, e o estabelecimento de colônias.
5 BRASIL. Constituição (1891) Constituição da República dos Estados Uni-
dos do Brazil: promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Disponível em:
.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>.
Acesso em: 9 out. 2016.
6 ABREU, Alzira Alves. Serviço de Proteção aos Índios (SPI). In: ______. Di-
cionário Histórico-Biográco da Primeira República 1889-1930. ISBN 978-
85-225-1658-2. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015, p. 5193.
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